Produtor aplica fertilizante 27/05/2021 REUTERS/Pascal Rossignol (REUTERS/Pascal Rossignol/Reuters)
Redação Exame
Publicado em 4 de março de 2022 às 17h44.
Última atualização em 13 de julho de 2023 às 17h44.
Entre as várias consequências econômicas da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o impacto sobre os fertilizantes preocupa os agricultores brasileiros, dependentes do insumo trazido de outros países. Embora a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tenha dito que não há motivo para pânico, os resultados esperados são alta de preços e risco até de desabastecimento.
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O Brasil é o maior importador de fertilizantes no mundo. Cerca de 85% dos fertilizantes usados na agricultura brasileira vêm do exterior, de acordo com balanço da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). A maior parte, da Rússia, que é o maior exportador mundial de NPK — fertilizantes nitrogenados (N), fosfatados (P) e os de potássio (K). O país europeu tem participação na ordem de 16% de todo o NPK consumido no mundo.
Para ter uma ideia, em 2021, o Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de adubos ou fertilizantes químicos, um investimento de US$ 15,1 bilhões. Desse total, 23,3% vieram da Rússia, pelos dados do Comex Stat, do Ministério da Economia. Isso corresponde a mais de 9 milhões de toneladas do insumo. Outros 3,36% vieram de Belarus, aliado do país de Vladimir Putin.
Com a guerra deflagrada na Ucrânia, tanto Rússia quanto Belarus já começam a sofrer sanções econômicas por parte de países europeus e dos Estados Unidos. Nesse contexto, comprar fertilizantes desses dois países fica bem mais difícil, se não completamente inviável, e o Brasil se vê obrigado a buscar alternativas em outros locais e a tentar otimizar a baixíssima produção interna.
Nesta sexta-feira, 4, a Rússia determinou que os produtores locais de fertilizantes interrompam as exportações devido a problemas de logística. Em Belarus, o escoamento do produto já está inviabilizado pelo fechamento da fronteira com a Lituânia, e a situação ficará ainda mais difícil com sanções econômicas que estão previstas para entrar em vigor em abril.
Para piorar, as dificuldades decorrentes da guerra aparecem em meio a uma fase de aumento do consumo brasileiro e mundial de fertilizantes. Em 2020, o Brasil consumiu 12% mais desses insumos do que em 2019. E, entre 2020 e novembro de 2021, o crescimento foi de 14%.
“Corresponde a 28% de aumento desde 2019, do quarto maior consumidor mundial de fertilizantes. É um problema grave, porque o mercado já está apertado”, diz o diretor de Fertilizantes da consultoria StoneX, Marcelo Mello. Situação semelhante à do Brasil acontece também em outros países, como a Índia, o segundo maior consumidor no mundo. Lá, o crescimento foi de 13% entre 2019 e 2020.
Em um cenário de alta demanda internacional, bloqueios e sanções econômicas a grandes produtores, o aumento nos preços dos fertilizantes é inevitável e já era observado mesmo antes da guerra, aponta o coordenador do centro Insper Agro Global, Marcos Jank. A dúvida é se haverá desabastecimento, possibilidade que, para ele, não pode ser descartada.
“Nunca se sabe onde uma guerra dessas vai parar. Não dá para garantir que não vai faltar fertilizantes”, pontua Jank. Ele lembra que o Brasil entrou em uma situação perigosa de dependência de um produto essencial para manter a produtividade do país, o maior exportador global de soja, café e açúcar. “No Brasil, boa parte de nossos solos é pobre e precisa de reposição todo ano”, ressalta.
Mello, da StoneX, avalia que a safra de verão, que começa a ser plantada em setembro, não está garantida. Na quinta-feira, 3, a Anda disse, em nota, que o Brasil tem estoque de fertilizantes para mais três meses, de acordo com dados de agentes de mercado.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que o comércio de fertilizantes com a Rússia está suspenso, porque o Brasil não tem como pagar os produtos nem navios para carregar. "Enquanto houver guerra, é totalmente descartada a possibilidade de receber fertilizantes”, disse, na quinta-feira, durante transmissão ao vivo nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro.
