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Camilo Santana, governador do Ceará: um petista com Sergio Moro

Em entrevista a EXAME, governador fala sobre os ataques que o estado sofreu no início do ano e que o seu partido não pode fazer oposição por oposição

Governador do Ceará pelo PT, Camilo Santana (Agência Brasil/Agência Brasil)

Governador do Ceará pelo PT, Camilo Santana (Agência Brasil/Agência Brasil)

AJ

André Jankavski

Publicado em 14 de fevereiro de 2019 às 16h28.

Última atualização em 18 de fevereiro de 2019 às 11h34.

O segundo mandato do governador cearense Camilo Santana começou da maneira que nenhum governante gostaria. Após ter sido reeleito em 2018 com 80% dos votos, Santana teve que combater em seu estado uma onda de violência ligada ao crime organizado. Foram mais de 300 ataques a pontes, ônibus e outros patrimônios públicos, além de quase 500 presos em pouco mais de 30 dias. O governador contou com a ajuda do ministro da Justiça, Sergio Moro, para levar lideranças criminosas para presídios federais. Santana defende o pacote anticrime proposto pelo ministro, assim como vai se posicionar a favor da reforma da Previdência, em posição contrária a seu partido. “Trata-se de um dos maiores gargalos do setor público, mas é necessário retirar as regalias dos mais ricos, que recebem aposentadorias milionárias, sem tirar o direito dos mais pobres”, afirma ele. O governador concedeu a seguinte entrevista a EXAME.

Qual é a atual situação do Ceará? Os ataques ligados ao crime organizado deram uma trégua?

Os ataques cessaram há mais de dez dias. Mesmo assim, nós mantemos as nossas forças de segurança de prontidão. No total, foram presas 476 pessoas neste ano. Quando eu assumi o governo, em 2015, criei um compromisso de enfrentar esse problema da violência. É um problema no Brasil inteiro. Mas eu acredito em política pública e em resultado quando existe um planejamento com metas, objetivos e indicadores. Algo que fizemos na educação, área que temos um dos melhores índices do Brasil. Por isso, chamei um dos melhores especialistas do Brasil para fazer um diagnóstico e construir um plano para a segurança.

E por que houve a crise?

Esse é um tema que deveria ser coordenado pelo governo federal. O Brasil precisa construir uma política de segurança pública. Os estados são muito engessados por conta da limitação de recursos e o crime ultrapassou a fronteira deles. É necessário o envolvimento do Congresso Nacional, da Justiça e do Governo Federal, que deve coordenar tudo isso. Até porque o crime no Brasil acontece por conta, principalmente, do tráfico de drogas. O Brasil não é produtor de drogas e nem de armas, logo tudo entra pelas fronteiras do país. Quem é o responsável pelas fronteiras e o combate ao narcotráfico? É o governo federal.

Quando o senhor fala da responsabilidade do governo federal, também inclui os antigos governos do PT?

É de responsabilidade de todos os governos que passaram. Não deram a atenção necessária para esse assunto e o Brasil chegou a esse ponto. Olha a quantidade de crimes e violência que acontece anualmente no Brasil. A minha crítica, independentemente de qualquer governo, é que todos os que passaram não deram atenção que o tema precisa. Pela primeira vez, depois de muito esforço, o governo do ex-presidente Michel Temer criou o Ministério da Segurança Pública. No ano passado, o Ceará aprovou o sistema único de segurança pública. Agora é necessário colocar em prática esse tema. Demos um passo importante para esse enfrentamento no Brasil. Construímos um plano em 2015 que tinha três eixos: fortalecimento policial, prevenção e cuidado com o sistema prisional.

O que foi feito nesses três eixos?

Passei os últimos quatro anos contratando pessoal e investindo em equipamentos, tecnologia e inteligência. Mesmo no período de crise, o Ceará tem mais de 29.000 homens nas forças públicas. Trouxe pessoas da Universidade Federal do Ceará para dentro da secretaria de segurança para implementar ferramentas para o problema da violência. Já o sistema prisional é falido, superlotado e frágil. Essa é a realidade do Ceará, como a de todos os lugares do Brasil. Não podemos mais admitir que a polícia prenda o bandido e ele ainda consiga dar ordens lá de dentro para fora.

Por que mesmo com esses planos os ataques aconteceram?

No início desse ano, sabia que era necessário fazer uma intervenção no sistema prisional. Aumentei em 70% o número de agentes penitenciários e decidi tentar mudar o sistema. Acabar com as regalias e cortar a comunicação. No Ceará foi aprovada uma lei que proibia sinal de celular das operadoras nas unidades prisionais. A lei foi aprovada pela assembleia e teve até ameaça de carro bomba. Mesmo assim, aprovamos. Poucos dias depois, o Supremo Tribunal Federal alegou que a nossa lei era inconstitucional e que o único que poderia fazer isso era o Congresso Nacional. Essa lei está até hoje no Congresso Nacional e não votam.

