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Cidades menores vão precisar do governo para universalizar saneamento

Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, afirma que o governo federal e os entes estaduais terão que se articular para auxiliar municípios de pequeno porte a universalizar o saneamento até 2033

Saneamento: universalização depende do trabalho conjunto do governo federal, estadual e municípios (Getty Images/Getty Images)

Saneamento: universalização depende do trabalho conjunto do governo federal, estadual e municípios (Getty Images/Getty Images)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 1 de novembro de 2025 às 11h19.

O Brasil contratará R$ 88 bilhões nos leilões previstos na área de saneamento básico para o próximo ano, como mostrou a EXAME na edição de outubro. O desafio, agora, será levar investimentos necessários aos municípios menores que ficarão fora de grandes blocos e precisam avançar nos índices de acesso à água e tratamento de esgoto.

Para Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, o governo federal e os entes estaduais terão que se articular para auxiliar que essas cidades universalizem o saneamento até 2033.

"O Estado terá que ajudar os municípios menores. Municípios de médio porte conseguem buscar financiamento, como foi o caso de Joinville, onde eu fui presidente da Companhia Águas de Joinville, mas cidades menores terão dificuldades", afirma em entrevista à EXAME.

Pretto diz que algumas cidades vão se unir a outros municípios ou buscar ajuda externa, uma vez que não têm a infraestrutura necessária para tomar decisões. Ela cita o estado de São Paulo como um bom exemplo a ser seguido.

O estado organizará 218 cidades paulistas em lotes para concessão do saneamento básico de cidades não atendidos pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

A previsão é de um projeto de R$ 30 bilhões, ao considerar os R$ 20 bilhões de investimentos e o custo de operação. Como o governo está considerando incluir a drenagem em alguns projetos, o valor pode aumentar.

"O estado tem ajudado municípios que não estavam no contrato da Sabesp, auxiliando na busca por soluções para esses locais. Acho que a articulação estadual e até uma orientação federal serão necessárias para garantir que todos os municípios, mesmo os menores, participem do processo de universalização", diz.

Luana Pretto, presidente da Trata Brasil (Trata Brasil/Divulgação)

Leia a entrevista completa com Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil

Como a Trata Brasil vê o cenário de R$ 88 bilhões em leilões nos próximos anos e os desafios para alcançar a universalização?

Com certeza esses leilões vão ajudar. Temos majoritariamente estados do Norte e Nordeste que estão incluídos nesses leilões, regiões onde temos o maior déficit. Quando olhamos para estados como Rondônia, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, são locais que mais precisam de saneamento básico. Maranhão, por exemplo, é o estado com menos acesso a banheiros e com maiores índices de internações.

Qual é o impacto social desses leilões? 

Este ciclo de leilões traz um impacto social muito grande para essas regiões, pois são áreas com um grande déficit. Por outro lado, ainda temos estados que não se mobilizaram tanto para o saneamento, como Acre, Amazonas, Santa Catarina e Roraima. Esses estados ainda não têm se mobilizado como deveriam. Costumo dividir os 1.570 municípios em três grandes grupos: aqueles com bons indicadores e que já investiram bastante em saneamento, os que têm indicadores ruins, mas já têm contratos estabelecidos e precisam avançar, e os que ainda não se mobilizaram. Com a mudança de governo nos próximos anos, é crucial que os projetos em andamento não sejam interrompidos. O risco de interrupção é sempre presente e os estados que ainda não se mobilizaram precisam começar a agir, buscando formas de alavancar investimentos. A prioridade deve ser nas áreas vulneráveis e rurais, para que ninguém fique de fora da universalização.

Esses leilões que vão acontecer no próximo ano, especialmente no Norte e Nordeste, vão ser suficientes para alcançar a universalização até 2033? Ou, como ocorreu no Pará, o prazo pode se estender até 2040?

O fato de o leilão estar acontecendo agora naturalmente atrasa o processo, porque ainda passamos pela fase do projeto, depois pelo projeto de engenharia, licenciamento ambiental e a obra em si. Só depois é que veremos a mudança efetiva dos indicadores. Mas é importante notar que os estados que estão participando desses leilões estão mais avançados em relação aos que não se mobilizaram. Esses estados que estão nos leilões estão no meio do caminho em relação aos três grandes grupos que mencionei. A questão do prazo de universalização vai depender muito da capacidade econômica-financeira da população de cada estado. Em estados como Maranhão e Rondônia, a capacidade de pagamento é muito baixa, então a tarifa a ser cobrada é um fator determinante. O investimento necessário depende da viabilidade econômica e financeira desses estados, e o estudo técnico vai nortear o prazo de universalização.

