Bolsonaro: desde o início da pandemia, o presidente já fez três exames; sem apresentar o resultado, divulgou que todos deram negativo (Ueslei Marcelino/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 29 de abril de 2020 às 09h28.
Última atualização em 29 de abril de 2020 às 09h31.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto considerou "juridicamente correta" a decisão da Justiça Federal de São Paulo que garantiu ao jornal O Estado de S. Paulo o direito de obter os testes de covid-19 feitos pelo presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação do ex-ministro, o Brasil tem o direito de saber da saúde do presidente.
Na segunda-feira, 27, a juíza Ana Lúcia Petri Betto deu 48 horas para a União fornecer "os laudos de todos os exames" feitos pelo presidente da República para identificar a infecção ou não pelo novo coronavírus. Como só foi notificado nesta terça-feira, o governo tem até o dia 30 para apresentar os laudos.
"O país tem o direito de saber da saúde do seu presidente, até porque se trata de doença transmissível e, ao que se sabe, o presidente não se submeteu a nenhum isolamento físico", afirmou Ayres Britto.
"No momento em que vivemos planetariamente, a matéria não se inscreve no âmbito da intimidade, e nem mesmo da vida privada do presidente. O próprio presidente antecipou o interesse coletivo no resultado do exame a que se submeteu ao tornar pública a realização desse mesmo exame", completou.
Bolsonaro já disse que o resultado dos exames foi negativo, mas se recusa a divulgar os papéis. Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, é "injustificável" Bolsonaro ainda não ter divulgado o resultado dos exames.
"Em especial em uma situação de epidemia, torna-se relevante que o presidente seja transparente e divulgue o resultado oficial do seu exame, a exemplo do que fizeram vários líderes de países democráticos", disse Santa Cruz.
Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, entidade que defende o acesso à informação, o cerne da questão é o interesse público.
"No caso específico de uma figura pública do nível do presidente da República, todas as informações sobre estado de saúde são de interesse público."
Depois da decisão favorável ao jornal, parlamentares passaram a exigir o resultado do exame do presidente. O diagnóstico vai definir o futuro da crise política na pandemia da covid-19, de acordo com parlamentares.
"Eventual teste positivo configuraria mais um crime de responsabilidade do presidente, que afirmou publicamente não estar infectado e também participou de aglomeração durante o período", afirmou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) após a decisão.
"Se ele teve o coronavírus, se expôs tanto à população após ter voltado dos Estados Unidos e mentiu, é um alto crime de responsabilidade com a Nação. Se ele teve a doença, pode ter sido o vetor de transmissão da doença até como portador assintomático", afirmou o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA).
Ao atender ao pedido do jornal, a juíza Ana Lúcia Petri Betto apontou que "no atual momento de pandemia que assola não só Brasil, mas o mundo inteiro, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto aos deveres de informação e transparência". A Advocacia-Geral da União (AGU) já informou que vai recorrer.