CARDOZO: “O PT precisa resgatar um pouco de suas origens, sem ignorar o que foi realizado nesse período e os equívocos que ocorreram” / Heitor Feitosa
Da Redação
Publicado em 24 de outubro de 2016 às 19h38.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.
Ex-ministro da Justiça e um dos mais fervorosos defensores da ex-presidente Dilma Rousseff, o advogado José Eduardo Cardozo, de 57 anos, sempre se manifestou publicamente favorável a uma mudança dentro do Partido dos Trabalhadores. Iniciou a carreira pública na gestão de Luiza Erundina em São Paulo, no começo dos anos 90, elegeu-se vereador e, posteriormente, deputado federal. De 2008 a 2010, foi secretário-geral do PT. Sua corrente, a Mensagem ao Partido, tenta desde o mensalão “refundar” a legenda. Hoje, Cardozo enxerga o atual momento do PT como uma oportunidade que não pode ser perdida.
Como o resultado nas eleições municipais afeta o PT?
Foi muito ruim, e já era esperado. Quando se tem uma situação dessa natureza é necessário fazer uma reflexão profunda de quais foram os equívocos e erros para corrigir os rumos. O PT tem de buscar essas correções, inclusive com a renovação da direção e outras mudanças que são inadiáveis.
O senhor faria algum destaque negativo em uma região ou uma cidade específica?
Foi um resultado global negativo. Não posso dizer que não era esperado. Apenas se confirmou um desenho que já sentíamos e, portanto, exige um momento de freio de arrumação para poder voltar a uma situação partidária de crescimento. Como qualquer partido, o PT tem que saber ler os resultados ruins, analisar os pontos positivos para corrigir. Sem abrir mão de princípios.
Vários partidos estiveram em escândalos de corrupção. Por quê o PT foi o mais punido?
Houve uma ação muito forte que carimbou a corrupção no Brasil no PT. É uma injustiça, por dois motivos: o sistema eleitoral brasileiro — e isso não justifica erro de ninguém — é estruturalmente gerador de corrupção. Em segundo lugar, foi no governo do PT que se permitiu o desencadear de um processo de apuração. O PT foi carimbado sozinho por uma coisa que não é só dele. Não houve o reconhecimento de que muito do que pode ser feito no combate à corrupção foi feito nos governos do PT. Seja como for, aconteceu. Temos que saber como responder a essa situação não apenas lamentando, mas sabendo o que dizer para corrigir.
Qual a avaliação que o senhor faz da trajetória do partido até hoje?
Não há partido que não mude ou receba influência positiva — ou negativa — de seu próprio crescimento. O PT iniciou sua trajetória notadamente na oposição, transformando-se no maior partido de esquerda da história brasileira. Posteriormente, consegue chegar aos primeiros governos, começa com Diadema, em 1982, e acaba chegando à prefeitura de São Paulo, com Luiza Erundina, em 1989. A partir daí, se inicia outra parte, quando chega em São Paulo e começa a conquistar governos estaduais, prefeituras importantes e depois a Presidência. São três etapas: o início do partido, a chegada às primeiras unidades da federação importantes, e a conquista de governos estaduais e do federal. O PT se distanciou de suas bases e dos movimentos sociais. Os principais quadros partidários passaram a ocupar postos no governo e no Parlamento e deixaram de atuar na direção. Não tivemos uma política correta focando o diálogo com a juventude e nem com a classe média. Não temos tido posturas muito importantes de reflexão de eventuais transgressões dos filiados ao estatuto e à legislação.
O senhor se refere ao Mensalão?
Exato. Na época, disputei a presidência do PT propondo a refundação do partido. Pessoalmente, acho que se tivéssemos seguido aquele caminho naquele momento, muito disso que aconteceu depois não teria se repetido. Não adianta chorar sobre o leite derramado. Temos que compreender o que aconteceu e propor as mudanças necessárias. Renovar os quadros, incentivar jovens a participar do PT, dialogar com a juventude. Temos que voltar a discutir planos de governo. Resgatar um pouco nossas origens, sem ignorar o que fizemos nesse período e os equívocos que ocorreram. Temos que repensar o partido.
