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Brasil tem menor número de mortes violentas em 13 anos, mas segue entre os mais letais do mundo

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a boa notícia da queda precisa ser comemorada, mas precisa ser “matizada” pelo crescimento dos desaparecidos

Agência o Globo
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Publicado em 24 de julho de 2025 às 10h02.

Em tendência de queda, o número de mortes violentas intencionais apresentou nova redução, com 44.127 vítimas no Brasil em 2024. É o menor número desde 2012, início das medições.

A taxa por cem mil habitantes, de 20,8, é também a mais baixa, com diminuição de 5,4% em relação ao ano anterior. Apesar disso, o país registrou 81.873 desaparecidos no período — parte deles, possivelmente, assassinados por facções criminosas que enterram em cemitérios clandestinos ou queimam seus desafetos.

Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na manhã desta quinta-feira, 24. Na classificação criada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, responsável pelo levantamento, mortes violentas intencionais são a soma dos casos de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a boa notícia da queda precisa ser comemorada, mas precisa ser “matizada” pelo crescimento dos desaparecidos.

"As duas facções do Sudeste, que inauguraram no Brasil algumas práticas para sumir com os corpos, operam hoje em rede nacional. Quando a gente vê um crescimento de 5% dos desaparecimentos e a queda dos homicídios, é um sinal que esses números podem esconder um outro fenômeno", explica Samira, referindo-se ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao Comando Vermelho (CV).

A letalidade no Brasil, embora em queda, ainda é considerada bastante alta se comparada ao cenário mundial. Em números absolutos, o Brasil é o país com mais homicídios do planeta. Em termos relativos, ocupa a 16ª posição de país mais violento, entre as 103 nações que disponibilizaram dados ao UNODC, o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

A violência letal se manifesta de forma desigual entre as regiões do país, com o Nordeste (33,8 por 100 mil) e o Norte (27,7 por 100 mil) permanecendo como as mais violentas, enquanto as regiões Sul e Sudeste concentram as menores taxas. Os estados com as maiores taxas de mortalidade foram Amapá (45,1), pelo segundo ano consecutivo, Bahia (40,6), Ceará (37,5), Pernambuco (36,2) e Alagoas (35,4).

Só quatro estados tiveram alta na taxa de mortalidade em 2024: Maranhão (12,1%), Ceará (10,9%), São Paulo (7,5%) e Minas Gerais (5%). O Maranhão teve o crescimento impulsionado por aumentos nos homicídios dolosos, latrocínios e nas mortes decorrentes de intervenção policial. Já no Ceará o aumento foi generalizado. Em São Paulo, o salto da letalidade foi puxado pelos latrocínios, pelas lesões corporais seguidas de morte, pelas mortes de policiais e pelas mortes decorrentes de intervenções policiais. Minas Gerais se concentrou nos homicídios dolosos e nas mortes por intervenção policial.

Cidades mais violentas

A mortalidade observada em 2024 é mais localizada em cidades que sofrem com disputas de facções criminosas pelos mercados nacional e internacional de drogas. Em paralelo às mortes provocadas pelo crime organizado, a violência mais acentuada em alguns municípios é explicada também pela resposta das polícias a esse fenômeno. As forças de segurança, em especial a militar, têm reagido de forma mais extrema à criminalidade.

Segundo o Anuário, as mortes decorrentes de intervenção policial, termo técnico para os assassinatos cometidos pela polícia, representavam 8,1% do total de mortes violentas do país em 2017. Já em 2024, essa participação alcançou 14,1% de todas as mortes.

