Brasil

Com base rachada, discurso de Bolsonaro mira eleitor de baixa renda

Para Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, o embate entre o presidente Bolsonaro e o ex-ministro Moro atinge sua imagem de político antissistema

Renato Meirelles, sócio e presidente do Instituto Locomotiva: a radicalização vai aumentar (Ueslei Marcelino/Reuters)

Renato Meirelles, sócio e presidente do Instituto Locomotiva: a radicalização vai aumentar (Ueslei Marcelino/Reuters)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 25 de abril de 2020 às 09h30.

Última atualização em 25 de abril de 2020 às 12h16.

A declarada guerra entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro rachou as bases do bolsonarismo. E as consequências desse embate serão vistas nos próximos dias e semanas, com ataques vindos de ambos os lados.

A sexta-feira 24 de abril foi emblemática para a base de apoio do presidente na visão de Renato Meirelles, sócio e presidente do Instituto Locomotiva, pois o episódio que envolveu a demissão de Moro atingiu um dos pilares da construção de imagem de Bolsonaro: o político do antissistema.

“Em um ano e quatro meses de governo, pela primeira vez, uma personalidade admirada e com credibilidade junto ao eleitorado de Bolsonaro, como é o ex-ministro Moro, apontou que o presidente adota práticas da política tradicional e mente em favor de sua família”, disse Meirelles. “Isso colocou em xeque a mensagem antissistema de Bolsonaro.”

Por isso, de acordo com Meirelles, o discurso de Bolsonaro em resposta a Moro, na tarde de sexta-feira, até pode ter parecido desconexo, mas tinha um alvo claro: os bolsonaristas de baixa renda.

“O eleitorado de baixa renda não lembra que Bolsonaro deu carta branca ao ex-ministro, mas têm forte apelo junto a essa população mensagens como a de que ´o presidente é quem manda´ e que estão tentando atingir sua família.”

 

 

A mesma avaliação não se aplica aos eleitores de classe média. As acusações de Moro devem ter forte impacto nessa faixa do eleitorado, cujo apoio ao ex-ministro e ao discurso anticorrupção resultaram em muitos votos para Bolsonaro em 2018.

Meirelles lembra que guinadas no discurso costumam ser mal recebidas pelo eleitorado. Ele lembra que a ex-presidente Dilma Rousseff ganhou as eleições de 2014 com o discurso de que não seriam os pobres que iriam pagar a conta.

O que aconteceu no início do segundo mandato, no entanto, foi exatamente na direção contrária, com cortes em programas sociais e uma política econômica mais alinhada ao que o mercado financeiro e os investidores cobravam. “O eleitorado fiel da esquerda se sentiu traído.”

Meirelles espera que os próximos lances desse embate devem vir, principalmente, de Bolsonaro e de seus apoiadores na tentativa de descontruir a imagem de Moro, reforçando que, no final das contas, ele estaria preocupado unicamente com sua carreira.

“A radicalização só deve aumentar, com o engajamento digital da base de apoio mais aguerrida do presidente”, diz Meirelles, que classifica o dia de hoje como o pior de todo o mandato de Bolsonaro.

A gravidade do episódio seria equivalente à do dia que áudios vazados inviabilizaram a indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Civil do governo de Dilma Rousseff, em 2016, e sacramentando a rota rumo ao impeachment de Rousseff.

Outro evento de igual envergadura foi o vazamento da conversa gravada entre o empresário Joesley Batista e o ex-presidente Michel Temmer, dando suposto aval para a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.

Os próximos lances dessa batalha deverão ser conhecidos em breve.

Acompanhe tudo sobre:Jair BolsonaroSergio Moro

Mais de Brasil

Ações isoladas ganham gravidade em contexto de plano de golpe, afirma professor da USP

Governos preparam contratos de PPPs para enfrentar eventos climáticos extremos

Há espaço na política para uma mulher de voz mansa e que leva as coisas a sério, diz Tabata Amaral

Quais são os impactos políticos e jurídicos que o PL pode sofrer após indiciamento de Valdermar