Incêndio florestal no bioma amazônico: desmatamento ilegal e clima seco contribuem para alta. (Mario Tama / Equipe/Getty Images)
AFP
Publicado em 29 de agosto de 2019 às 17h03.
Última atualização em 29 de agosto de 2019 às 17h35.
O Brasil proibiu as queimadas em campos e florestas por dois meses para tentar acabar com os incêndios na Amazônia, uma medida recebida com ceticismo diante da magnitude de um fenômeno que provocou uma crise ambiental e diplomática.
O decreto, válido por dois meses a partir desta quinta-feira, foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, questionado por seu apoio à expansão das atividades agrícolas e de mineração em territórios indígenas e áreas protegidas da maior floresta tropical do planeta.
A questão causa preocupação internacional e no governo, que teme por sua soberania sobre um território de 5,5 milhões de km2. A controvérsia foi exacerbada depois que o presidente francês, Emmanuel Macron, evocou a possibilidade de um "status internacional" para a região, essencial para o equilíbrio dos regimes de chuva e retenção de carbono.
O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, levantou a possibilidade de organizar uma reunião específica à margem da Assembleia Geral da ONU em setembro sobre a Amazônia, onde "a situação é obviamente muito séria".
O governo brasileiro, que mobilizou mais de 3.900 militares e brigadas, centenas de veículos e 18 aeronaves, disse na quarta-feira à noite que os focos de incêndio estavam diminuindo, sem fornecer números.
Dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que de terça a quarta-feira houve 1.628 novos focos, totalizando 84.957 desde janeiro, mais da metade deles (51,8%) na floresta amazônica. Esse número marca um aumento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado e é um recorde de incêndios desde 2010.
O país está na estação seca, mas especialistas dizem que o aumento dos incêndios se deve principalmente ao aumento do desmatamento impulsionado pela indústria madeireira e pelas atividades agropecuárias.
"É muito difícil acreditar que [o decreto] tenha um impacto imediato no terreno. Quem queima sem licença não o respeitará", disse Rodrigo Junqueira, porta-voz do Instituto Socioambiental (ISA), uma entidade científica não governamental focada em projetos sociais e ambientais.
Além disso, "a fiscalização não será mobilizada, depois de todo o desmonte do aparato ambiental", acrescentou, em referência às medidas do governo que debilitaram as instituições encarregadas da tarefa.
Em Porto Velho, capital de Rondônia, um dos estados mais afetados pelos incêndios, a fumaça diminuiu nos últimos dias, graças à chuva, apontaram repórteres da AFP.
Mas há dúvidas sobre a possibilidade de encerrar por decreto com um fenômeno vinculado à 'grilagem', a prática da apropriação ilegal de terras públicas.
O procurador do Ministério Público Federal em Rondônia Daniel Azevedo Lobo, integrante da força-tarefa Amazônia, cerca de "70% do desmatamento decorre da atividade de organizações criminosas, não são pessoas que isoladamente estão praticando o desmatamento".
"Nas terras existem pessoas enganadas, pessoas pobres, gente que está à serviço de outras pessoas, que são aquelas que realmente promovem o desmatamento e a grilagem", explica o procurador.
"Em Rondônia e em toda a Amazônia, há grupos organizados, estruturados, voltados à grilagem, que atuam interconectados com grupos de outros lugares. Muitos são madeireiros que atuam onde a terra está sendo grilada. Onde há grilagem tem serrarias", detalha.
Ele observa que "o desmatamento - não é de hoje. Existe um histórico de ocupação do solo na Amazônia, embora tenha se intensificado nos últimos tempos, e o discurso de Bolsonaro não ajuda".
Os países do G7 ofereceram 20 milhões de dólares para os países amazônicos afetados pelos incêndios, mas o Brasil - o maior deles - condicionou a aceitação a uma retratação de Macron por ter dito que Bolsonaro "mentiu" em seus compromissos de preservação ambiental e por ter evocado o "status internacional" para a região.
O cardeal peruano Pedro Barreto, um dos principais impulsionadores do sínodo amazônico do Vaticano, a ser realizado em outubro, disse em Lima que "não se trata mais de retirar ou não retirar palavras", mas de "buscar o bem comum", que está acima de qualquer disputa pessoal".
A crise preocupa as empresas exportadoras brasileiras e dá argumentos aos adversários na Europa do recente acordo de livre comércio assinado entre o Mercosul e a União Europeia.