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Brasileiros apertam cintos, surpresa ruim para investidores

Piora do mercado de trabalho e encolhimento do crédito podem fazer com que setores de serviço e comércio sejam os que mais contribuem para a recessão


	Comércio: 75% das empresas varejistas divulgaram resultados piores do que os previstos pelo mercado.
 (Arquivo/Agência Brasil)

Comércio: 75% das empresas varejistas divulgaram resultados piores do que os previstos pelo mercado. (Arquivo/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2016 às 11h05.

Mariele Santarosa está saindo menos e comprando menos depois que o movimento em seu consultório odontológico em São Paulo caiu 80 por cento em um ano. Ela é vítima da mais longa recessão do Brasil em pelo menos um século.

“Muita gente perdeu o emprego e deixa para ir ao dentista só quando estiver com dor”, disse Santarosa, 35, que passou uma manhã de sábado recente passeando pelo Shopping Center 3, na Avenida Paulista. “A gente também começa a diminuir o que é supérfluo. Hoje estou só pesquisando. Olhando, passeando, só vendo”.

Com a confiança do consumidor perto de mínimas recordes, a mudança dos hábitos de compras dos brasileiros foi uma das surpresas mais negativas para os investidores que examinam os resultados do quarto trimestre.

No setor de serviços ao consumidor, formado principalmente por varejistas, 75 por cento das empresas reportaram vendas e lucros abaixo das estimativas dos analistas, pior resultado para qualquer setor que não os de commodities.

As coisas podem piorar. Os setores de serviços e varejo poderão ultrapassar o da indústria como os que mais contribuem para a recessão com “a piora das condições de crédito e do mercado de trabalho”, escreveu Marco Maciel, economista da Bloomberg Intelligence, em uma nota no dia 18 de março.

O desemprego na maior economia da América Latina atingiu a maior alta em quase sete anos em fevereiro, de 8,2 por cento.

A piora do mercado de trabalho, combinada com as taxas de juros mais elevadas entre as principais economias, levou os bancos a restringirem o crédito e os consumidores a se distanciarem dos itens mais caros, como carros e eletrodomésticos.

Os consumidores também estão sendo cuidadosos no supermercado. Santarosa disse que, agora, antes de comprar verifica as ofertas de diferentes redes de supermercados, incluindo Pão de Açúcar e Extra, ambas marcas da Cia. Brasileira de Distribuição Grupo Pão de Açúcar, ou GPA, e também Carrefour e DIA, para ter certeza de que está conseguindo os preços mais baixos.

Ana Maria dos Santos, 57, que recolhe materiais recicláveis do lixo de outras pessoas, cortou sua lista de compras pela metade e prepara remédios caseiros quando fica doente porque não tem dinheiro para comprar medicamentos industrializados.

Ela disse que mais pessoas estão percorrendo as ruas para revirar latas de lixo, o que aumenta a competição por itens recicláveis decentes para revender -- outro efeito do aumento do desemprego.

A cidade de São Paulo, a maior da América do Sul, tinha cerca de 16.000 moradores de rua até 2015, segundo um estudo encomendado pela prefeitura. O número contrasta com o total de 14.500 pessoas em 2011 e de 8.700 em 2000, mostra o estudo.

Ambiente difícil

Entre as empresas de serviços ao consumidor que ficaram abaixo das projeções de vendas dos analistas no trimestre estão o GPA e a Lojas Americanas, duas das maiores redes de varejo do Brasil.

Os analistas do Itaú BBA rebaixaram o GPA em 3 de março após o relatório do quarto trimestre da empresa, dizendo que seus resultados ao longo de 2015 foram “decepcionantes” e que o ambiente de consumo mais difícil “provavelmente continuará gerando adversidades”.

Embora as vendas nas lojas de atacado e de conveniência do GPA tenham subido, a comercialização de produtos não- alimentícios foi prejudicada por ser mais dependente da renda e exposta ao crédito, disse a empresa em um e-mail.

“A companhia registrou variações de performance entre os seus modelos em linha com as mudanças nos hábitos de compra do consumidor brasileiro”, disse o GPA.

A tendência está se estendendo para o trimestre em curso. As vendas dos supermercados caíram 3,4 por cento em janeiro em relação a um ano antes, “sentindo o péssimo ambiente econômico que afeta o País”, disse Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira de Supermercados, a Abras, em um comunicado no website da associação.

Com o término da temporada de resultados do quarto trimestre, a atenção se volta para como as empresas serão afetadas pelo aprofundamento da crise política do Brasil, com a presidente Dilma Rousseff lutando contra um processo de impeachment.

Os economistas não estão otimistas de que o Brasil sairá da recessão neste ano. Eles projetam que o produto interno bruto encolherá 3,66 por cento, segundo a pesquisa semanal mais recente do banco central, após uma contração de 3,8 por cento no ano passado, fazendo as empresas se concentrarem em economias de custo para compensarem a falta de crescimento das vendas.

A Kroton Educacional, maior operadora de faculdades com fins lucrativos do Brasil, foi uma das únicas duas empresas de serviços ao consumidor que ultrapassaram as estimativas de receita dos analistas no último trimestre. Mesmo assim, a empresa vê uma pressão contínua sobre as receitas.

A Kroton está analisando estratégias para manter os estudantes matriculados e para encontrar um parceiro para oferecer créditos estudantis privados depois que o governo reduziu seu programa de financiamento público, disse Carlos Lazar, diretor de relações com investidores da Kroton, em entrevista.

“Não há dúvida que 2016 e provavelmente 2017 continuarão sendo muito desafiadores, especialmente para o aumento de nossas receitas”, disse Lazar.

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