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Brasil começa 2024 otimista, mas violência e desigualdade seguem preocupando muito

Opinião | Temas como ESG e inteligência artificial também devem atrair muita atenção no país neste ano

Bandeira do Brasil no rio Negro (Leandro Fonseca/Exame)

Bandeira do Brasil no rio Negro (Leandro Fonseca/Exame)

Marcos Calliari
Marcos Calliari

CEO da Ipsos no Brasil

Publicado em 1 de fevereiro de 2024 às 16h38.

Última atualização em 1 de fevereiro de 2024 às 17h17.

O Brasil de 2023, finalmente, parece ter sido o senhor de seu próprio destino. Depois de quase uma década lutando contra adversários inesperados, desde uma recessão histórica, escândalos colossais de corrupção, um impeachment presidencial, uma pandemia mundial e eleições agressivamente polarizadas, o ano foi marcado por uma história de escolhas próprias, escrita por suas próprias mãos – para o bem ou para o mal.

Houve uma inegável melhora no humor e no otimismo dos cidadãos brasileiros: o Índice de Consumidor, monitorado pela Ipsos em 29 países, atingiu seu nível mais alto em dez anos em julho (60,1 p.p.), após uma tendência de alta de quase 14 meses que se beneficiou tanto do aumento dos gastos públicos pré-eleitorais nos últimos meses do governo anterior quanto do otimismo natural imediatamente após a posse do novo governo. Os gastos públicos continuaram a crescer de forma agressiva por meio de um programa de ajuda bastante generoso, mantendo o consumo das famílias em um nível razoável.

Com a economia do país mostrando sinais de impulso positivo no ano, com resultados melhores do que o esperado no PIB, na inflação e no desemprego, não é de surpreender que a percepção de que o país está no caminho certo tenha atingido um recorde em julho (60%), permanecendo alta no primeiro mês de 2024 (53%).

Mas, como os brasileiros aprenderam desde cedo, a situação nunca é estável por muito tempo: os crescentes desequilíbrios fiscais e as ferozes divisões políticas já começaram a lançar sombras sobre esse claro caminho positivo, obscurecendo o futuro.

Mais sentimentos contraditórios

Como acontece com frequência, o Brasil de 2023 viu se intensificarem as tensões em questões sociais, e nos pontos de vista opostos que convivem mal no dia a dia: o contemporâneo e o tradicional, o simples e o luxuoso, o festivo e o agressivo, são polos do mesmo povo que tornam este país tão culturalmente diverso ainda mais complexo. Alguns exemplos:

- O país dos bons e velhos tempos é saudoso para 61%, como mostra a pesquisa Ipsos Global Trends. A tendencia da nostalgia fica clara se analisamos a eleição de um presidente que governou o país em uma época mais positiva, há 20 anos, ou pelas frequentes comemorações do período da ditadura por grupos mais conservadores. Ao mesmo tempo, os brasileiros estão entre os principais usuários de redes sociais no mundo, são altamente dependentes de seus telefones celulares e da tecnologia. A mesma pesquisa mostra que 79% dos entrevistados no Brasil dizem que não poderiam viver sem a Internet, 8 p.p. acima da média global dos 50 países pesquisados.

- Outra pesquisa Ipsos, realizada no Mês do Orgulho LGBTQIAP+ mostra que 15% dos brasileiros se identificam como LGBTQIAP+, a porcentagem mais alta de qualquer país pesquisado. Se olharmos só paras os mais jovens, esse número sobe ainda mais, com 33% da geração Z se autodeclarando parte da comunidade. Ao mesmo tempo, o Brasil segue tendo uma das taxas mais altas de crimes de ódio contra minorias sexuais. De acordo com um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (ABGLT), 273 pessoas LGBTQIAP+ morreram violentamente no Brasil em 2022. Mais da metade das vítimas eram mulheres trans (58,24%).

