Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 23 de fevereiro de 2025 às 06h05.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo com a popularidade em baixa, tem experiência, é carismático e chegará competitivo nas eleições de 2026, afirma o presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em entrevista exclusiva à EXAME. A disputa presidencial tende a ser "espetacular", avalia Maia, se o ex-presidente Jair Bolsonaro abrir espaço para a candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Para tentar impulsionar a candidatura, afirma Maia, Lula tem apostado na expansão dos gastos públicos, como, por exemplo, o aumento real do salário mínimo, que afeta o valor de benefícios previdenciários, trabalhistas e assistenciais. Além disso, a maior oferta de crédito ajudou no crescimento econômico dos dois últimos. Entretanto, o custo dessas políticas se traduz em inflação, aponta o ex-presidente da Câmara.
"O governo está apostando tudo em duas vertentes. Expansão do gasto público e expansão do crédito. O governo cresceu em 2023 e 2024 apostando nisso e continua apostando nisso. Ele acha que através da expansão do gasto público e do crédito o governo vai fazer a economia crescer. É claro que essa estrutura de estímulo ao crescimento gera distorções. Gera juros, inflação e outros problemas", diz.
Segundo o ex-presidente da Câmara, a disputa entre Lula e Tarcísio dependerá da anuência Bolsonaro, que ainda insite em ser candidato, mesmo com os direitos políticos cassados. O ex-presidente aposta na possibilidade de mudar essa condição jurídica, assim como Lula conseguiu nas eleições passadas.
"O grande adversário do Lula é o Tarcísio. O problema do Tarcísio é o Bolsonaro. Se o Bolsonaro compreender que o Tarcísio é um candidato de direita que tem rejeição baixa — é por isso que ele é mais forte e fala muito bem — teremos uma eleição espetacular", diz Maia.
Na avalição de Maia, Tarcísio faz uma boa administração em São Paulo, mas tanto ele quanto o petista têm como principal problema de gestão a segurança pública.
"De um lado, o presidente Lula, que o grande político brasileiro dos últimos 40 anos. E do outro lado, um jovem político, que entrou na última eleição, que ganhou o estado de São Paulo de forma surpreendente e faz um ótimo governo", prossegue.
Como o senhor analisa o debate atual sobre o ajuste fiscal, considerando que o presidente Lula sinalizou não enviar mais medidas de ajuste ao Congresso?
Cada um vai defender o seu ponto de vista e é legitimo. O presidente Lula foi eleito e a esquerda acredita que a prosperidade e o desenvolvimento passam pelo Estado. Eles acham que o estado é o indutor do desenvolvimento. Os políticos que seguem os economistas mais liberais divergem dessa tese. Eles acham o Estado é ineficiente. O recurso que vai para o Estado é de baixa produtividade. Cada real que se tira do setor privado e vai para setor público está gerando menos riqueza se esse dinheiro estivesse sendo aplicado pelo setor privado. Isso são números. A produtividade da economia e do trabalhador brasileiro são baixas, mas a produtividade do setor público é mais baixa que a do setor privado. Mas é legítimo, e esse é o debate.
E como o Congresso pode atuar nesse debate?
O presidente Lula foi eleito e tem a maioria dele. O presidente Lula foi eleito e tem a maioria dele. É muito difícil para um político quando tem o governo anunciando uma expansão de gastos e esperar que o Congresso controle as despesas. É muito difícil. Não quer dizer que não possa existir. Aí, tem que ser pessoas que gostem muito do tema e acreditem muito no tema. Como o ciclo político é a cada dois anos, chega uma hora que o político não consegue acreditar ou defender que uma decisão de maior austeridade hoje vai gerar um benefício em quatro anos. Compreendo completamente a dificuldade do Congresso de tentar ter mais independência e criar um enfrentamento em um momento em que o presidente anuncia isenção de Imposto de Renda, aumento do Bolsa Família, aumento do salário mínimo acima da inflação. Esse enfrentamento é difícil.
Mas a dívida pública está crescendo, alimentada pelo déficit nominal.