O que pode ser feito agora para garantir que haverá fertilizantes para a próxima safra é buscar diversificar a origem dos suprimentos, como sinalizou a ministra Tereza Cristina. Para diminuir o nível de dependência do produto russo, o Brasil deve procurar fertilizantes em outros países produtores, como Canadá, Marrocos, Chile e Arábia Saudita, por exemplo.
No caso dos fertilizantes de potássio, o Canadá é o maior produtor mundial e destino natural para quem precisa do insumo. O problema é que vários países vão buscar a mesma solução. “O Canadá não vai ter como dar o que a gente precisa, porque não tem essa produção toda”, avalia Mello.
Sem Rússia e Belarus, a produção de potássio cai entre 20 milhões e 23 milhões de toneladas por ano. O Canadá produz hoje cerca de 18 milhões de toneladas por ano. Mesmo se aumentar a produção, será inviável repor toda a perda no mercado internacional. “São entre 5 milhões e 6 milhões de toneladas que podem voltar para o mercado. Não resolve”, diz Mello.
O Brasil também pode buscar outros produtores de potássio, como Alemanha, Israel, Jordânia e Chile. Mas eles produzem em uma escala bem menor, um volume de cerca de 1 milhão de toneladas. O potássio e o fósforo são os dois tipos mais importantes para a safra de verão, voltada para produção basicamente de soja e milho, que consomem muito pouco nitrogênio.
No caso do fósforo, a situação é um pouco menos delicada, com a Rússia atrás da China e do Marrocos na exportação, países aos quais o Brasil pode tentar recorrer. Mas a produção já está estrangulada. “Há possibilidade de uma crise concreta, mas ainda não dá para afirmar que vai faltar fósforo”, afirma Mello. “Claramente, o alvo é a China”, diz.
No Marrocos, a produção de fósforo já está apertada. Enquanto potássio e fósforo estão ameaçados, não deve faltar nitrogênio, avalia Mello. A Rússia é o maior exportador de nitrogênio, mas a China tem uma capacidade de produção ociosa imensa, afirma.
O potássio é claramente o que está em maior patamar de dificuldade. Belarus, que produz 20% do potássio consumido no mundo, já sofria com sanções econômicas antes da guerra. A situação piorou bastante com a invasão na Ucrânia, já que a Rússia, que exporta quase 20% do potássio, também passou a sofrer sanções.
No caso da Rússia, também tem outra dificuldade por conta de sanções: a exclusão do Swift, sigla em inglês para Sociedade de Telecomunicações Financeiras Mundial. Sete bancos do país foram retirados do sistema financeiro internacional, que permite a transferência de dinheiro entre bancos em todo o mundo.
O resultado é que, com Rússia e Belarus fora do mercado, 40% da produção de potássio fica em falta. “Nesse caso, não tem o que fazer. Vai faltar potássio, essa é a realidade concreta. Se antes tinha uma chance muito grande, agora é certo que vai faltar”, diz Mello.
Antes mesmo do ataque russo à Ucrânia, as importações brasileiras de fertilizantes já haviam sido influenciadas pelas tensões entre os dois países. É o que mostra o boletim logístico divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em fevereiro.
Em janeiro deste ano, o Brasil comprou 2,31 milhões de toneladas de fertilizantes, 15,2% menos do que no mesmo mês do ano passado. O preço, no entanto, mais que dobrou. Com o insumo a US$ 496,62 a tonelada, foi gasto US$ 1,146 bilhão, valor 110,4% mais caro do que o praticado no mesmo período do ano passado.
A produção doméstica não é suficiente para suprir a demanda extra. O crescimento da procura por fertilizantes ao longo dos anos não foi acompanhado pelo aumento da produção dentro do Brasil. “Está estagnada há bastante tempo”, diz Jank.
O governo tem falado de aplicar o Plano Nacional de Fertilizantes, que pretende diminuir a dependência externa do insumo, mas os resultados seriam no longo prazo, vistos depois de décadas. Não resolveria, portanto, o problema potencializado pela guerra na Ucrânia.
Nesse contexto, a Embrapa tem buscado soluções mais rápidas, que podem ser colocadas em prática agora, como uma caravana de pesquisadores e técnicos da empresa que vão orientar os produtores a fazer melhor uso dos fertilizantes, com o objetivo de aumentar a eficiência. Mas, mesmo que dê certo, o resultado ainda seria insuficiente para resolver o problema.