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Caso J&F choca internamente, diz procuradora

A procuradora acredita que o caso de Joesley e Saud deve ser visto como um exemplo didático em relação à celebração de acordos de colaboração premiada

Joesley Batista: a procuradora defende a criação de um manual de orientação para padronizar o uso do instituto (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Joesley Batista: a procuradora defende a criação de um manual de orientação para padronizar o uso do instituto (Rovena Rosa/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 18 de setembro de 2017 às 14h42.

São Paulo - Coordenadora da Comissão Permanente de Assessoramento - Leniência e Colaboração Premiada criada pelo Ministério Público Federal (MPF) para auxiliar na celebração de acordos, a procuradora da República Samantha Chantal Dobrowolski defende a criação de um manual de orientação para padronizar o uso do instituto.

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, a procuradora afirma que essa medida evitaria a sensação de descompasso que existe entre procuradores de primeiro grau e das instâncias superiores e falhas como as que levaram ao pedido rescisão da delação do Grupo J&F pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que entrega o cargo hoje à sua sucessora, Raquel Dodge.

Para Samantha, o caso de Joesley Batista e Ricardo Saud "choca", mas deve ser visto como um exemplo didático. Leia entrevista ao jornal:

É necessária alguma padronização da delação premiada?

É importante padronizar um roteiro de atuação das posturas e formalidades a serem seguidas, de uma certa técnica de procedimento a ser seguida. O conteúdo da delação é difícil padronizar porque cada caso é um caso e as balizas mínimas já estão na lei.

Pode dar exemplos de procedimentos a serem padronizados?

Isso ainda é muito incipiente entre nós. Estamos começando a discutir. Mas eu diria que pode haver um roteiro com o passo a passo de como proceder em uma negociação para uma delação premiada ou uma leniência, como receber uma proposta, o que pode ser trazido como informação nova e relevante, quais documentos podem ser apresentados etc.

É preciso aprimorar o tempo da negociação, como reconhecer que a negociação está madura para ser concluída, a checagem do que é oferecido e até mesmo o tipo de cláusulas que devem ser incluídas em um acordo de delação.

Quais cláusulas?

Isso não posso minudenciar. Em Curitiba (na Lava Jato), eles têm alguns tipos de cláusulas adotadas e outras que vêm surgindo da própria prática. É preciso estabelecer garantias, fatores de risco a observar ou, se houver algum tipo de violação do acordo, se pode haver uma repactuação.

Cláusulas que definam se, em caso omissão de informações de forma indevida ou involuntária, o colaborador pode sofrer alguma penalidade adicional. Existem alguns tipos de cláusulas que a gente está começando a pensar e devem constar dos acordos.

Seria um roteiro mínimo e um passo a passo do procedimento: quantas reuniões fazer, quem deve estar nas reuniões, como se portar minimamente.

Às vezes, a informalidade pode ser a tônica e é melhor ter tudo registrado, gravar e filmar pode ser necessário e se a colaboração não vier a ser fechada isso não pode ser usado.

O uso da ação controlada?

A legislação, embora seja nova, criou e deu as balizas, mas alguns casos concretos podem ter conflito de interesses, para não dizer conflito de validade de provas. Pode haver conflito de interesses em ação controlada com uma pessoa que está colaborando porque pode vir a resultar em prova inválida ou vício procedimental, algum erro no meio do caminho.

É diferente de ter um agente público que se infiltra e está treinado para aquilo. Uma ação controlada com a participação de um civil é um risco muito maior, precisa ser mais bem sopesado

Uma das críticas mais frequentes é sobre denúncias oferecidas basicamente com base em delações, com poucas provas.

Pela lei, a delação é uma técnica especial de investigação com o objetivo de desmantelar organizações criminosas e descobrir crimes dito invisíveis. A delação em si não é prova. É uma técnica de investigação que fornece provas.