Os atores econômicos estão voltando hoje a olhar uma coisa de quando a Dilma [Rousseff] era presidente e o Guido Mantega, ministro da Fazenda, que é o déficit nominal. Os economistas que olham finanças públicas pararam de olhar o déficit primário. Por isso que o governo reclama que está cumprindo a meta. Mas, como a meta não é suficiente para reduzir a trajetória da dívida, as pessoas estão olhando o déficit nominal e como a trajetória da dívida vai bater daqui a três ou quatro anos. E mais do que isso: ninguém está olhando os próximos dois anos. O investidor olha os próximos 10 anos.
'Os atores econômicos estão voltando hoje a olhar uma coisa de quando a Dilma [Rousseff] era presidente e o Guido Mantega, ministro da Fazenda, que é o déficit nominal. Os economistas que olham finanças públicas pararam de olhar o déficit primário - Rodrigo Maia
E como enfrentar esse problema?
O Lula teve um ciclo que ele pegou um governo muito enxuto do Fernando Henrique e manteve mesma estratégia. A despesa era coberta pelo aumento da carga tributária. O Hugo Motta disse assim que assumiu que o Congresso não está disposto a aumentar a carga tributária. Na minha época era igual. Eu disse ao Haddad uma vez: “ministro, o PT está errado. O teto de gastos não é uma decisão da burocracia. É uma decisão da política.” O teto de gastos é aprovado para o não retorno da CPMF e o não aumento da carga tributária no governo Michel Temer. Foi uma decisão política. A grande dificuldade hoje é que, ao mesmo tempo em que o governo e o Congresso criam despesas — com estímulo do governo —, o Congresso barra o aumento da carga tributária.
Essa conta não fecha...
É incompatível. A dívida não cresceu muito nos últimos anos por alguns motivos, mas também porque o governo vendeu muitas reservas, o que ajudou a controlar a dívida entre 74% e 75% do PIB. Mas a expectativa do mercado é o crescimento da dívida seja de cinco a seis pontos percentuais. É muita coisa. Se os atores econômicos e políticos não têm capacidade de convencer o Lula e o entorno do Lula que essa política está errada, isso é do processo político. A democracia é assim. O Lula tem muita experiência e sabe os riscos que ele quer correr. Ele certamente está avaliando o impacto de uma isenção dessa no processo político, óbvio, no processo da reeleição dele.
Mas o orçamento parafiscal tem crescido. Isso não é problema?
Agora estamos vivendo uma discussão inusitada. O Tribunal de Contas da União (TCU) barra o parafiscal do Pé-de-Meia e o ministro da Fazenda vai com outros atores do governo dizer que o programa é legal. Eu divirjo. Eu divergi pouco do Haddad nesses dois anos. Aliás, acho que ele está indo super bem. Mas entendo as dificuldades de conseguir colocar [o programa] dentro do orçamento. Mas se todas as urgências da sociedade podem virar um projeto parafiscal, estamos correndo um risco muito grande de um descontrole na frente. Só que o Pé de Meia é um programa permanente. Ele não deveria ter começado fora do teto, não deve estar fora do teto e o nosso coração latino não nos deve tirar da nossa racionalidade, que é compreender que as regras de finanças públicas devem ser respeitas.
E a questão das emendas parlamentares?
Esse é outro tema. Temos que parar com esse debate de como se distribui emenda. No fundo, o debate que existe hoje é o governo querendo se apropriar das emendas para fazer a mesma política que fez no passado: negociar com o Congresso as emendas ao invés de formar maioria. E o Congresso quer ter a sua legitimidade e ter respeitado o seu poder que foi desrespeitado desde a redemocratização, por um período longo. E foi recuperado. O Congresso não está superpoderoso. O governo que era superpoderoso no passado. Ao longo dos anos, com várias medidas, parte do orçamento impositivo, fim das Medidas Provisórias sem prazo, votação de vetos — que não existia —, tudo isso foi colocando o Legislativo no seu devido lugar. É claro que as emendas, em determinado momento, geravam uma distorção a favor do governo e, agora, gera uma distorção a favor do Legislativo.
Existe uma solução possível para esse impasse?
