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Brasileiro encara via-crúcis nas alfândegas dos aeroportos

Em Guarulhos, número de pessoas fiscalizando bagagens hoje é o mesmo de 1997; reforço nas vistorias não é acompanhado de contratação de agentes

Imagem do aeroporto de Guarulhos (Mario Rodrigues/VEJA São Paulo)

Imagem do aeroporto de Guarulhos (Mario Rodrigues/VEJA São Paulo)

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Da Redação

Publicado em 9 de junho de 2012 às 16h45.

São Paulo - O aperto da fiscalização da Receita Federal na entrada de importados no país não aumentou apenas nos departamentos de carga de portos e aeroportos brasileiros. Também os passageiros de voos internacionais, sobretudo provenientes dos Estados Unidos e Europa, são alvos cada vez mais constantes das inspeções. Somente entre janeiro e abril no Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo, houve alta de 70% no número de passageiros fiscalizados na comparação com o mesmo período do ano passado. Ocorreu ainda elevação de 60% na quantidade de bagagens vistoriadas e o resultado foi um acréscimo de 50% no valor dos impostos e multas aplicadas.

Diante deste quadro, o brasileiro que volta ao país com a mala cheia de compras corre o risco de tomar um susto – e a pechincha feita no exterior pode ser posta a perder. Além disso, o desembarque cada vez mais se transforma em via-crúcis. Sem infraestrutura mínima para atender à crescente parcela da população que viaja a outros países, passageiros têm de enfrentar horas na fila (em pé) somente para passar pela fiscalização.

A despeito do reforço na vistoria de bagagens, a estrutura da Receita nos aeroportos do país continua a mesma desde a década de 1990. Os voos mais visados pelos fiscais são provenientes de Nova York e Miami – centros tradicionais de compras em território americano. Aeronaves que fazem as rotas Brasil-Estados Unidos, como o Boeing 777, possuem capacidade para transportar até 300 passageiros, mas, na maior parte dos turnos, há apenas um fiscal para vistoriá-los. Quando ocorrem desembarques seguidos, a situação fica caótica.

A relações públicas Daniela de Melo Pires, 26 anos, conta que, em sua última viagem, em 7 de maio, desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos no momento em que outros quatro voos internacionais eram finalizados. O resultado foi uma hora e meia para checagem do passaporte e passagem pelo raio-X da alfândega. “Depois de 15 horas de voo, uma hora e 40 minutos pra conseguir chegar até o Raio-x, sou chamada para a revista de bagagem. O agente havia desconfiado de alguma coisa. Quando abro minha mala com toda boa vontade para que o responsável pela fiscalização verificasse seu conteúdo, só havia barras de chocolate comprados no free shop”, afirma, indignada com a falta de critério da triagem da Receita.

“Minha experiência em Guarulhos me deixou chocada com as condições de atendimento”, acrescenta Daniela, que mora atualmente na Irlanda, mas está sempre nos aeroportos. “Tenho viajado bastante nos últimos meses e é chocante a diferença de infraestrutura com que somos recebidos no Brasil”, lamenta.


Falta fiscal – Fábio Moura, advogado do escritório FHCunha, que é especializado em infraestrutura, explica que há tecnologias que permitem a melhora da fiscalização no caso de drogas, armas e produtos ilícitos. Contudo, tais equipamentos pouco auxiliam na busca por produtos pirateados ou excesso de bagagem adquirida no exterior – o foco das vistorias no país. “Neste caso, só contratando mais pessoal para fiscalizar. Não tem outra solução porque o scanner não consegue identificar o que é um notebook verdadeiro de um pirateado, por exemplo”, destaca. Contudo, a escassez de recursos humanos é gritante e não há previsão de melhoria no curto prazo.

Segundo Pedro Delaure, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), o volume de bagagens analisadas aumentou desde janeiro também como uma decorrência do fato de a Receita ter dispensado, na virada do ano, a necessidade da “Declaração de Bagagem Acompanhada”, em que brasileiros voltando do exterior precisavam informar o conteúdo de suas malas. “Naturalmente é preciso verificar ‘no olho mesmo’ se eles têm algum produto ilícito ou ultrapassaram os limites de itens ou valores de compra”, diz.Redução de pessoal – Delaure é enfático ao relatar que, nos últimos anos, milhares de profissionais deixaram a Receita e poucas vagas foram repostas.

“Em seis anos, três mil pessoas saíram por aposentadoria ou pedido de demissão, enquanto os concursos só trouxeram 600 novos profissionais nesse período”, afirma. Na semana passada, o Ministério do Planejamento autorizou o órgão a preparar um novo concurso para auditor fiscal (200 vagas) e para analista tributário (750 vagas). O presidente do Sindifisco destaca, contudo, que até essas pessoas serem selecionadas, contratadas e treinadas, outras centenas já terão deixado a Receita. “E nem sabemos quantas pessoas virão para trabalhar na fiscalização de aeroportos internacionais, nem se virá alguma mesmo”, fala.

No maior aeroporto do país, em Guarulhos (SP), o quadro de fiscais já diminuiu em relação ao ano passado. Antes eram 123 profissionais da Receita e agora são 116. Especificamente no setor de vistoria de bagagens, o número de auditores e analistas tributários (auxiliares dos fiscais) caiu de 43 para 40 profissionais. “Este é o mesmo número de funcionários que fazia a fiscalização do aeroporto em 1997”, afirma Carlos Marconi, auditor de Guarulhos e vice-presidente do Sindifisco local. Durante todo o ano de 1997, 40 fiscais atenderam 7,54 milhões de passageiros por ano, contra 11,35 milhões que desembarcaram em 2011.

