Câmara: projeto de lei pode alterar classificação do que é improbidade administrativa. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 7 de outubro de 2019 às 12h34.
A Câmara dos Deputados instaurou comissão especial para analisar projeto de lei que flexibiliza a Lei de Improbidade Administrativa. A um ano das eleições municipais, uma mudança na legislação é defendida pela classe política como forma de combater o que classifica como "ativismo" dos Ministérios Públicos estaduais em relação, principalmente, à atuação de prefeitos.
Apresentada pelo deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), a proposta é baseada no trabalho de uma comissão de juristas criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com coordenação do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O resultado é um projeto que mexe em 34 pontos da lei atual para definir, por exemplo, a possibilidade de acordo entre as partes (hoje vetada), a redução do tempo mínimo de suspensão dos direitos políticos e a previsão de punição também do ente privado considerado corruptor.]
Segundo o deputado, trata-se de uma atualização e não de um afrouxamento. "Hoje, é muito difícil um agente público, especialmente aquele eleito, passar por um mandato sem responder por algum ponto da lei. Isso porque ela não é objetiva, permite interpretações. É isso que pretendemos mudar, estabelecendo melhor a diferença entre um erro formal e uma intenção de lesar" explicou.
Se aprovado, o projeto impedirá que atos considerados equívoco, erro ou omissão decorrente de negligência, imprudência e imperícia sejam classificados como improbidade administrativa. Essa denominação só será admitida para atos comprovadamente praticados com dolo.
"A lei foi feita para punir desonestos, não pessoas despreparadas. Da forma como funciona hoje serve para afastar pessoas de bem da vida pública e para precarizar a política", disse na comissão o desembargador e ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo José Renato Nalini, um dos juristas que apoiam a revisão. Desde junho, ele, que também foi secretário estadual de Educação, é processado por improbidade. Segundo o MPE-SP, Nalini é corresponsável por desviar recursos da educação para pagar aposentadorias de servidores estaduais. Ele nega.
Uma das alterações propostas trata do conjunto probatório necessário para o MP poder ajuizar uma ação de improbidade. A revisão da lei muda o texto para deixar mais claro que promotores apresentem, já na petição, provas que atestem dolo e que também individualizem a autoria do ato.
"A lei não pode punir algo que não se comprova como grave. Quem vai julgar tem que fazer isso com base em prova. Essa é a grande questão hoje, é tema de debate no Supremo Tribunal Federal. O dano deve ser efetivo e não presumido", afirmou o prefeito de Campinas (PSB) e presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, Jonas Donizette. Para ele, muitos promotores assumem um "espírito lavajatista" em busca de um troféu. "Há casos em que beira a perseguição política."
O promotor de Justiça de São Paulo Silvio Marques, que atua na área de improbidade desde 1995, diz que excessos são pontuais e combatidos devidamente pela corregedoria e pelo Conselho Nacional do Ministério Público. "Esse discurso de abuso quem faz geralmente, é o réu. E isso nunca vai acabar. Mas fazemos o filtro. Aqui em São Paulo mais de 90% dos inquéritos instaurados não geram ação por improbidade por falta de provas. Agora, na dúvida, temos de propor a ação."
Segundo Marques, a principal contribuição do projeto é a liberação de acordos consensuais em ações de improbidade. "Eles permitirão que a administração pública recupere bilhões de reais. Só aqui em São Paulo temos R$ 50 bilhões a reaver", disse. O promotor ressalta, no entanto, que o projeto deve prever, textualmente, que esse acordo possa ocorrer em qualquer fase do processo.
Outro ponto defendido pela Promotoria paulista é a eliminação da notificação prévia dos réus. A proposta é que eles sejam citados a se manifestar automaticamente. Nas contas de Marques, a retirada dessa fase pode acelerar o processo em até cinco anos. Segundo o Ministério Público de São Paulo, nos últimos dez anos houve 8.399 ações envolvendo patrimônio público.
A proposta de Lucena ainda mexe nas regras definidas para punição de condenados. Pelo texto, o período mínimo possível para suspensão dos direitos políticos, por exemplo, cai pela metade: dos atuais oito anos previstos para quatro. "Ao mesmo tempo, a proposta eleva a punição máxima, que passa de 10 para 12 (anos)", diz o deputado, que estima levar o tema a plenário ainda este ano.
Estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que há suspensão dos direitos políticos em 60% dos casos julgados. Já o porcentual de processos que resultaram em inelegibilidade é mínimo, de 1,65%.
A Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92) prevê sanções a agente com mandato, cargo, emprego ou função que cometa ações contra administração pública, como fraudes em licitações e recebimento de propinas.
Em caso de políticos com mandato, a condenação resulta na perda do cargo e na suspensão dos direitos políticos por até dez anos, impedindo a disputa em eleições durante o período. Além disso, o réu deve ressarcir os cofres públicos e pagar multa de até cem vezes o próprio salário.
A aplicação da pena, no entanto, só ocorre após o trânsito em julgado, ou seja, quando não há recursos a serem analisados na Justiça.
Para ser enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa, o político deverá ser alvo de ação em até cinco anos após o término do seu mandato. Caso contrário, o crime prescreve. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.