Nesse tema, eu não vi, até agora, ninguém sentando e dizendo que irão fazer um desenho correto. Qual o desenho correto? Não sei. Isso é um debate. A minha opinião que é: política pública é papel do Executivo e orçamento, do Legislativo. O governo não pode escolher cinco projetos e obrigar os parlamentares a colocarem as emendas nesses cinco projetos. Mas o governo pode fazer projetos em qualquer área que seja, na área de infraestrutura, nacional, que se encaixem na política de representação de todos os parlamentares de todo o Brasil. Se tenho política nacional de estradas, você dará oportunidade para que o deputado do Norte coloque recursos lá e o deputado Sul também. O que não pode é ter recurso encaminhado para o estado ou município que não passe pela política pública do governo.
O presidente Lula perdeu a capacidade política de outros tempos? Pesquisas mostram reprovação recorde.
As condições são outras. Se não fosse o Lula, a situação era muito pior. É claro que a situação que o Lula recebeu o governo é pior do que a que ele recebeu em 2003. A margem de manobra é menor do que era antes. Não é culpa dele. Se não fosse o Lula, talvez, a reprovação do presidente em exercício fosse muito pior que a do Lula.
O senhor avalia que a direita estará forte em 2026, diante da situação atual do governo?
A eleição será muito disputada. Dependendo dos movimentos que o Bolsonaro faça para atrapalhar o processo da direita, por estar inelegível, pode atrapalhar um pouco no primeiro turno. Mas, no segundo turno, teremos um pouco do retrato que foi o último processo eleitoral. Aí você vai olhar a rejeição do Lula e do seu adversário e você vai ver quem agrega mais. O processo eleitoral nos Estados Unidos, nas últimas eleições, foi assim. Quem conseguiu agregar aquela faixa que não era radical democrata ou republicano venceu as eleições. Aqui no Brasil vai ser um pouco assim. Você tem uma direita mais à direita e o Lula mais centro esquerda e o governo mais de esquerda. O Lula ganha a eleição de 2022 com parte dos votos da direita 'não-bolsonarista'. Em 2026, o Lula tem a faixa dele, de 35%. A direita tem a faixa de 30% a 35%. Tem que ver quem agrega dos que faltam dos 30% para chegar à maioria. A impressão que dá é que a situação do Lula hoje é menos confortável que em 2022, apesar de estar na oposição na época. Mas o governo é governo.
'O governo acha que através da expansão do gasto público e do crédito o governo vai fazer a economia crescer. É claro que essa estrutura de estímulo ao crescimento gera distorções. Gera juros, inflação e outros problemas' - Rodrigo Maia
O presidente Lula ainda é um candidato competitivo?
O Lula tem muita experiência, tem muito carisma e é muito popular. Se você perguntar para quem está próximo de economistas liberais vão dizer que há um caminho. Os políticos que escutam economistas esquerda vão dizer que o caminho é o que o Lula está fazendo. E vamos ver o que acontece com inflação, com juros, com o crescimento econômico. Tem uma questão que aconteceu no pós-pandemia, que prejudicou a eleição nos Estados Unidos e a avaliação do Lula, que é a desorganização dos preços. Teve muita inflação no mundo inteiro. Por mais que você veja que a renda do trabalhador está aumentando, a inflação está comendo muito dela. E o governo está apostando tudo em duas vertentes: expansão do gasto público e expansão do crédito. O governo cresceu em 2023 e 2024 apostando nisso e continua apostando nisso. Ele acha que através da expansão do gasto público e do crédito o governo vai fazer a economia crescer. É claro que essa estrutura de estímulo ao crescimento gera distorções. Gera juros, inflação e outros problemas. Quem está certo? Não é uma coisa tão fácil.
Mas como é possível resolver essas distorções?
Se você ouvir o [economista] Marcos Lisboa você está divergindo das apostas do governo. Se você está ouvindo o [secretário de política econômica da Fazenda] Guilherme Melo você está apostando em outro caminho. Não tem certo ou errado. Não dá para dizer hoje se o Lula está certo ou errado. Eu falo sempre para as pessoas que a nossa contribuição é falar o que a gente acredita na política, na economia e no que seja. Aliás, eu falo muito para as pessoas que eu votei no Lula com muita convicção em 2022, por um tema, para mim, fundamental: a minha liberdade de falar.
