MARCOS BOULOS: "O atendimento não pode ser de maneira aleatória, mas sim por probabilidade epidemiológica" (Cecília Bastos/USP/Divulgação)
Thiago Lavado
Publicado em 2 de fevereiro de 2018 às 15h47.
Última atualização em 2 de fevereiro de 2018 às 19h08.
A febre amarela é o grande tema deste verão, e é inegável que tem gerado certo pânico entre a população. Longas filas para vacinação, com denúncias de pessoas comprando a vez, agressões e ataques fatais a macacos e mortes provocadas pela doença ou mesmo pela própria vacina tomaram conta do noticiário. O medo tem trazido consequências reais e preocupa autoridades. Para o médico infectologista Marcos Boulos, coordenador do Controle de Doenças da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, a situação divulgada como sendo muito pior do que realmente é. Para ele, a doença está sob controle e o poder público detém as ferramentas necessárias para lidar com os casos atuais. Em entrevista a EXAME, o médico afirmou que é necessário estimar quais áreas mais precisam de vacinação e investir em vacinas melhores, com menos efeitos colaterais.
Segundo as estimativas mais recentes do ministério da Saúde, já são 213 casos confirmados da doença, com 81 mortes desde julho do ano passado. O número, porém, é bem menor do que o registrado no mesmo período entre 2016 e 2017. Por que toda a euforia atual em torno da doença se a incidência diminuiu?
A febre amarela acabou entrando em São Paulo este ano e houve uma grande divulgação dos casos. No ano passado, o estado de Minas Gerais teve centenas e centenas de casos, bem mais do que São Paulo está tendo agora. Hoje, Minas Gerais tem menos casos do que teve no ano passado e houve uma melhora no cenário nacional.
A vacina da febre amarela é produzida no Brasil desde 1937. O remédio é o mesmo desde então? Sofreu alguma alteração? Pode-se dizer que houve falta de incentivo nesses quase 80 anos para o desenvolvimento de uma vacina que fosse mais abrangente e com menos efeitos colaterais?
Isso é verdade. Não tem incentivos mesmo. O mundo não investiga a vacina de febre amarela porque ela não dá dinheiro. É uma doença que acomete populações pobres em países tropicais e isso fez com que o investimento em novas metodologias e novas vacinas não acontecesse. Esse é o grande motivo de termos uma vacina que protege muito, mas tem que muitos efeitos colaterais. Nunca aconteceu de termos um investimento importante nessa área. Nós estamos precisando de novas vacinas e de maiores investimentos.
Produzimos uma grande quantidade de vacinas todos os anos. Por que não conseguimos imunizar a população de forma mais ampla? Há algum problema de política pública nessa relação?
Nós não vacinamos as pessoas de maneira mais ampla por causa dos grandes efeitos colaterais da vacina. Se formos vacinar pessoas que não têm risco de adquirir a doença, estaríamos expondo as pessoas ao risco dos efeitos colaterais e não à proteção da vacina. Por isso, a vacinação deve ser feita com cuidado, não de forma aleatória, procurando identificar as pessoas que tem risco real de contrair a doença.
O atual modelo de vacinação em São Paulo por emissão de senhas para pessoas que moram perto de áreas de risco é o ideal?
A distribuição de senhas foi uma decisão do município feita pela secretaria de Saúde do município de São Paulo. Eu não creio que isso vá resolver o problema ou que isso ajuda muito, mas, em todo caso, é como se escolheu fazer. É preciso ter outras abordagens. E quem define as ações tomadas pelos postos de saúde não é o estado, mas os municípios. Cada município tem autonomia para definir como eles querem fazer. Ao estado, cabe apenas distribuir vacinas segundo as prioridades.
Que tipo de abordagem pode ser adotada?
Nós precisamos atender às pessoas que vivem em regiões onde a doença é uma ameaça. O atendimento não pode acontecer de maneira aleatória, mas por probabilidade epidemiológica. Começa-se vacinando pessoas com maior risco e passa-se para pessoas com menor risco, até chegar a todos. Onde nós sabemos que a incidência do vírus é maior, as pessoas precisam ser vacinadas primeiro. Em seguida, nas regiões de mata, que ainda não foram atingidas. E aqueles que não têm risco nenhum, porque vivem em centros urbanos, são vacinados no fim. E só serão vacinados porque podem ir para essas regiões de mata e têm o risco de contrair a doença.
O Estado ampliou a força tarefa e os esforços em torno de vacinação? Muitas pessoas nas filas reclamavam que os expedientes dos postos e hospitais eram os mesmos, sem a contratação de funcionários temporários para suprir o aumento da demanda…
Não deveria existir um aumento da demanda. A demanda foi gerada por um desespero da população, estimulada por vários motivos, inclusive por uma divulgação inadequada em cima de mortes e riscos. Isso fez com que as pessoas fossem para as filas e sobrecarregassem o sistema. As pessoas não deveriam estar nas filas. Não deveria ter vacinas para as pessoas que não precisam de vacinação, pois elas estão tirando a oportunidade de outras pessoas que precisam de proteção.
Pode-se esperar que o quadro epidemiológico se agrave no país antes de o outono chegar?
Febre amarela é uma doença de verão. O mosquito vive mais quando há muita chuva e muito calor. Eu diria que nós estamos no auge, já tendendo a diminuir a transmissão no estado de São Paulo.
Estamos preparados para um eventual cenário de piora com mais casos da doença?
Nós estamos fazendo o acompanhamento desde o surgimento do primeiro caso, há 20 meses. Estamos no campo trabalhando. Já fizemos cinco transplantes hepáticos para os pacientes mais graves. Está indo tudo muito bem e eu não creio numa piora da situação. O que pode acontecer é um prolongamento, mas uma piora não deve acontecer. E, se piorar, a estrutura do estado está preparada para isso.