Como seria essa refundação?
O partido tem que ser pragmático, mas não pode ser só isso. Tem que produzir políticas. Um partido que se propõe transformador não pode agir como partido convencional. Tem que ser criativo, produzir políticas e programas. O PT tinha isso na sua origem, mas a discussão interna do partido empobreceu. Passou-se a discutir apenas cargos de poder, não mais políticas. Tudo isso precisa de uma revisão. Não pode se comportar como um partido convencional nem se submeter às normas de um sistema político absolutamente anacrônico e gerador de corrupção.
O ex-presidente Lula é a grande liderança do partido. Ele dificultou o surgimento de novos nomes?
O presidente Lula defendeu que Dilma Rousseff, que não tinha uma trajetória partidária, fosse candidata à presidência, e que o Fernando Haddad disputasse em São Paulo. Ele foi um dos poucos que apoiaram renovações. O que não foi feito e precisa ser pensado: a renovação das estruturas partidárias, os quadros dirigentes.
O senhor pode dar um exemplo do que seria isso?
O Processo Eleitoral Direto (PED), por exemplo, foi uma grande inovação, mas o que aconteceu nesse período no PED mostra que o sistema está viciado. A democracia interna do PT não pode se limitar ao PED e nem pode ser o PED nessas condições, porque é totalmente desvirtuado: no resultado, na forma e na operação.
Como está a disputa hoje?
Estou muito ausente da disputa interna. Seria muito importante o PT começar um processo de discussão, permitindo que seus militantes e simpatizantes possam participar.
Qual é o futuro que o senhor vê para o PT?
Tem que continuar sendo um partido de esquerda, que não pode ignorar o que aprendeu no período de governo. Tem que conviver melhor com outros setores democráticos e de esquerda. Não tem que buscar a hegemonia da esquerda, tem que dialogar com os parceiros. Investir numa frente de esquerda ou de centro-esquerda seria correto. Temos que ser mais parceiros dos partidos aliados e menos impositivos nas discussões. Buscar criar uma frente programática mesmo, algo que o PT deveria ter feito antes. Nunca é tarde para se acertar. É fundamental para a esquerda e para o país.
Boa parte dos nomes fortes do partido está associada a escândalos de corrupção. Quais seriam os nomes?
Prefiro não falar em nomes, mas é preciso renovar, discutir e reavivar a democracia interna do PT. As discussões políticas não podem ser um jogo de cartas marcadas entre tendências. Temos que produzir políticas públicas como já fizemos. Hoje, temos mais condições porque já fomos governo. Podemos realizar propostas políticas muito mais profundas do que antes. O partido não pode apenas disputar mandatos. Não é chegar ao poder por chegar, temos que chegar a partir de um programa e buscar cumprir. Para isso, o PT tem que se relacionar com outros partidos de centro-esquerda.
Há receptividade dentro do partido?
Não sei, mas não podemos perder essa oportunidade. É imperativo, para a continuidade do desenvolvimento do PT, revisar uma série de questões.
Menos prefeituras sugere menos deputados e senadores nas próximas eleições. Como fica o cenário para 2018?
Colocaria essa discussão num segundo momento. O PT não pode viver só de eleições. Não pode ser um partido convencional, tem que discutir suas políticas, sua democracia interna, seus equívocos e acertos. Num segundo momento, podemos discutir a estratégia eleitoral. Mas antes disso temos que resgatar um pouco do que foi e do que pode ser. Resgatar nossa identidade. Não quer dizer que deva ser mais de esquerda ou de centro. O PT sempre foi um partido que se baseou numa forte democracia interna e numa militância que acreditava no partido e participava da sua vida. Isso tem que retornar.
Como evitar novos casos de corrupção?
O PT teve um dado importante. Quando fui secretário-geral, participei ativamente da criação do código de ética. Ele pode até ser alterado, mas tem que ser aplicado. Vendo de fora, não consigo vislumbrar isso. Mas o PT tem que ser intransigente na sua ética interna.
O que o senhor achou da autocrítica feita pelo presidente do partido, Rui Falcão, após o resultado das eleições?
Foi um passo importante, mas tem que aprofundar muito mais.