O ministro das Cidades já se posicionou contra a ampliação do prazo para a universalização. Qual é o posicionamento da Trata Brasil sobre essa questão?

Nós somos contra a ampliação do prazo, porque acreditamos que o problema já deveria ter sido resolvido e que qualquer postergação de prazo cria uma zona de conforto, o que pode levar os governantes a ficarem inativos quanto à solução desse problema. A ampliação do prazo faz com que o político pense: "Eu já sei que o prazo foi ampliado, então não preciso me preocupar com isso agora." Essa inércia é muito perigosa. Saneamento, infelizmente, ainda é visto por muitos como uma obra enterrada que não dá voto. O risco é que os governantes deixem o problema de lado. Portanto, achamos que qualquer atraso do prazo só vai agravar a situação.

O setor tem hoje a quantidade de players necessária para os leilões que estão por vir? E quanto aos leilões menores, como você vê o apetite de novos players no mercado de saneamento?

Acho que para esses leilões, tanto os grandes quanto os menores, sempre haverá apetite. As grandes empresas têm maior capacidade econômica e financeira, com mais robustez para lidar com grandes investimentos. Mas também existem empresas de médio porte que podem assumir cidades menores, embora muitas vezes não participem dos processos por falta de uma robustez financeira comparável às grandes empresas. Temos empresas menores que atuam no interior de estados como o Pará, e elas têm experiência em cidades menores. Acredito que há espaço para todos no setor. Quanto mais empresas participarem dos processos, melhor será para a concorrência e para o mercado todo. Empresas como Axion, que vêm do setor de rodovias, e a Equatorial, que vem do setor de energia, já estão migrando para o setor de saneamento, e isso é algo muito positivo. Quanto à participação de novas empresas no curto ou médio prazo, não tenho tanta certeza de que teremos grandes novos entrantes agora. O que estamos vendo são movimentos de empresas já consolidadas, mas pode ser que, com o tempo, novas empresas surjam para disputar os leilões.

Como você vê a solução para os municípios que não estarão inclusos nos grandes blocos estaduais? Há risco de ficarem de fora da universalização?

O Estado terá que ajudar os municípios menores. Municípios de médio porte conseguem buscar financiamento, como foi o caso de Joinville, onde eu fui presidente da Companhia Águas de Joinville, mas cidades menores terão dificuldades. Eles vão precisar se unir a outros municípios ou buscar ajuda externa, até porque muitas vezes não têm a infraestrutura necessária, como engenheiros, para tomar essas decisões. O exemplo de São Paulo é interessante. O estado tem ajudado municípios que não estavam no contrato da Sabesp, auxiliando na busca por soluções para esses locais. Acho que a articulação estadual e até uma orientação federal serão necessárias para garantir que todos os municípios, mesmo os menores, participem do processo de universalização.

Como você vê o impacto econômico positivo do saneamento nos estados que vão ser leiloados, como o estudo de impacto econômico da região amazônica? 

Sim, o estudo de impacto econômico e social da região amazônica é muito importante. Ele nos permite entender, ano a ano, o benefício para cada habitante nos estados que serão leiloados. O estudo é um bom indicativo do benefício que o saneamento pode trazer para essas regiões, especialmente porque o saneamento tem um grande impacto na saúde, na qualidade de vida e no desenvolvimento das populações dessas áreas.

Quais são os principais desafios? 

Um ponto fundamental é o pós-leilão e o fortalecimento das agências reguladoras. Precisamos de agências reguladoras intranacionais mais fortes para cobrar a eficiência na operação e na expansão dos serviços. Além disso, a conscientização da população é essencial. Se as pessoas não entenderem a importância do saneamento para a saúde e o bem-estar de suas famílias, elas não vão exigir que os governantes priorizem o saneamento. Muitas vezes, isso significa também convencer as pessoas a pagarem pela tarifa de esgoto, por exemplo. Esse é um grande desafio, porque vi em algumas cidades do interior do Pará, por exemplo, que a população não queria se conectar à rede de água, achando que a água do poço era melhor. A conscientização é um dos maiores desafios do saneamento no Brasil.

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