Diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, na CPI da Covid (Jefferson Rudy/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 27 de maio de 2021 às 11h01.
Última atualização em 27 de maio de 2021 às 13h36.
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou nesta quinta-feira, 27, à CPI da Covid, que o governo recusou duas ofertas de vacinas com entregas previstas ainda em 2020. O Brasil, segundo ele, "poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação, não fossem os percalços", que envolvem dificuldades na negociação com o governo e demora na regulamentação do uso.
A primeira oferta, feita em 30 de julho de 2020, era de 60 milhões de doses para entrega no último trimestre de 2020. Sem resposta, o Butantan reforçou o ofício em agosto, com a proposta de entrega de 45 milhões de doses em dezembro e 15 milhões em janeiro, e pediu ajuda financeira para o estudo clínico da vacina. Novamente, não teve sucesso. "Todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva", disse Covas.
Em 7 de outubro, o instituto fez uma nova oferta ao Ministério da Saúde, de 100 milhões de doses. Do total, 45 milhões seriam produzidas no Butantan até dezembro de 2020. Outras 15 milhões de doses seriam para o final de fevereiro de 2021 e 40 milhões, até maio deste ano.
Apesar de indícios iniciais de que haveria resposta por parte do Ministério da Saúde, a negociação não avançou, segundo Covas, por dois motivos: o presidente Jair Bolsonaro impediu a compra e ainda não havia regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso emergencial de vacinas no Brasil.
"O Brasil poderia ter sido o primeiro país a começar a vacinação, não fossem os percalços que nós tínhamos que enfrentar durante esse período", disse Covas. "Poderíamos ter iniciado a vacinação antes do que começou? Já tínhamos as doses, estavam disponíveis", acrescentou.
As expectativas eram positivas em 20 de outubro, quando Covas foi convidado pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para uma cerimônia no ministério, onde foi anunciada a vacina do Butantan, com a presença de parlamentares e governadores. "Saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas e achávamos que, de fato, iríamos ter resolvido parte desse problema", contou.
"A partir desse ponto, é notório que houve uma inflexão", disse o diretor do Butantan. Estavam previstas novas conversas no dia seguinte, pela manhã. "Infelizmente essas conversações não prosseguiram, porque houve aí uma manifestação do presidente naquele momento, dizendo que a vacina não seria de fato incorporada", afirmou Covas. "Não haveria o progresso desse processo."
Segundo Covas, a reação do presidente Jair Bolsonaro causou, "sem dúvida nenhuma, uma frustração". Os estudos continuaram, mas com dificuldades orçamentárias, já que o Butantan esperava financiamento do Ministério da Saúde. "O governo do estado de São Paulo veio e deu todo o apoio, e imediatamente outros estados também procuraram o Butantan", disse. Segundo ele, 17 estados fizeram termos de intenção de compra da vacina naquela época.
No começo deste ano, o Butantan tinha 5,5 milhões de doses prontas, estocadas, e 4 milhões de doses em processamento. A vacinação no mundo começou em 8 de janeiro, lembrou Covas. No final de dezembro, o mundo tinha aplicado 4 milhões de doses, enquanto o Butantan estocava, "sem contato com o ministério", ressaltou.
A regulamentação para uso emergencial das vacinas no Brasil saiu em dezembro. "Em outros países, em meados do ano passado já existia essa regulamentação", lembrou o diretor. "Isso também causou um atraso nesse processo. Poderíamos ter começado antes, seguramente, se houvesse agilidade maior de todos esses atores. Se tivéssemos trabalhado em conjunto, o que seria absolutamente normal", disse.
Foi só em 6 de janeiro, depois de dificuldades com outras vacinas, que o governo aceitou fechar contrato com o Butantan. Mas o cronograma já não era o mesmo. A oferta era de 100 milhões de doses, mas "o que tínhamos ofertado lá já não era possível de ser cumprido", disse Covas. A Sinovac, farmacêutica chinesa que produz a vacina, já tinha outros compromissos, e o ambiente internacional era de falta de vacinas, lembrou.
"Era possível o fornecimento de 100 milhões, mas em outro cronograma. Não mais em maio. Em agosto, setembro deste ano", disse Covas. Em 6 de fevereiro, o governo fechou o contrato de 46 milhões de doses. Em 12 de fevereiro, foram solicitadas 54 milhões de doses adicionais. Pouco depois, o ministério mandou solicitação de adicional de 30 milhões.