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Bolsonaro tenta colocar população contra índios em Roraima, diz procurador

Para a autoridade, a ação do presidente é uma forma de gerar pressão para liberar obras de uma linha de transmissão que cruzaria terras dos nativos

Jair Bolsonaro: presidente havia dito que o governo é vítima de "achaque" de ONGs e indígenas em meio à tentativa de obter licença ambiental de instalação para o empreendimento (Alan Santos/PR/Flickr)

Jair Bolsonaro: presidente havia dito que o governo é vítima de "achaque" de ONGs e indígenas em meio à tentativa de obter licença ambiental de instalação para o empreendimento (Alan Santos/PR/Flickr)

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Reuters

Publicado em 21 de janeiro de 2020 às 18h43.

São Paulo — O presidente Jair Bolsonaro tenta jogar a população contra índios da tribo Waimiri Atroari como forma de gerar pressão pela liberação das obras de uma importante linha de transmissão em Roraima que cruzaria terras dos nativos, disse à Reuters um procurador do MPF-AM, enquanto uma ONG classificou declarações do presidente de "irresponsáveis".

As afirmações seguem-se a declarações de Bolsonaro, que na semana passada disse a jornalistas que o governo estaria sendo vítima de "achaque" de organizações não-governamentais e indígenas em meio à tentativa de obter licença ambiental de instalação para o empreendimento, que permitiria o início da construção.

O linhão de energia em Roraima é visto como essencial para livrar o Estado da dependência de caras e poluentes usinas térmicas e de importações da Venezuela, suspensas há mais de um ano em meio à deterioração da crise econômica do país vizinho. A obra, se realizada, ligaria o Estado ao sistema integrado nacional.

Licitado ainda em 2011 e arrematado pela Transnorte, associação da privada Alupar com a estatal Eletronorte, da Eletrobras , o projeto de transmissão enfrenta dificuldade para avançar devido à necessidade de construção de 122km em linhas nas terras dos Waimiri Atroari.

Atualmente, a autorização para a obra aguarda conclusão do chamado "componente indígena" do processo de licenciamento, a cargo da Fundação Nacional do Índio (Funai), o que passa por consultas aos índios sobre o projeto.

"A gente não consegue fazer o Linhão de Tucuruí, não consegue fazer porque (há) achaque de ONG, índio que quer dinheiro, tudo contra e está lá o povo de Roraima sofrendo", disse Bolsonaro na quinta-feira passada, ao falar com repórteres em frente ao Palácio da Alvorada.

O procurador Julio Araujo, do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM), que acompanha a saga do linhão há tempos, disse à Reuters que as declarações do presidente destoam das medidas práticas da Funai, que segundo ele tem apoiado até o momento a consulta prévia aos índios sobre o projeto.

"Isso não corresponde à realidade. Parece ser um mero exercício de jogar a população de Roraima contra os índios. É uma fala perigosa e ruim, porque estimula o conflito", afirmou.

"É uma tentativa de indicar para a plateia uma coisa em que os próprios órgãos de governo estão agindo em sentido contrário. Em que pesem algumas divergências nossas com esses órgãos, o diálogo não se dá nesse nível, então é um pouco preocupante."

O procurador ressaltou que a Funai esteve no final de 2019 na terra dos índios para apresentar a eles o projeto do linhão e disse que o MPF recomendou que alguns documentos do processo sejam traduzidos para o idioma dos nativos, de forma a caracterizar a consulta a eles. Também foram pedidas informações sobre a futura localização das torres de energia dentro da área indígena.

Procurada, a Funai não respondeu a pedidos de comentário sobre a atual situação do licenciamento ambiental.

Sem licença?

O governo Bolsonaro colocou o linhão de energia em Roraima como uma de suas prioridades, ao definir no final de fevereiro do ano passado o empreendimento como "de interesse nacional", em uma manobra que, segundo alguns especialistas, poderia dispensar a necessidade de aval prévio dos índios para a obra.

Até o momento, o governo não tem dado sinais de que irá por esse caminho, mas as falas de Bolsonaro acendem um sinal de alerta, segundo o procurador do MPF-AM.

"Nossa preocupação é que a licença seja emitida sem se esperar o procedimento de consulta... que a fala tente encaminhar qualquer cenário para levar esse trabalho à margem da legalidade, ou nessa lógica de excepcionalidade", acrescentou.

"Mas essa excepcionalidade não está justificada, porque os índios têm tido total cooperação e diálogo."

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, também mostrou preocupação com as falas de Bolsonaro, que qualificou como "irresponsáveis e preconceituosas", e com a condução do licenciamento do projeto em Roraima.

"Desde março de 2019 o governo tenta impor este processo à revelia de suas obrigações constitucionais e da legislação... Estas últimas declarações são prova disso. O que o povo Waimiri Atroari está exigindo, e assim o confirmou em documento entregue no Ministério da Justiça, é que se respeite seu direito à consulta prévia, livre e informada", disse à Reuters o coordenador regional do Cimi, Luis Ventura.

O Palácio do Planalto não respondeu de imediato a pedido de comentário. Procuradas, Alupar e Eletronorte não se manifestaram sobre o linhão e as negociações com os indígenas.

Questionado sobre eventual negociação com os nativos que envolva compensações financeiras pelo linhão, o procurador Julio Araujo disse que essa etapa das conversas ainda não teve início, embora tenha ressaltado que não pode falar pelos índios. Não foi possível falar com índios ou representantes dos Waimiri Atroari.

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