Posição. Município (UF) - Taxa*

  • Maranguape (CE) - 79,9
  • Jequié (BA) - 77,6
  • Juazeiro (BA) - 76,2
  • Camaçari (BA) - 74,8
  • Cabo de Santo Agostinho (PE) - 73,3
  • São Lourenço da Mata (PE) - 73
  • Simões Filho (BA) - 71,4
  • Caucaia (CE) - 68,7
  • Maracanaú (CE) - 68,5
  • Feira de Santana (BA) - 65,2
  • Itapipoca (CE) - 63,8
  • Sobral (CE) - 59,9
  • Sorriso (MT) - 59,7
  • Porto Seguro (BA) - 59,7
  • Marituba (PA) - 58,8
  • Teófilo Otoni (MG) - 58,2
  • Santo Antônio de Jesus (BA) - 57,7
  • Santana (AP) - 54,1
  • Ilhéus (BA) - 54
  • Salvador (BA) - 52

* mortes violentas intencionais por 100 mil hab. em 2024

Todas as dez cidades mais violentas mapeadas pelo anuário ficam no Nordeste — estão distribuídas nos estados da Bahia (5), Ceará (3), e Pernambuco (2). Nos conflitos sangrentos em torno de disputas do crime organizado, prevalecem as vítimas jovens, do sexo masculino, via de regra negros e moradores de áreas periféricas. Se nos estados de Pernambuco e Ceará a participação policial nas mortes violentas é relativamente baixa, a Bahia apresenta altos índices de letalidade pelas forças de segurança.

"Isso traz uma reflexão sobre como a gente tem polícias que produzem muita violência e muitas mortes nessas intervenções. Dos três estados do Nordeste que concentram as dez cidades mais violentas, na Bahia a polícia é parte do problema. Se a polícia implementasse mecanismos de controle do uso da força, possivelmente a Bahia sairia rapidamente do ranking", ressalta Samira.

A cidade mais violenta do Brasil no último ano foi Maranguape (CE), na região metropolitana de Fortaleza. Com cerca de 108 mil habitantes, o município contabilizou 87 mortes, alcançando a taxa de 79,9 por 100 mil habitantes. Assim como outras no Ceará, o território é palco de uma disputa entre duas facções criminosas, a fluminense Comando Vermelho (CV) e o grupo local Guardiões do Estado (GDE).

Jequié, na Bahia, antes em terceiro lugar na lista das cidades mais violentas do país, assumiu o segundo posto, com taxa de 77,6 mortes por 100 mil habitantes. A posição é justificada pela alta letalidade policial. Das 131 mortes violentas registradas no último ano, 44 foram provocadas pelas polícias. Ou seja, uma em cada três mortes.

O terceiro lugar é ocupado pelo município de Juazeiro, também na Bahia, com taxa de 76,2 por 100 mil. A cerca de 500 quilômetros km de distância da capital e com 250 mil habitantes, a cidade reflete a interiorização da violência que tomou o Brasil, em grande medida pela expansão de grupos criminosos. Na cidade, segundo o anuário, atuam ao menos duas facções que operam o narcotráfico: o Bonde dos Malucos (BDM) e uma dissidência dele, intitulada Honda 34.

Razões para a queda

As causas para a redução da letalidade no Brasil são múltiplas, e relativamente conhecidas. A primeira hipótese, já amplamente documentada, é a mudança da estrutura demográfica da população brasileira. Entre 2004 e 2020, o Brasil registrou uma diminuição do número de adolescentes e jovens de 10 a 19 anos e uma estabilidade daqueles entre 20 a 29 anos, grupos com risco elevado de mortalidade por homicídio.

A segunda explicação, de acordo com Samira, diz respeito às políticas estaduais de prevenção à violência, com foco nos modelos de integração policial. Diversos estados brasileiros adotaram, entre 2000 e 2010, programas de redução de homicídios em territórios mais críticos, que buscaram integrar ações policiais e medidas de caráter preventivo. Além disso, houve investimentos significativos na modernização da gestão das polícias e a adoção de novas tecnologias e sistemas de inteligência.

Por fim, a trégua do crime organizado ligado ao narcotráfico, em especial no Norte e no Nordeste, é outro fator que elucida a queda nacional. Entre 2016 e 2017, o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho travaram uma guerra sem precedentes, que resultou numa explosão de mortes alastradas por todos os estados. Um armistício não declarado entre esses grupos ajudou, poseriormente, a apaziguar os conflitos e conter os assassinatos.

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