Para o momento da denúncia pode ser suficiente valer-se só do apurado a partir da delação com uma mínima checagem. Não é o ideal nem o mais prudente. Mas para processar e condenar a delação não é suficiente. Tem de ter provas.

Outro objeto de debates é quanto ao chefe da quadrilha.

Isso a lei já prevê, mas um reforço de orientação, uma especificação, pode ser interessante até para demonstrar que o Ministério Público preza a lei. O problema é saber realmente quem é o chefe ou não. O que se vê atualmente é uma concorrência entre altos participantes de esquemas delitivos.

Algumas pessoas apontam um descompasso no uso da delação entre a primeira instância e instâncias superiores na Lava Jato. Isso é fruto das diferenças entre cada caso ou pode ser melhorado com orientação interna?

Vou deixar claro que não falo especificamente da Lava Jato. Mas, nesses casos, uma orientação clara por escrito poderia dirimir a sensação de descompasso. É possível, por exemplo, checar informações até fechar uma colaboração mais consistente.

Com a uniformização interna dos procedimentos essa sensação de descompasso vai diminuir, seja em questões de primeiro grau, seja de foro privilegiado. Veja como o foro privilegiado causa problemas de aplicação. A própria investigação depende de autorizações judiciais.

Tanto a delação premiada quanto a leniência são duas novidades que ganharam visibilidade nos últimos anos. Existe o risco de algum retrocesso?

São institutos novos no seu contorno, mas, na verdade, principalmente no criminal já vêm sendo adotados desde os anos 1990 e existem na experiência internacional. É óbvio que com o uso se tornaram um meio de defesa relevante, sendo que, até anos atrás, havia uma ojeriza a isso.

O fato de terem gerado efeitos bons para uns e não tão bons para outros provoca essa reação, ainda mais no Brasil, que é um País que gosta de mexer nas leis ou criar leis para tudo como se isso resolvesse o problema.

Então sempre existe o risco de retrocesso e limitação. Se o Congresso, representante da sociedade assim decidir, e a sociedade se conformar com isso, não dá para evitar. Mas também a delação não é o único meio.

Qual sua opinião sobre o uso da delação premiada pela Polícia Federal?

No nosso sistema, quem tem a titularidade exclusiva da ação penal e, portanto, da não ação, que é o que a delação gera, é o Ministério Público. Isso foi uma conquista da Constituição de 1988.

A polícia pode eventualmente participar em conjunto, mas isoladamente não vejo como, pois não haveria segurança jurídica. Qualquer pessoa mais cautelosa não assinaria com a Polícia Federal porque mais à frente o Ministério Público poderia ter outra visão. Sei que isso é antipático para a polícia, mas o sistema é assim, existe essa divisão de funções.

A delação da J&F afeta de alguma forma a credibilidade do instituto da delação?

É uma pergunta importante, acho que não dá para fugir, mas não sei se é possível dar uma resposta madura hoje. É um caso paradigmático e devemos tentar aprender com os casos difíceis no sentido de que eles mostram a fragilidade que qualquer instituto processual tem.

Por isso, requer um esforço procedimental, daí eventualmente essas orientações internas para que o Estado não venha a se encontrar em uma situação em que tenha sido usado, ter sido parcialmente ludibriado ou induzido a qualquer tipo de conclusão.

É um caso importante porque gera reflexão. Mas ele não põe em xeque a credibilidade do instituto porque em qualquer acordo desse tipo está implícita a possibilidade de uma cartada, seja de qual lado ela tenha partido.

É claro que isso choca, choca internamente, causa um desconforto a todos. Mas é preciso entender que há outras formas de trabalho que expõem os agentes a esse tipo de situação. A delação não é a única.

Mas como vivemos um momento de consenso ou soluções consensuais e alguns desses mecanismos não estão totalmente configurados, é uma advertência importante. Porque nem sempre há a garantia de que todo mundo age de boa-fé. Nesse ponto, acho que é didático e tem que ser aproveitado sob essa ótica.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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