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Braga, do Ibmec: Eficácia de reformas é pequena

Para economista, o Tribunal de Contas do Rio não caiu em descrédito completo porque os problemas eram na alta cúpula, sem compactuação com o corpo técnico

BRAGA, DO IBMEC: por questões éticas, Picciani deveria se afastar  /

BRAGA, DO IBMEC: por questões éticas, Picciani deveria se afastar /

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 30 de março de 2017 às 16h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.

As contas do Rio de Janeiro estão afundadas, e não há órgão que as fiscalize. Cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro foram presos por envolvimento em esquemas de corrupção. O Legislativo, que tenta votar reformas para tirar as finanças do buraco, também está comprometido. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, foi conduzido coercitivamente na quarta-feira para prestar depoimento. No executivo, o governador Luiz Fernando Pezão também foi citado em delação premiada – e os servidores públicos têm pedido sua saída em frequentes protestos.

Nesse cenário, que compromete judiciário, legislativo e executivo, há salvação para o Rio? Para entender as alternativas para a administração das finanças, EXAME Hoje conversou com o economista Gilberto Braga, professor do Ibmec e especialista em controladoria e contabilidade.

O presidente e outros conselheiros do TCE foram presos – e o órgão já teve um presidente preso antes. O tribunal perdeu a credibilidade?
O que saiu até agora sugere que os problemas eram na alta cúpula, e que não existia compactuação com o corpo técnico. Provavelmente, com a substituição dos ministros, talvez seja possível restabelecer o funcionamento pleno do Tribunal. Mas É preciso confirmar que era muito é mais o comportamento dos ministros em relação a determinados assuntos de interesse do governo do Estado, e que por trás existia o mecanismo de desvio de recursos em obras públicas. Isso significa dizer que o Tribunal consegue ser técnico e que o corpo de funcionários não estava participando desse tipo de desvio comportamental. É preciso que sejam aprofundadas as investigações. Ainda é muito prematuro dizer que não dá para recuperar a credibilidade do Tribunal. 

Qual é a alternativa para a fiscalização das contas públicas do Rio nesse momento em que a credibilidade do Tribunal está sob suspeita? Existe outra forma?
Não. A melhor maneira de lidar com isso é fazer com que o corpo técnico continue funcionando normalmente. São pessoas que entraram por concurso público, então é bastante provável que seja um corpo funcional extremamente competente, preparado, que não compactuava com eventuais desvios existentes na cúpula.

Os três poderes do Rio de Janeiro estão envolvidos de certa forma em algum escândalo de corrupção, o que torna difícil acreditar que uma reforma para mitigar os problemas será conduzida. É hora de uma intervenção nacional na gestão pública ou ainda não?
Temos que repensar a função do estado dentro da sociedade brasileira. Não há sentido que seja uma questão localizada, é estrutural. É preciso rever as diversas manifestações do estado, a nível municipal, estadual e federal. Se o governo federal também vem sendo alvo de denúncias, uma intervenção no Rio de Janeiro, por essência, não significa o melhor remédio. Temos um sistema ferido, que precisa ser redesenhado. O caso é grave na medida em que mostra que a questão se tornou urgente, não é algo isolado. É uma anomalia sistêmica.

Dá para fazer alguma estimativa de quanto esses esquemas de corrupção influenciaram no rombo das contas públicas do Rio de Janeiro?
Não, mas partindo do pressuposto de que há sobrepreço em várias obras e direcionamento para que licitações fossem ganhas, pode-se dizer que, de todos os investimentos, tem aí de 10 a 15% [destinados para esquemas].

Nesta quarta-feira, o presidente da Alerj, Jorge Picciani, foi conduzido para prestar depoimento, e ele já foi citado em algumas delações premiadas. Com o chefe do Legislativo implicado, dá para conduzir alguma reforma para contornar a crise financeira?
Não. Minimamente, deveria ser feito com ele o que foi feito com o Eduardo Cunha, em Brasília, em que o Supremo tirou as condições para ele permanecer como presidente da Câmara Federal. Por analogia, deveria acontecer a mesma coisa nessa Câmara dos Deputados, mas é preciso que seja oferecida a denúncia. Juridicamente, há opções para ele permanecer no cargo, embora eticamente ele devesse se afastar, já que ele está sendo citado e conduzido coercitivamente. 

Em janeiro, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, assinou um acordo de socorro para o estado com o governo federal, que permite empréstimos de 6,5 bilhões de reais. Em troca, ele se comprometeu a privatizar a Cedae e algumas outras contrapartidas. Esse tipo de negociação faz sentido para as contas? Essa é a saída?
A conta fecha no papel, na matemática. É a saída que politicamente o governador consegue pegar nesse momento. Não é a ideal, mas é a via possível com o menor estrago.

Qual seria o cenário ideal?
Os cenários passam por uma rediscussão dos royalties do petróleo. Há uma queda nos preços do barril, então, a riqueza toda que se imaginava que o Rio teria não vai se confirmar. Há hoje um potencial de arrecadação 50% inferior ao que o estado estimava, e ainda teve crescimento das despesas públicas e a crise. É um estado com limitadas vocações econômicas, dentro daquilo que é iniciativa do governo do estado. Parque industrial pequeno proporcionalmente, é um estado que importa 80% de tudo que come e que tem um interior sem vocação econômica definida, dado o crescimento das áreas de lazer, de sítios, sobretudo nas áreas mais próximas da capital e de praia. Até mesmo a região do Vale do Paraíba que foi grande produtora de café, não existe mais. Há desenvolvimento de agricultura no interior, mas nada que dê pujança. O governo hoje é fortemente dependente do petróleo e das indústrias do cinturão do Grande Rio de Janeiro. É muito difícil imaginar uma saída macroeconômica para o estado que não passe por um reposicionamento na repartição de royalties. As medidas que estão sendo discutidas são medidas de curto prazo, para resolver uma questão de capital de giro, botar a folha de pagamento em ordem, pagar fornecedor, mas não resolvem. 

Os servidores públicos têm protestado contra a falta de pagamento e as medidas de austeridade que vem sendo apresentadas pelo governo para tentar salvar as contas. Fazer a população pagar pelo rombo nas finanças é correto do ponto de vista econômico? Ainda mais tendo em vista essa dívida que o estado comprou muito por conta de má gestão?
O estado, dentro dos instrumentos de manejo, não tem muitas alternativas a não ser as que ele está usando. É lógico que a gente pode discutir a combinação de medidas, mas o governo já impôs aumento de carga tributária, de INSS, talvez mexa nos impostos de transmissão, e ainda mais. Dentro do que é potencialmente possível, dentro do que a lei permite, o estado vem fazendo isso. Só que, com o estado em crise e a economia parada, com o servidor sem receber salário e se tornando um consumidor que não consegue gastar, a eficácia disso tudo é muito pequena.

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