VOLUNTÁRIOS: governo de Minas informa que "não é necessário realizar campanhas de arrecadação" (Mariana Desidério/Exame)
Mariana Desidério
Publicado em 27 de janeiro de 2019 às 07h44.
Última atualização em 27 de janeiro de 2019 às 11h33.
Brumadinho – A estudante Maria Julia Sales, de 21 anos, moradora de Brumadinho, em Minas Gerais, tem um primo desaparecido no desastre da barragem da mineradora Vale, que desmoronou na tarde de sexta-feira. Também espera notícias do marido de uma prima, e de cinco conhecidos do bairro. “Eu estava em casa vendo as notícias pela TV, mas me sentia inútil. Na rua, você sente as pessoas tristes. O sentimento na cidade hoje é de devastação”, afirma. Ansiosa, resolveu sair de casa para ajudar.
Assim como ela, muitos moradores estão atuando como voluntários. Auxiliar os desabrigados e as famílias dos mortos e desaparecidos é uma forma de essa cidade de 39 mil habitantes elaborar o luto por uma tragédia de proporções ainda desconhecidas. Até agora foram confirmados 37 mortos. Mas há mais de 200 ainda desaparecidos. A Vale é peça fundamental da economia local e quase todos conhecem alguém que trabalha na companhia.
Um dos pontos de concentração desse voluntariado é a quadra poliesportiva da cidade, que se tornou local de triagem das doações recebidas de diversas partes do país. A quadra tornou-se abrigo para fardos de água mineral. Alimentos, colchões e produtos de limpeza também são armazenados no local. No teatro da cidade, que fica dentro do complexo poliesportivo, as cadeiras da plateia foram tomadas de sacos de roupas.
O complexo também tem um posto de atendimento da prefeitura e de funcionários da Vale, onde familiares das vítimas buscam informações. Os funcionários se revezam em turnos para manter os postos abertos 24 horas. O principal ponto de referência das famílias, no entanto, fica na Estação Conhecimento, em outro ponto da cidade.
“Hoje acordei de manhã e pensei: eu não vou ficar em casa. Eu estou aqui para ajudar. Ficar em casa revoltado não vai adiantar de nada”, disse o microempresário João Marcos Moreira, de 22 anos, morador de Brumadinho que passou o dia na quadra ajudando a organizar os mantimentos. Ele aguarda notícias de um primo e de dois amigos da faculdade.
Há também muitos voluntários das cidades vizinhas. Bruno Oliveira, de 24 anos, veio de Sarzedo, a 22 quilômetros de Brumadinho. Ele já foi estagiário da Vale e tem 14 amigos entre os desaparecidos na lama. “Assim que eu soube, larguei o serviço e vim para cá. A região toda está mobilizada: Mário Campos, Brumadinho, Sarzedo, todo mundo se conhece. Eu trabalhei no planejamento de lavra e conhecia as pessoas que infelizmente estão lá debaixo da lama”, afirma.
Outros voluntários vieram de Contagem, que fica a 42 quilômetros de Brumadinho. Pedro Cesário, 23, trouxe mantimentos como açúcar, café e biscoitos, recolhidos na igreja que frequenta.
A mobilização agrega grupos dos mais diversos: das igrejas aos jipeiros, que se organizaram via WhatsApp e têm ajudado como podem com seus carros 4×4. Um grupo de ciclistas, por exemplo, reuniu doações em Belo Horizonte e levou um caminhão de mantimentos para a quadra poliesportiva de Brumadinho.
“Recebemos doações de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Santa Catarina. Já mandamos alguns donativos para a Estação Conhecimento, onde estão se concentrando as famílias das vítimas e também entregamos itens como cesta básica e colchão para doze famílias na região de Barra do Cachoeira”, explica o secretário de esportes da cidade, Vanilson dos Santos, que tem coordenado os trabalhos na quadra.
O local recebe também doações para os próprios voluntários, como frutas, marmitas e suco. Por volta das 22h de sábado, as funcionárias da prefeitura contavam 38 voluntários por ali. Pouco depois, o secretário de esporte agradeceu a presença e dispensou todos para descansar. O Governo do Estado de Minas Gerais informou que neste momento “não é necessário realizar campanhas de arrecadação de donativos e água para as vítimas”.
O clima de mobilização na quadra contrasta com a névoa de dor que paira sobre Brumadinho. Na cidade, portas de comércio fechadas e poucas pessoas nas ruas. Quem teve alguém próximo atingido pela lama muitas vezes não quer falar sobre o assunto.
No domingo, o trabalho continua.