- Com uma biodiversidade extraordinária, os brasileiros têm muito orgulho da natureza do país e demonstram uma preocupação crescente com a sustentabilidade. As preocupações com as mudanças climáticas, por exemplo, voltaram a atingir o recorde de 17% de menções em janeiro de 2024, como mostra a pesquisa Ipsos What Worries the World. No entanto, a percepção de que estamos caminhando para um desastre se não mudarmos nossos hábitos diminuiu -6 p.p. na última pesquisa de Global Trends, mostrando confusão no que as pessoas sabem sobre a pauta e uma alta suscetibilidade da população a ainda acreditar em notícias falsas.

Novos vilões: desigualdade e criminalidade

Em retrospectiva, esse é o humor do país hoje; um cenário efervescente que pode mudar em um instante, sentimentos mistos de nostalgia e abertura a experimentação do novo.

Se há uma coisa com a qual os brasileiros concordam no momento, é a necessidade de combater a pobreza e a desigualdade. Elas foram, nos últimos dois anos, as principais preocupações dos brasileiros – curiosamente, apareceram entre as três principais preocupações pela primeira vez na pesquisa What Worries the World somente em 2021, em meio a uma pandemia, para nunca mais saírem do top 2 – e seu combate foi a principal proposta de campanha do então candidato Lula em 2022.

A opinião pública endossa a preocupação com esse não tão novo ‘velho inimigo’:

  • 82% dos brasileiros consideram a desigualdade muito ruim para o país, 8 p.p. acima da média global
  • Uma clara materialização de outra tendência, o Ponto de Inflexão do Capitalismo, também observada na Pesquisa de Tendências Globais da Ipsos.
  • O apoio à globalização caiu -13 p.p. em apenas um ano, outro sinal de um problema que precisa de solução.

Outro ponto que que segue bastante latente é a preocupação com crime e violência. Desde a onda de novembro da pesquisa What Worries the World, a apreensão assumiu o topo das maiores preocupações das pessoas no Brasil, com 41% das menções (número que se repete agora em janeiro de 2024). A questão de segurança pública, realmente, tem cada vez mais ganhado as manchetes dos noticiários: os casos noticiados de crimes seguem dominando as manchetes da imprensa brasileira.

Os homicídios cresceram 7% e roubos de celular, 15,7% segundo dados do Instituto de Segurança Pública. As duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, registraram, ao logo do último ano, ondas de violência que escancaram a crise na segurança pública em ambos os estados. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) também divulgou dados coletados no disque denúncia que mostram um aumento de 50% de casos de violência nas escolas em 2023. A pauta segue sendo um dos principais e mais urgentes problemas estruturais do país e deixa claro que este vilão também seguirá desafiando o país no futuro.

O que esperar de 2024?

Em 2024, pautas ligadas a ESG seguirão fortes, não apenas no meio corporativo mas também, cada vez mais, entrando no dia a dia das pessoas. A onda atualizada no fim de 2023 da pesquisa Global Trends mostra que 84% dos brasileiros acreditam que é possível as marcas serem lucrativas e apoiarem boas causas. Já 67% afirmam que, sempre que possível, tentam comprar produtos de marcas socialmente responsáveis, mesmo que isso signifique gastar mais. Em ambas as questões o Brasil aparece acima da média global que é de 80% e 64% respectivamente.

A inteligência artificial é outro tema que tende a permanecer forte este ano. A pesquisa Ipsos Global Views on Artificial Intelligence mostra que para 61% dos brasileiros, esta tecnologia vai promover mudanças profundas nos próximos cinco anos. Um número ainda maior (65%) acha que o uso de IA no cotidiano tornará a vida mais fácil.

Esse é o clima do Brasil hoje, um cenário que pode mudar em um instante, repleto de sentimentos mistos e por vezes contraditórios, desde um apego nostálgico a uma ânsia por viver as tecnologias e o futuro. Para entender o país nestes tempos, é essencial manter o dedo no pulso – e reconhecer as peculiaridades de todos os cantos e tribos desta gigantesca nação continental.

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