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Celso de Mello cita George Orwell em decisão sobre depoimento de Bolsonaro

Ministro lembrou de "A Revolução dos Bichos", para alertar sobre perigo dos privilégios como caminho ao totalitarismo

Celso de Mello: "Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado" (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)

Celso de Mello: "Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado" (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 11 de setembro de 2020 às 15h38.

Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 15h47.

Ao decidir que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve prestar depoimento presencialmente no inquérito que apura se houve tentativa de interferência política do governo na Polícia Federal, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu uma das pendências finais da investigação que pode levar à apresentação de uma denúncia contra o chefe do Executivo.

O parecer torna mais próximo o desfecho das apurações que, segundo a delegada responsável, Christiane Correa Machado, estão em 'estágio avançado' e precisam ser prorrogadas por mais 30 dias justamente em razão da indefinição sobre o interrogatório do presidente.

Mesmo afastado do Tribunal enquanto se recupera de uma cirurgia, o decano bateu o martelo sobre a oitiva. A assessoria do Supremo informou que a inesperada internação hospitalar impediu que o ministro assinasse o despacho, que já estava pronto desde 18 de agosto.

Na decisão de 64 páginas, Celso de Mello contrariou o parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, que sugeria o envio de respostas por escrito, e destacou: "Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado".

Na defesa do princípio da igualdade, o ministro lembrou de A Revolução dos Bichos, romance distópico do escritor inglês George Orwell (1903-1950), para alertar sobre perigo dos privilégios como caminho ao totalitarismo. A obra satiriza a Revolução Russa, que alçou Lênin ao poder.

"O dogma republicano da igualdade, que a todos nos nivela, não pode ser vilipendiado por tratamentos especiais e extraordinários inexistentes em nosso sistema de direito constitucional positivo e que possam justificar o absurdo reconhecimento de inaceitáveis [e odiosos] privilégios, próprios de uma sociedade fundada em bases aristocráticas ou, até mesmo, típicos de uma formação social totalitária, de que é expressão incensurável o modelo clássico com que George Orwell, em sua fábula distópica [A Revolução dos Bichos], define, no contexto da sociedade pós-revolucionária da fazenda dos animais, a composição de um novo aparato burocrático, vale dizer, a formação de uma nova ruling class ('classe dominante' (…) regida pelo postulado autocrático e transgressor da ordem republicana de que 'Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros''!!!", escreveu o ministro.

No entendimento do decano, a prerrogativa do depoimento por escrito se restringe às autoridades ouvidas na condição de testemunhas ou vítimas e não comporta benefício a investigados ou réus 'independentemente da posição funcional que ocupem no aparato estatal ou na hierarquia de poder do Estado'.

O ministro decidiu ainda que o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, pivô da investigação, formule e envie perguntas ao presidente e que seus advogados acompanhem o interrogatório. A data deve ser definida nos próximos dias pela Polícia Federal.

Além do presidente, que deve ser ouvido em breve, o próprio Moro, ministros palacianos, delegados e superintendentes da Polícia Federal e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) prestaram depoimentos no processo aberto em abril.

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