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Ciro: “Quem elegeu Temer foi o Lula”

Opositor ferrenho do atual processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o ex-ministro Ciro Gomes é também um grande crítico do governo da presidente. O ex-governador do Ceará foi um dos palestrantes convidados da Brazil Conference, debate anual organizado por alunos das universidades Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology) para discutir o futuro do país. […]

CIRO GOMES: Temer é “ladrão, clientelista e mentiroso” /  (Leandro Fonseca)

CIRO GOMES: Temer é “ladrão, clientelista e mentiroso” / (Leandro Fonseca)

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Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2016 às 16h15.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

Opositor ferrenho do atual processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o ex-ministro Ciro Gomes é também um grande crítico do governo da presidente. O ex-governador do Ceará foi um dos palestrantes convidados da Brazil Conference, debate anual organizado por alunos das universidades Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology) para discutir o futuro do país. Em entrevista a EXAME, sobraram bordoadas. Ciro falou sobre seu futuro político, sobre como Dilma poderia ter evitado seu enfraquecimento e sobre o que esperar de um possível governo Temer, um “ladrão, clientelista e mentiroso”.

O senhor esteve em Nova York com a presidente antes do discurso dela na ONU. O que achou do discurso?
Foi o discurso de uma estadista que sublinhou o protagonismo global do Brasil nessa questão ambiental. Ela veio, representou o Brasil com toda dignidade e, para não parecer completamente alienada da realidade, disse uma frase a respeito da crise no país. Ela tem segurança de que o povo brasileiro não admitirá o autoritarismo, é um retrocesso. Ela tem obrigação de se defender, de defender a institucionalidade brasileira da qual é mera fiadora neste momento pela titularidade da Presidência da República.

O senhor já se posicionou diversas vezes contra o impeachment…
Impeachment não é remédio para governo do qual a gente não gosta. Não é remédio para governo ruim. Impeachment é uma coisa grave, tão grave que só houve dois na história do direito constitucional do mundo — o de Collor, no Brasil, e já com certo componente golpista, e o de Carlos Andrés Pérez, na Venezuela. O pretexto formal que está dando caminho ao procedimento de impeachment seria o caso das pedaladas fiscais, um truque contábil, repetidamente praticado pelos presidentes da República ante o silêncio conivente, ou pelo menos aprovador, omisso, do Tribunal de Contas da União. A imprensa do mundo inteiro está vendo. A Dilma perdeu popularidade porque sua campanha foi feita com marketing mentiroso, porque a economia está sendo mal administrada, porque ela não conseguiu demonstrar para a sociedade brasileira a severidade dela em relação à corrupção de um governo que ela recebeu do Lula e não mudou. Assim, fica fácil essa calhordice no Brasil prosperar.

O senhor acha que há um golpe em curso no Brasil?
Tenho convicção. Sou de formação jurídica e política, e o que estamos vivendo é um golpe parlamentar feito por uma quadrilha de ladrões.

A presidente tem forças para reverter essa situação?
Só um milagre nos salvaria, e esse milagre é o povo na rua, para que haja a percepção no Senado Federal de que essa novela da Globo e de alguns outros órgãos de imprensa não é a expressão correta do interesse popular. Os políticos são muito sensíveis ao povo.

Mas o Brasil está dividido e cada vez mais polarizado. Como o senhor vê isso?
Parte importante dos eleitores que votaram no Aécio Neves se sentiu enganada pela mistificação marqueteira de um governo que faz o oposto do que disse. O segundo flanco é aquele que está aborrecido pela questão econômica, uma população que vinha melhorando de renda, de posição social, que tinha esperanças consistentes e que agora está regredindo. Por fim, a denúncia moral, a indignação da sociedade brasileira com a generalização da corrupção.

O impeachment é um processo tanto jurídico quanto político. O que o governo poderia ter feito politicamente diferente para evitar que a situação chegasse a esse ponto?
Tenho conversado muito ao longo do tempo com a presidenta Dilma. Primeiro, se eu fosse ela, teria tomado o telefone, ligado para o Aécio e pedido uma conversa. Teria chamado para conversar, visitado, pedido desculpas, enfim, tentado um diálogo. O chefe da nação é da nação inteira. Você se elege e vai ficar só com seu ladinho? Na questão da economia, teria feito mudanças radicais e não teria entrado com o Levy [Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda]. E por fim há a questão moral. A coisa saiu de controle quando a Dilma fez o absurdo ato de convidar o Lula para ser ministro. A solidariedade devida por ela, Dilma, ao Lula é uma questão privada. Ela jamais poderia ter tomado um avião como presidente e ido a São Bernardo; ela jamais poderia ter convidado o Lula para ser ministro. Isso foi lido como uma tentativa de fugir de um juiz severo para se abrigar no Ministério, constrangendo gravemente o Supremo Tribunal Federal, que ficou na posição desagradável de parecer o garantidor da impunidade do Lula. Isso é um negócio sem pé nem cabeça — deu no que deu. Dali para a frente foi só o castelo caindo.

Qual sua posição sobre Michel Temer e Eduardo Cunha?
Se você imaginar o arquétipo do político brasileiro que não presta, clientelista, ladrão, mentiroso, eles são isso aí. É duro o que estou dizendo, mas conheço bastante bem os dois de longa data. O Cunha é réu no STF com coisas absolutamente flagrantes, desde desvios da Petrobras até a cereja caricata do bolo com a madame gastando 70.000 dólares em grifes durante uma viagem. Mas, vale lembrar, o PSDB não elegeu o Temer. Quem elegeu o Temer foi o Lula, o PT. Precisamos ter clareza disso. Quem é responsável por essa tragédia de botar a quadrilha do PMDB na linha de sucessão do país é Luiz Inácio Lula da Silva.

Como o senhor avalia a possibilidade de um eventual governo Michel Temer para o Brasil?
Uma tragédia. E olha que tenho 30 e poucos anos de vida pública. É uma tragédia sem precedentes. O cenário que estamos vendo lembra o final da década de 80 com o surgimento de uma figura como o Collor, um “caçador de marajás”. A eleição de 2018, aparentemente, será muito semelhante à de 1989.

Por que o senhor ainda não decidiu se vai concorrer?
Admiti para meu partido cogitar essa possibilidade. Estou cumprindo as tarefas inerentes a ser um pré-candidato, mas vou pensar 100 vezes antes de ser candidato. Já concorri duas vezes. A tarefa de um candidato à Presidência nessas circunstâncias do Brasil é quase inumana e não quero me desumanizar. Inventou-se no Brasil que, para ser político, você tem de mentir, enganar, ser lorde, aristocrata. Há limites para mim, não vou vender minha alma para ser presidente do Brasil em nenhuma circunstância. Assinar uma carta aos brasileiros, só morto. Ser eleito no Brasil não é o mais difícil, o mais difícil é governar. De que adianta a Dilma ter sido eleita com um monte de mentiras para depois se desmoralizar no dia seguinte?

(Paula Rothman)

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