Instituto de Otorrinolaringologia & Cirurgia de Cabeça e Pescoço: unidade fica em Campinas. (Divulgação/Divulgação)
Gilson Garrett Jr
Publicado em 13 de agosto de 2022 às 08h32.
Última atualização em 16 de agosto de 2022 às 15h20.
A cidade de Campinas, no interior de São Paulo, deve ganhar em dois meses um dos mais modernos hospitais do país que vai realizar 70% de atendimentos para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). E o mais inovador desta história é que ele foi construído com dinheiro oriundo de uma indenização trabalhista coletiva.
Para entender o desenrolar dos fatos, é necessário voltar para os anos 2000, quando começou uma série de processos envolvendo a planta química, de produção de agrotóxicos, da Shell e Basf que funcionou na cidade de Paulínia, na região de Campinas, de 1972 a 2002. As empresas fizeram um acordo para pagar uma série de indenizações individuais por expor à contaminação trabalhadores pelo período de mais de 30 anos.
Além dos danos individuais, a Justiça do Trabalho, junto com o Ministério Público do Trabalho, acordou que a Shell/Basf também pagasse uma indenização moral coletiva. O valor, homologado em 2013 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), foi de R$ 200 milhões, o maior da história do país, só sendo superado anos mais tarde pelo acordo feito em decorrência do desastre da Vale, em Brumadinho, ocorrido em 2019.
Do total do valor da indenização coletiva, pouco mais de R$ 50 milhões foram destinados para a construção do Instituto de Otorrinolaringologia & Cirurgia de Cabeça e Pescoço (IOU), como explica o médico Agrício Crespo, diretor do IOU e professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. O restante, dos R$ 65 totais necessários para a construção, vieram de doações.
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"A Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho fizeram um concurso de projetos para receber o dinheiro da indenização coletiva. Fizemos um levantamento socioeconômico da região, com os motivos pelo qual o hospital deveria ser construído, quais seriam os benefícios para a população. Havia 84 projetos concorrendo e nós conseguimos. O mais curioso é que do hospital você consegue ver as chaminés da antiga fábrica, que fica a uma distância de 10 quilômetros, mostrando a utilização exemplar do dinheiro", diz Agrício Crespo.
A maior parte do atendimento, 70%, será para pacientes do SUS. Os outros 30% serão de pacientes de planos de saúde, mas o dinheiro extra será revertido para melhorar ainda mais o tratamento dos pacientes do sistema público, afirma o médico diretor. O instituto foi construído em um terreno da Unicamp, que foi cedido, em formato de concessão. Não houve qualquer dinheiro público para a obra.
O foco do atendimento será de alta complexidade em otorrinolaringologia, cabeça, pescoço e doenças do trato respiratório. De acordo com Agrício Crespo, o hospital será referência desta área médica em todo o Brasil, equipado, inclusive, com os mais modernos equipamentos disponíveis no mercado de saúde.
No hall de tratamentos estão câncer de cabeça e pescoço, deficiência auditiva, criança traqueostomizada, doenças do equilíbrio, paralisia facial, medicina do sono, doenças da voz, deformidades esqueléticas da face, distúrbios da respiração, entre outros procedimentos. A capacidade é de mais de 200 mil consultas médicas por ano.
“Somos a primeira instituição pública do Brasil a fazer cirurgias endoscópicas para câncer de laringe usando laser de CO2, que reduz o período de internação 10 dias para 24 horas, além de facilitar muito o pós-operatório para o paciente. Esse é considerado um padrão-ouro internacional e é apenas um exemplo dos métodos inovadores e aprimorados adotados no instituto", diz Agrício Crespo.
Além de atendimento de pacientes, o IOU será um hospital-escola para o treinamento e formação de novos profissionais da área da saúde. Parte do custeio do instituto virá deste braço da unidade. O custo anual é estimado em R$ 25 milhões, e o hospital não terá fins lucrativos.
"Pra garantir o funcionamento, o arranjo é: a Unicamp tem o projeto acadêmico. O instituto é construído em terreno da universidade que fará a concessão. E uma fundação, de direito privado, que nasceu dentro da faculdade de medicina, fará a gestão e assim não terá uma administração sucateada", explica o médico diretor.
Apesar de pronto fisicamente, ainda faltam alguns detalhes burocráticos para iniciar os atendimentos aos pacientes.
"Nós iniciaremos no dia 16 de agosto o primeiro evento internacional, com um curso de reconstrução de vias aéreas de crianças. Estamos terminando o planejamento de transferir o serviço do Hospital das Clínicas para o instituto. Em um ou dois meses deve começar o atendimento dos pacientes. Estamos esperando apenas orientações da reitoria da Unicamp", afirma Crespo.
Em uma nota enviada à EXAME, a Shell do Brasil esclareceu que acordo judicial firmado em abril de 2013, no âmbito da Ação Civil Pública Trabalhista, "não reconheceu qualquer negligência por parte da Shell e da Basf com relação à saúde dos empregados da antiga fábrica de produtos químicos na cidade de Paulínia/SP".
A nota ainda diz que cláusula 17ª do acordo prevê expressamente que: “a celebração do acordo não importa o reconhecimento pelas reclamadas de responsabilidade pelos danos, de qualquer espécie, invocados pelos reclamantes”.
"Além disso, apesar de estudos técnicos mostrarem que a contaminação ambiental não impactou a saúde de ex-empregados e seus dependentes, a Shell já vinha prestando assistência médica integral para os seus antigos empregados e dependentes", afirmou a nota da empresa.
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