Povos originários: indígenas protestam pela demarcação. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Reporter colaborador, em Brasília
Publicado em 30 de maio de 2023 às 06h01.
Parado na Câmara dos Deputados desde 2021, o projeto de lei do marco temporal (PL 490/07) deverá ser analisado pelo plenário da Casa legislativa nesta terça-feira, 30. A proposta teve a tramitação acelerada após aprovação de um requerimento de urgência por 324 votos favoráveis e 131 contrários na última quarta-feira, 24.
A tese do marco temporal estabelece que apenas as terras já ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da constituição, 5 de outubro de 1988, podem ser reivindicadas por eles. Assim, um grupo que historicamente ocupa um território, mas que não estava nele na data exata estabelecida, pode ficar sem o direito à demarcação.
A proposta altera a Lei nº 6.001/1973 que dispõe sobre o Estatuto do Índio, que ampara a demarcação de terras realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) com base em critérios técnicos e antropólogos. Atualmente, a aprovação da demarcação cabe ao presidente, por meio de decreto.
O texto foi apresentado pela primeira vez em 2007 pelo então deputado Homero Pereira (PR-MT) e transfere do poder Executivo para o Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas.
A proposta voltou a andar em meados de abril a partir de requerimentos apresentados por parlamentares do Partido Liberal (PL) ligados à bancada ruralista. A aceleração da análise do texto é visto como uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que analisará em junho o recurso extraordinário que discute se a data da promulgação da Constituição Federal deve ser adotada como marco temporal para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas.
Em fevereiro, em entrevista à EXAME, o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), se referiu ao tema como uma das prioridades da bancada — uma das mais poderosas do parlamento. Para Lupion, o julgamento, no STF cria um "precedente que não vai afetar só o produtor rural, vai afetar diversas áreas".
Para ele, a possível aprovação do projeto deixará "claro que a legislação prevê que vale o marco temporal de 1988". "A gente conseguiria ter uma situação um pouco mais tranquila", afirma. "O que a gente quer é que o índio possa ter autonomia, que ele possa produzir. O índio brasileiro pode ser bem de vida, pode ter condições de subsistência, de trabalho, de criar seus filhos, respeitando sua cultura, suas origens e as áreas. É uma guerra de narrativas", disse.
O movimento dos deputados coincide com o anúncio da presidente do STF, ministra Rosa Weber, de que o julgamento do recurso extraordinário, em que deve ser adotado como marco temporal para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas, será retomado no dia 7 de junho.
O julgamento está suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Até o momento, foram proferidos dois votos: o do relator, ministro Edson Fachin, que se manifestou contra o marco temporal, e o do ministro Nunes Marques, a favor.
Como mostrou a EXAME, o autor do requerimento de urgência, o deputado Zé Trovão (PL-SC), nega que a tentativa de acelerar a votação do projeto que aborda o tema seja uma forma de “ameaça” ou pressão ao STF.
O projeto tem grandes chances de ser aprovado, uma vez que tem aval do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que já havia afirmado que a questão poderia ser definida pelos parlamentares antes mesmo de o STF tomar uma decisão.
Lira está à frente do Centrão, o que influenciou, por exemplo, o presidente Lula liberar a base partidária para votar o requerimento de urgência. A expectativa é que a base do governo também seja liberada na votação do projeto nesta terça-feira. A lógica é a de que é melhor liberar a base do que ter “aliados” votando contrários a uma orientação do governo.
O partido do presidente, o PT, assim como outros partidos de esquerda orientaram suas bancadas a votarem contra a urgência. O vice-líder do governo, o deputado Rogério Correia (PT-MG), afirmou que a posição contrária à proposta será mantida, inclusive articulando para convencer outros parlamentares a votarem contra o projeto.