Brasil

Casais gays antecipam casamentos por medo de "efeito Bolsonaro"

Em um cartório no coração de São Paulo, os casamentos LGBT em dezembro cresceram em relação aos meses anteriores

Imagem de arquivo: O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido no Brasil desde o final de 2011 graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) (Navid Baraty/Getty Images)

Imagem de arquivo: O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido no Brasil desde o final de 2011 graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) (Navid Baraty/Getty Images)

E

EFE

Publicado em 4 de dezembro de 2018 às 06h22.

São Paulo - Depois de 15 anos juntos, o gestor de redes sociais Marcelo Serrano e o designer Wellington Pereti decidiram oficializar sua união, prevista para o final de 2019, mas antecipada em um ano pelo temor de um "retrocesso" nos direitos LGBTI no Brasil após a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

"Vivemos há oito anos juntos, mas nunca tivemos nada oficializado. Temos casa juntos, carro, conta bancária e podemos perder tudo o que conquistamos nestes oito anos", afirmou Wellington à Agência Efe.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido no Brasil desde o final de 2011 graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e, desde 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma resolução que garante a celebração das uniões homoafetivas.

No entanto, segundo a presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, tal resolução não tem força de lei, razão pela qual pode ser cancelada caso o Congresso Nacional assim determine.

"A pressuposição da resolução é a ausência de lei. Por isso, quando entra em vigor qualquer tipo de norma, cai a jurisprudência", esclareceu Dias, que recomendou publicamente que os casais homoafetivos antecipem seus casamentos por "precaução" diante das medidas que podem ser aprovadas pelo governo que começará o mandato em 1º de janeiro.

Depois da recomendação de Dias, Marcelo e Wellington se casaram às pressas e abriram mão de uma "festa completa".

"Já pudemos ver o peso que a religião e as igrejas terão no novo governo, e acredito que a coisa pode ficar muito pior depois da posse" de Bolsonaro, comentou Wellington.

Já a advogada Amanda Almozara vê uma "conotação exagerada" por parte do casal, pois, para ela, não seria "assim tão simples" proibir algo que é consequência de "uma década inteira em matéria de reconhecimento de direitos".

"Existe uma absoluta insegurança jurídica sobre o assunto, mas o reconhecimento do casamento homoafetivo já é um fato social", destacou.

Além da preocupação no âmbito legal, muitos casais temem também uma escalada da violência contra os LGBTI, que foram alvo de comentários polêmicos de Bolsonaro. Por exemplo, em uma entrevista no ano de 2011, o agora presidente eleito declarou que preferia um filho morto em um acidente a que ele fosse gay.

No Brasil, país da América Latina onde mais se matam homossexuais, 445 pessoas foram assassinadas ou se suicidaram por homofobia no ano passado - uma a cada 19 horas, segundo o relatório anual do Grupo Gay da Bahia.

"Muita gente continua morrendo por ser gay", lamentou Marcelo.

"A partir do momento em que uma pessoa apoia um político homofóbico, para mim esta pessoa pensa igual a ele e está contra o que sou, contra a minha existência", complementou.

Diante deste cenário, surgiu uma "onda do bem", como é o caso da rede de voluntários que oferecem serviços gratuitos para ajudar casais que desejam oficializar sua união ainda em 2018, mas não têm condições financeiras.

Graças a essa rede, as empresárias Michele Nobre e Stephanye dos Santos realizaram o sonho de oficializar sua união em um casamento no qual desde a fotógrafa até a mestre de cerimônias e a confeiteira trabalharam de maneira voluntária.

"É um momento único, não imaginávamos a proporção que iria tomar. Essa acolhida, esse carinho, todo esse afeto está sendo muito único e muito animador", comentou Stephanye.

A mestre de cerimônias Jamila Maia, que costuma cobrar R$ 1 mil para a realização de eventos, afirmou que decidiu participar.

"Ninguém pode ter negada a possibilidade de exercer plenamente o amor", declarou.

"Acredito que todos somos iguais e, se somos iguais, todos devemos ter os mesmos direitos, não importa quem amemos", disse acrescentou Jamila, que realizará pelo menos outros três casamentos em dezembro.

O fenômeno de antecipar os casamentos gays se intensificou tanto após a recomendação de Dias que muitos cartórios não têm mais datas disponíveis para oficializar as uniões. Outros optaram por estender seus horários para atender à demanda.

Em um cartório no coração de São Paulo, os casamentos em dezembro quadruplicaram em relação aos meses anteriores, e funcionários ampliaram o expediente de trabalho em quatro horas nos sábados, segundo o funcionário Rafael de Sousa.

Assim, seja por um estado de alerta quanto ao futuro ou por um impulso momentâneo, centenas de casais, apoiados por mais de 600 voluntários, celebrarão seu amor em dezembro e garantem: "A solidariedade e o amor são também uma forma de resistência".

Acompanhe tudo sobre:CasamentoLGBT

Mais de Brasil

Quais são os impactos políticos e jurídicos que o PL pode sofrer após indiciamento de Valdermar

As 10 melhores rodovias do Brasil em 2024, segundo a CNT

Para especialistas, reforma tributária pode onerar empresas optantes pelo Simples Nacional

Advogado de Cid diz que Bolsonaro sabia de plano de matar Lula e Moraes, mas recua