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Brasil precisa mudar cultura política e isso leva tempo, diz FHC

Para o ex-presidente, uma das medidas a serem tomadas é reduzir a fragmentação dos partidos políticos

FHC: "em política essa é a dificuldade, as pessoas pensam que é um ato e não é, é um processo" (Renato Araujo/Agência Brasil)

FHC: "em política essa é a dificuldade, as pessoas pensam que é um ato e não é, é um processo" (Renato Araujo/Agência Brasil)

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Reuters

Publicado em 5 de maio de 2017 às 14h23.

São Paulo - O sistema político brasileiro vai mal, mostrou a Lava Jato, e precisa ser reformado, mas, mais importante que isso, o que precisa mudar mesmo é a cultura política do país e isso não acontece de uma hora para outra, é um processo que demanda "tempo e exemplaridade", avalia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

"Eu acho que a Lava Jato tem um papel muito importante no Brasil porque destampou a panela, precisava destampar a panela, mas eu não acho que resolva as coisas de imediato, isso é um processo", disse Fernando Henrique em entrevista à Reuters em seu espaçoso escritório na fundação que leva seu nome no centro de São Paulo.

"Em política essa é a dificuldade, as pessoas pensam que é um ato e não é, é um processo. E aqui tem uma coisa mais complicada de mudar que é a chamada cultura política, que não são as leis, as instituições. São as práticas, é a questão do favor, da permissividade, isso é da cultura brasileira, não é político não", continuou.

"Como você muda uma cultura? Com tempo e com exemplaridade, não tem jeito. Práticas precisam ser repetidas, repetidas para ver se pega, se contagia os outros. Como você muda a cultura? Por lei? Não tem como."

Ainda que defenda uma reforma profunda no sistema político, Fernando Henrique sabe que não há tempo para fazer isso valendo já para as eleições de 2018, uma vez que, pela legislação, para serem válidas no pleito, alterações nas regras precisam ser aprovadas pelo Congresso um ano antes.

"Nós estamos em maio, o que passa? O que já está lá (no Congresso)", disse, citando financiamento público de campanha, além da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe as coligações em eleições proporcionais e cria a chamada cláusula de barreira --que estabelece requisitos para que os partidos tenham acesso aos recursos do fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV, entre outros pontos.

Para o ex-presidente, é preciso reduzir a fragmentação dos partidos. Hoje 27 partidos têm parlamentares no Congresso, de um total de 35 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com outros 57 na fila, em formação.

"Quem conseguir ter o certificado de que é partido tem acesso ao fundo partidário, ganha dinheiro", lembrou.

"Legendas que não são partidos (de verdade) sobrevivem basicamente por três razões. Uma: eles podem se organizar, 'eu tenho tantos votos', e vai negociar cargos com o governo; outra é que eles podem ter acesso ao fundo partidário; e a terceira é que vai negociar o tempo de televisão."

O tempo de TV é particularmente importante nas campanhas eleitorais e muitos partidos pequenos acabam participando da coligação de determinado candidato apenas por dispor de alguns segundos para agregar na propaganda eleitoral.

Para Fernando Henrique, o pior é que o grande número de partidos não corresponde à fragmentação da própria sociedade.

Importância da mensagem

Nessa situação, o que vai acabar conquistando o eleitor na eleição do próximo ano é a mensagem do candidato, mais do que qualquer outra coisa.

"Alguns (candidatos) têm sensibilidade e pegam no ar a mensagem que é necessária e dizem essa mensagem. Isso salta partidos, posições de classe, salta tudo e dá resultado", disse, citando como exemplo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixando claro, porém, não compartilhar da visão do norte-americano.

A importância da mensagem é reforçada ainda mais na conjuntura brasileira atual, com os seguidos escândalos de corrupção atingindo políticos de diversos partidos.

"Eles (os eleitores) não têm confiança nos partidos e nos líderes tradicionais, mas eles vão ter que votar e ao votar eles vão escolher entre mensagens. E não vai dar tempo de mudar a estrutura partidária daqui até o ano que vem."

Fernando Henrique admite que pessoas que não tenham se envolvido com política nos últimos tempos, e desse modo estejam fora de escândalos de corrupção, podem se beneficiar, mas diz ser cauteloso sobre isso, citando a força demonstrada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo de cinco ações penais, nas pesquisas eleitorais.

"A tendência é essa, porque na campanha eleitoral o que as pessoas fizeram vai ser cobrado, o adversário vai cobrar, então vai realçar", disse. "É pouco provável que as pessoas atingidas pela corrupção voltem a ter a liderança que tiveram, mas sou muito cuidadoso, porque já vi muitas subidas e descidas."

Ainda assim, Fernando Henrique não vê grandes chances de um "outsider", alguém totalmente fora do meio político, ter sucesso na eleição presidencial do ano que vem.

"O risco há. Agora, os que têm aparecido não são outsiders, não vejo nenhum outsider", disse. "Falam dos magistrados, mas os magistrados, primeiro têm dificuldades legais, têm que se filiar a um partido e isso tem prazo. Segundo, uma coisa é ser magistrado, outra coisa é ser político", acrescentou.

"A sociedade poder ter horror, até com razão, porque os políticos fizeram tudo que não deviam ter feito, mas você vai necessitar de pessoas com competência para falar, para negociar, para combinar os vários conjuntos da sociedade para levar adiante", argumentou. "É difícil um magistrado ter essas qualidades, se tiver ele vira um homem público... Pode acontecer? Pode, mas é pouco provável que um magistrado na campanha galvanize."

Fernando Henrique também vê limitações em um candidato como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que aparece disputando o segundo lugar na última pesquisa Datafolha.

"Embora seja difícil prever, eu acho muito pouco provável que um candidato que se defina como o Bolsonaro se define, como de direita, extrema, tenha enraizamento suficiente no voto para ser competitivo", disse.

"Uma parte (da sociedade) pode até aceitar uma liderança autoritária, que existe um autoritarismo popular, mas não creio que seja uma tendência preponderante aqui", justificou.

Virtude do PSDB

Sobre as chances de seu partido, o PSDB, na disputa à frente, o ex-presidente mostrou otimismo.

"O que sempre se criticou no PSDB foi, eu diria, uma virtude: tem muitos líderes. É o único partido que você pode citar cinco nomes que tenham prestígio nacional", disse.

"É o único partido hoje que tem um nome novo que tem alguma ressonância nacional", acrescentou, referindo-se ao prefeito de São Paulo, João Doria.

"Então, do ponto de vista de expectativas, se você comparar, não está mal. O PMDB está com muita dificuldade para ter um nome, o PT só tem um, e olhe lá", acrescentou, provavelmente referindo-se à possibilidade de Lula não poder disputar a eleição, no caso de ser condenado em segunda instância em algum dos processos que enfrenta.

De qualquer modo, Fernando Henrique faz uma ressalva.

"Enquanto estivermos sob os efeitos da Lava Jato na vida política e partidária é quase impossível prever quem vai sobrar com respeitabilidade pública.. Eu acho que essa é uma incógnita que no decorrer deste ano vai ser resolvida", disse. "Qualquer especulação sobre quem é candidato, quem vai ganhar, feita agora, não é nada. É especulação."

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