Como assim?
Tinha certeza que essa minha liberdade, com Bolsonaro, seria muito restrita. É opinião minha. Não tenho nada contra ninguém, nem contra Bolsonaro, nem contra ninguém. Mas é minha opinião. Tinha votado no Lula em 1989, ainda garoto, mas nunca mais votei no PT na vida. E votei com convicção no primeiro e no segundo turno porque eu apostava que o Lula faria um governo ouvindo mais a centro-direita. E não faz. É do processo. Nunca perguntei isso a ele. Eu só apostei nisso. E, contra Bolsonaro, votaria no Lula de novo. Mas acho que o grande ativo da vitória do Lula é poder estar falando, mesmo tendo divergência do governo em alguns pontos, tendo liberdade para falar. Isso que constrói uma democracia mais sólida. Para que as pessoas possam fazer suas críticas e elogios sempre no limite. A liberdade não dá o direito de desqualificar a imagem e a reputação de ninguém. Aí os limites serão dados pelo Judiciário e não tem outro caminho.
'O grande adversário do Lula é o Tarcísio. O problema do Tarcísio é o Bolsonaro' - Rodrigo Maia
Há algum candidato da direita que pode fazer frente ao presidente Lula?
O grande adversário do Lula é o Tarcísio. O problema do Tarcísio é o Bolsonaro. Se o Bolsonaro compreender que o Tarcísio é um candidato de direita que tem rejeição baixa — é por isso que ele é mais forte e fala muito bem —, teremos uma eleição espetacular. De um lado, o presidente Lula, que é o grande político brasileiro dos últimos 40 anos. E do outro lado, um jovem político, que entrou na última eleição, que ganhou o estado de São Paulo de forma surpreendente e faz um ótimo governo. É o candidato por ser carioca de nascimento, ter escolhido Brasília para morar e ser governador de São Paulo. Aliás, Fernando Henrique era carioca de nascimento e tinha escolhido morar em São Paulo. Talvez esse [status de] político híbrido, do ponto de vista de local de trabalho e fazer política, dê a ele uma amplitude que um paulista raiz não teria em uma eleição nacional.
Segurança pública é o 'calcanhar de Aquiles' dos dois?
É o 'calcanhar de Aquiles' de todo mundo. O Eduardo Paes entrou firme nesse tema no Rio. Ele sabe que se for candidato ou não – é uma decisão dele –, que é um ator relevante no processo de 2026 e esse é o tema da eleição de 2026: segurança pública. Bolsonaro veio com esse tema em 2018, como uma coisa relevante, fora a questão contra a corrupção, que não acabou não avançando. Ficou claro que não é só com um discurso radical sobre segurança pública que se resolve a segurança pública.
Como enfrentar o problema da segurança pública?
O processo de desorganização da segurança pública vem de muitos anos. Vem de decisões, inclusive, de mudança de rota do tráfico de drogas, quando saiu da rota do Sudeste e passou para a rota do Nordeste e passou ter mais violência no Ceará, na Bahia. São vários os episódios que geraram um aumento dos problemas na área de segurança pública. E óbvio que isso se reflete na sociedade. Tanto a pessoa em uma comunidade que é comandada pelo tráfico de drogas, como uma pessoa de classe média na rua que tem o seu celular roubado. São pequenos, médios e grandes delitos e esse é um tema, o tráfico de drogas, que é problema global. No Rio, [tem] o caso das milícias, somado ao tráfico de drogas. Nada é fácil. Como você refunda a polícia? São temas a ser discutidos. Lá trás a gente discutia que as grandes cidades podiam fazer as reformas das polícias, por meio das polícias municipais nas cidades acima de 500 mil habitantes. Talvez existissem condições de refundar e reorganizar. Mas nada é fácil. Você tem a estrutura de Estado do servidor público muito engessada. As soluções não são fáceis em um sistema democrático. Graças a Deus que o sistema democrático existe e essas dificuldades também têm a sua importância.