Escola: ranking analisou dados sobre a educação nos países. (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 13 de setembro de 2023 às 07h54.
O Brasil está entre os cinco países com menor porcentual de estudantes matriculados na educação profissional, considerando 45 nações analisadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O estudo Education at a Glance divulgado nesta terça-feira, 12, mostra que a taxa de alunos brasileiros nessa modalidade é 11%, bem abaixo da média dos países do grupo: 44%. Além disso, o País registra alto índice de jovens entre 18 e 24 anos que nem estudam e nem trabalham, os chamados "nem-nem": cerca de 24,4% estão nessa situação.
De acordo com o levantamento, considerando a quantidade de estudantes no ensino técnico, o Brasil fica à frente apenas de três países: Índia (9%), Canadá (10%) e África do Sul (10%). As maiores taxas de matrículas na educação profissional estão na Eslovênia (70%) e na Croácia (70%).
O estudo é publicado anualmente pela OCDE para analisar parâmetros como financiamento, acesso à educação, formação de professores, entre outros pontos. A pesquisa fornece dados não só dos países integrantes da organização, mas também de países parceiros, como é o caso do Brasil. A edição de 2023 traz como abordagem principal o acesso à educação profissional nos países analisados.
"Transformações profundas e contínuas estão remodelando a forma como vivemos, aprendemos e trabalhamos. Isso reforça a importância de competências como resolução de problemas, trabalho em equipe e comunicação, que são fundamentais para a empregabilidade e complementam tanto o ambiente acadêmico quanto habilidades práticas. O ensino e a formação profissionais se tornarão cada vez mais importantes para dotar os alunos de uma combinação dessas competências, facilitando a transição da escola para o trabalho", diz o documento.
"Essa ideia muito brasileira de não levar tão a sério o ensino técnico profissional ou fazer com que os institutos técnicos ambicionem virar universidades com todo seu academicismo é parte dos problemas do País de gerar inserção produtiva dos jovens", diz a presidente do Instituto Singulares, Claudia Costin. "Não vamos ter um desenvolvimento inclusivo se não olharmos para a questão do primeiro emprego do jovem, da inclusão produtiva, do jovem que vai para o mundo do trabalho, seja logo depois do ensino médio, enquanto cursa ou depois do ensino superior", completa.
Sob esse prisma, o baixo índice de brasileiros na educação profissional pode ajudar a explicar o alto índice de jovens de 18 a 24 fora da sala de aula e desempregados. A taxa de 24,4% fica entre as seis maiores na lista dos 40 países com dados disponíveis. O porcentual é bem superior aos 14,7% registrados na OCDE.
A nação com maior taxa de pessoas que nem estudam e nem trabalham é a Arábia Saudita (48,8%). No outro extremo, com menor índice aparece a Holanda, com apenas 4,1% das pessoas de 18 a 24 anos desempregadas e sem estudar.
É cenário que não só amplia as desigualdades crônicas no Brasil, como também produz outras graves consequências. O baixo nível educacional da população jovem derruba diretamente os índices de produtividade do País, como destacou o colunista do Estadão Celso Ming, em junho.
Um dado que chama atenção no caso do Brasil é a disparidade de gênero na população nem-nem. As mulheres são substancialmente mais atingidas pelo desemprego e a exclusão escolar:
"As taxas de ‘nem-nem’ entre a população de 18 a 24 anos no Brasil são altas especialmente entre mulheres. Nesse país, 30% das mulheres entre 18 e 24 anos nem estudam e nem trabalham, comparado a 18,8% entre os homens da mesma idade", mostra o estudo.
O índice entre as brasileiras corresponde a mais do que o dobro da taxa de 14% registrada na média da população feminina dos países da OCDE. No caso dos homens, a média da OCDE é 15%.
"É um resultado da sobrecarga nas mulheres de afazeres domésticos e cuidados, especialmente as que têm filhos até 7 anos e são pobres", diz a coordenadora de pesquisa e avaliação do Instituto Unibanco, Raquel Souza. Segundo ela, as políticas públicas precisam considerar essa forte desigualdade de gênero que existe também entre os jovens nem-nem. "Para assegurar o direito dessa população de continuar os estudos e entrar no mercado de trabalho, precisamos de redes de apoio para as mulheres e a creche é uma delas", completa.
No mês passado, o Congresso aprovou uma lei que estabelece novas regras para o ensino técnico brasileiro. A legislação, citada no relatório da OCDE, é vista como uma ferramenta para incentivar a entrada de jovens nessa modalidade. Uma das medidas da nova lei é permitir aos estudantes aproveitarem créditos de disciplinas cursadas durante o ensino médio técnico na educação superior.
A lei determina ainda que seja criado um sistema de avaliação específico para a educação técnica e tecnológica. Outro ponto trazido pelo marco legal é a possibilidade de contabilizar horas trabalhadas em programas de aprendizagem na carga horária escolar e vice-versa. A partir de agora, o governo federal terá dois anos para elaborar uma política nacional de educação profissional.
"Muitas vezes, o ensino técnico é visto como uma opção alternativa para estudantes que têm problemas com a escola ou falta de motivação, em vez de ser uma primeira opção que conduz a carreiras atraentes. É preciso tornar a educação profissional mais atrativa e acessível para enfrentar os desafios do mercado de trabalho e orientar todos os alunos para os programas adequados aos seus talentos e aspirações", argumenta o relatório.
O incentivo à educação profissional foi um dos pilares buscados pela reforma do ensino médio, sancionada em 2017. O modelo prevê que os estudantes façam uma formação geral básica e depois escolham aprofundar os estudos entre cinco áreas disponíveis, os chamados "itinerários formativos": Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Educação Profissional e Tecnológica.
Desde sua aprovação, no entanto, a reforma tem sido alvo de duras críticas por parte de especialistas e estudantes. Um dos principais argumentos é que a configuração aprofundaria desigualdades educacionais existentes no país, já que há pouco controle acerca dos itinerários formativos oferecidos. Diante dos questionamentos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou uma revisão do modelo. A expectativa é que o texto do Projeto de Lei com propostas de modificação na reforma do ensino médio seja finalizado ainda nesta semana.
Um dos consensos em relação às mudanças é a modificação na carga horária, que atualmente tem limite de 800 horas ao longo dos três anos. Segundo o Estadão apurou, a formação geral básica será composta por 2400 horas e a formação específica por 600 horas. A exceção está relacionada ao itinerário formativo ligado à educação técnica e profissional. Neste caso, serão 2,1 mil horas para o conteúdo básico e 900 para a parte específica.