Muambeiro, não – Uma das principais reclamações de passageiros ouvidos pelo site de VEJA diz respeito ao tratamento que lhes é dispensada na alfândega. Segundo eles, a impressão que fica após a inspeção das bagagens é que a Receita Federal vê a todos como potenciais ‘muambeiros’ – pessoas que se especializam em comprar em grande quantidade no exterior com a intenção de revenda no Brasil, o que é proibido, e que procuram desenvolver técnicas para enganar os fiscais. Com o próprio desenvolvimento econômico do país, esse tipo de avaliação leva a muitas injustiças. A ascensão da classe média e o aumento do poder aquisitivo abriram as portas da viagem ao exterior a milhares de cidadãos que simplesmente ficam maravilhados com os produtos de qualidade, e muito mais baratos, disponíveis em outros mercados.


Planalto em alerta – O temor do governo federal é que esse fascínio, traduzido em milhares de produtos a viajar pelas malas dos brasileiros, traga ainda mais dificuldade à indústria nacional. Uma fonte da Receita ouvida por VEJA confirmou que o ritmo crescente dos gastos de residentes no país no exterior passou a incomodar. Segundo ele, a desvalorização do dólar nos meses antecedentes a abril favoreceu ainda mais as aquisições lá fora, o que teria ascendido o alerta vermelho no Planalto.

A exemplo da "Operação Maré Vermelha" nos portos nacionais – lançada em 19 de março e que consiste no aumento da fiscalização das mercadorias importadas com o intuito de "combater fraudes” –, o aperto na inspeção das bagagens atende a uma política de cunho protecionista. As semelhanças com a mobilização nos portos não param por aí. Tal como nesta, não houve investimento por parte do governo federal para que a Receita desempenhasse suas funções com eficiência. O resultado são filas, atraso, stress, cansaço e perda de confiança no Brasil.

Novos alvos – Hoje, não só os eletrônicos figuram na lista dos alvos prediletos dos fiscais. Os auditores se detêm cada vez mais na tarefa de apreender e/ou multar peças de vestuário e calçados. Entre 2009 e 2011, triplicou o volume de bagagens retidas no aeroporto de Cumbica. A apreensão de roupas foi a que mais cresceu. No período, foram duas toneladas barradas, que vão desde camisas de grife a enxovais para bebê.

Barrada pela Receita no Aeroporto de Guarulhos no início do ano ao desembarcar de um voo proveniente de Londres, a empresária paulistana E.M., que pediu para não ter seu nome citado, teve de pagar quase 10 mil reais em impostos. Em suas quatro malas havia apenas roupas e assessórios de uso pessoal, porém de luxo, como produtos da grife francesa Louis Vuitton e uma bolsa modelo Birkin, da marca Hermès. “Depois de pagar o imposto, eles registraram meu nome no sistema. Se eu for parada novamente em uma próxima viagem, terei tudo confiscado”, afirma a empresária, que diz não entender o paradoxo de poder trazer quatro malas de bagagem (graças ao benefício do programa de fidelidade de uma companhia aérea) e contar com um limite de apenas 500 dólares para compras isentas.

"A Receita está fazendo o trabalho dela em fiscalizar. Mas é um absurdo querer nos forçar a pagar muito mais por um produto no Brasil, sendo que no exterior os valores são mais acessíveis", reclama. Durante o trâmite de fiscalização de bagagem e pagamento de impostos, ela relata ter levado mais de três horas. “Havia apenas um auditor para fazer todo o processo. E muita gente ainda estava na fila esperando para ser revistado”, conta.


L.M., outro empresário que também não quis se identificar, voltava em abril com a esposa de um voo proveniente de Miami e teve de pagar 2 mil reais em impostos sobre roupinhas de bebê, carrinho e outros acessórios infantis. Este tipo de produto é muito procurado por casais que planejam filhos devido à enorme variedade de produtos existente no exterior – muito mais farta do que a indústria nacional oferece – e os preços imbatíveis.

Os voos provenientes Estados Unidos, aliás, são os mais visados. Há três semanas, mais de 200 passageiros de um voo da TAM proveniente de Miami tiveram de esperar três horas na área de desembarque do Aeroporto Internacional de Manaus para passar pelos trâmites da Polícia Federal e Alfândega. Com apenas um banheiro, uma dezena de cadeiras e sem nenhum tipo de alimentação, famílias com crianças, idosos e adolescentes americanos que iam fazer turismo na Amazônia tiveram de enfrentar o pente fino da Receita. Durante mais de duas horas, apenas um fiscal revistou todas as malas dos passageiros do voo, enviando a uma sala reservada aqueles que, aparentemente, haviam excedido a cota. Roupas e eletrônicos eram os alvos mais visados.

“O fiscal abria a mala até mesmo dos passageiros que estavam desembarcando com apenas uma pequena. Ele também passava um detector de metal móvel em todas as bagagens. Como fui a última a ser revistada, pois não estava me sentindo bem, pude escutá-lo comemorando com outro funcionário. Ele disse: ‘No meu turno não entra muamba’”, afirma a advogada paulista A.C., que também pediu para não ter seu nome citado.

A maior parte dos produtos apreendidos é leiloada pelo Fisco, em geral, para pessoas jurídicas. As sobras dos leilões são doadas a órgãos públicos e entidades beneficentes.

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