Qual é a lição que fica após os ataques?

Precisamos reestruturar o sistema como um todo. Por isso, eu criei a Secretaria de Administração Penitenciária e procurei o que existia de melhor. Quando intervenções duras iniciaram no começo do ano, como tirar tomadas, evitar contato entre presos, isolar lideranças e afins, começaram também os ataques para intimidar o Estado. O que nós fizemos foi mostrar que o Estado é mais forte do que o crime. Não recuamos em nenhum momento. Transferimos 19 lideranças do crime organizado para presídios federais e vamos continuar fazendo o nosso trabalho. Mas é importante ressaltar que nenhum país do mundo resolveu o problema da violência sem diminuir a desigualdade social e sem dar oportunidades para a juventude. Tem que construir escola de tempo integral, de ensino profissionalizante e quadra de esportes. O mais importante é a educação.

Como o senhor avalia a atuação do ministro Moro na crise?

Desde o início, Moro tem me ajudado bastante. Levou a Força Nacional e autorizou as vagas dos presídios federais para que eu pudesse transferir as lideranças criminosas do Ceará. Também envolveu penitenciários federais para treinar a nossa equipe. Então, desde o primeiro momento tem sido solícito e teve uma atuação propositiva. Depois, eu estive no anúncio pacote anti-crime em Brasília e acho que é um passo importante para o combate ao crime. Mas ainda não será suficiente. É necessário um controle absoluto das nossas fronteiras pelas Forças Armadas para controlar drogas e armas nas fronteiras. É o que abastece o crime no Brasil.

Houve diversas críticas a respeito do afrouxamento das regras para policiais que matam em serviço. O seu partido se posicionou contra. Qual é a sua opinião?

Eu acredito que não podemos admitir que um policial que esteja em enfrentamento ele vá aguardar um primeiro tiro para responder. Ele tem que ter autoridade dele fazer a primeira reação. O que acontece? Há uma intimidação por parte do policial de sofrer sanções e penalizações. É preciso ser discutido. Claro que tudo dentro da lei. Ele tem que agir, combater o crime, ajudar as pessoas de bem e não ser punido depois.

Então, o senhor então vai ser a favor da aprovação do projeto?

O Congresso precisa aprovar. Essa era uma das reivindicações dos governadores reeleitos. É necessário rever as leis do Brasil, que devem ser mais duras. O segundo ponto seria a criação do sistema único de segurança pública, que foi criado. Agora, temos que operacionalizar a lei. É necessário também o combate da violência através de prevenção. Eu tive a oportunidade de estar com o ex-presidente Temer e a ex-presidente Dilma Rousseff. Falei para eles que a maior política de prevenção à violência é a escola de tempo integral em todos os níveis. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. É preciso mudar isso.

Os governos estaduais estão sofrendo com a falta de dinheiro em caixa, com atrasos de salários e menos dinheiro para a segurança. Qual é a situação do Ceará?

Para que eu construa uma escola nova, contrate novos policiais, novas viaturas, preciso ter dinheiro. Hoje, o Ceará é um dos estados mais bem equilibrados do Brasil. Fomos o campeão em investimento em comparação com os outros estados tendo em vista o percentual da receita revertido em investimentos. É o que a população quer. Investimos 15,2% da nossa receita corrente líquida. Isso significa ter capacidade de fazer os investimentos. Nenhum governo vai conseguir enfrentar os desafios sem ter o equilíbrio fiscal. Por isso, quero usar isso para melhorar a segurança do Ceará, que é o meu principal objetivo para esse segundo mandato.

O senhor se posicionará a favor da reforma da Previdência?

Eu sempre fui a favor da reforma da Previdência. Trata-se de um dos maiores gargalos do setor público. Eu tenho um déficit enorme da Previdência que está crescendo como uma bola de neve. Tomei uma série de medidas ao longo dos últimos quatro anos, mas é preciso uma reforma em nível nacional. A minha preocupação é que a reforma atinja os mais pobres, que tire o direito do trabalhador rural e que haja a garantia aposentadoria de um salário mínimo independentemente de contribuição. Esses temas são aspectos sociais. Quero que a reforma seja debatida exaustivamente pelo Congresso, governadores e prefeitos. Todos irão apoiar, não tenho dúvida nisso. Mas é necessário retirar as regalias dos mais ricos, que recebem aposentadorias milionárias, sem tirar o direito dos mais pobres.

O PT deve fazer oposição a todas as propostas do presidente Jair Bolsonaro?

É preciso avaliar as coisas com discernimento. A autocrítica é necessária. Eu não tenho um discurso para dentro e outro para fora do meu partido. Fazer oposição por oposição é um equívoco. É necessária uma oposição construtiva. Eu espero que seja dessa forma que o nosso partido faça uma oposição. Todo o quadro de governadores do PT é favorável à reforma da Previdência. Claro, desde que ela seja justa.

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