Trote: o aluno foi obrigado pelos veteranos a subir em uma cruz montada pelos estudantes para simular a crucificação de Jesus (Marcos Santos/ USP Imagens)
Da Redação
Publicado em 22 de janeiro de 2016 às 10h33.
São Paulo - Um calouro da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) foi "crucificado" por veteranos em uma competição esportiva com outras universidades em setembro do ano passado.
No mesmo evento, lençóis usados pelos alunos no Hospital e Maternidade Celso Pierro, o hospital da PUC-Campinas, foram incendiados.
As imagens, obtidas pelo jornal O Estado de S. Paulo, foram registradas pelos próprios estudantes e divulgadas à época nas redes sociais, mas apagadas poucos dias depois.
As ações são alvo de sindicância interna na PUC-Campinas, que proíbe o trote desde 2005. A instituição confirmou que os fatos "estão sendo apurados", mas que o processo está em sigilo.
Os episódios aconteceram durante a Intermed, competição esportiva entre universidades paulistas de Medicina criada em 1966 e realizada tradicionalmente em setembro. Em 2015, foi realizada na cidade de Taquaritinga, no interior do Estado.
O evento e a PUC-Campinas já foram alvo de apurações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que analisou os trotes e outras violações de direitos humanos nas instituições de ensino paulistas.
Durante os jogos, o aluno foi obrigado pelos veteranos a subir em uma cruz montada pelos próprios estudantes para simular a crucificação de Jesus Cristo. Para ficar "pendurado", ele segurou duas cordas presas à madeira. O trote tinha relação com o nome do estudante, Jesus. A tinta azul que aparece no corpo do jovem na imagem também é parte do trote.
Já os lençóis, que segundo relato dos estudantes foram furtados do hospital dos residentes, eram usados como material inflamável nas "papaveiras", estrutura de metal no formato do símbolo da Associação Atlética Carlos Oswaldo Teixeira (AAACOT), a atlética da Medicina. Trata-se de uma caveira com um bisturi, uma tesoura e um chapéu de clérigo em referência ao papa.
Assim como em outras faculdades de Medicina, o trote no local é contínuo e pode acontecer ao longo do ano, conforme relato dos estudantes à CPI.
Desde as investigações, um grupo de alunos decidiu criar o Coletivo Semente, que passou a receber alunos e incentivá-los a denunciar práticas de trote, além de acolher possíveis vítimas.
"Este coletivo surgiu da necessidade da criação de um polo de integração entre as turmas. Pretendemos construir espaços de discussão e debates envolvendo desde questões sobre a atual conjuntura da saúde no País até opressões e desigualdade, especialmente as vivenciadas na nossa universidade", diz o texto de apresentação. O grupo foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou. A AAACOT também não respondeu ao pedido de entrevista.
À reportagem, o presidente da atlética, Renato Morelli Berg, disse que as fotos foram feitas na abertura da Intermed, com a presença de 11 faculdades, quando a "criatividade" é importante para chamar a atenção de outras torcidas. O aluno na cruz, segundo ele, levou a crucificação como uma "brincadeira".
"Vale salientar que não existem amarras ou qualquer tipo de instrumento que causa dor física ou mental na cruz. Nada é obrigado aos participantes, e a organização do evento busca apenas conter os excessos", disse. Ele disse que a Atlética não tem conhecimento do uso dos lençóis do hospital.
Demissões
No ano passado, a universidade já havia demitido três docentes da Faculdade de Ciências Médicas depois de um dossiê feito por alunos com relatos de abusos físicos e psicológicos por alunos veteranos e professores ser encaminhado à instituição.
Na mesma época, estes professores haviam sido chamados para depor na CPI do Trote acusados de perseguir alunos que fizeram as denúncias de violência e também de estar presentes em festas e eventos em que aconteceram casos de violência contra os alunos.
O motivo oficial das demissões, no entanto, não foi divulgado pela instituição.
Entre as denúncias estavam casos de abusos físicos, ofensas sexuais e trotes desumanos. As vítimas descreveram que os calouros eram obrigados a, por exemplo, simular sexo oral, andar em uma piscina de urina, fezes e vômito, além de levar socos e tapas na cara.