Lira e Bolsonaro: esquema foi criado no governo Bolsonaro e repassou ao relator do orçamento a decisão sobre qual deputado ou senador poderia decidir o que fazer com bilhões do orçamento da União (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
Estadão Conteúdo
Publicado em 1 de dezembro de 2022 às 10h52.
Última atualização em 1 de dezembro de 2022 às 11h04.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) mandou suspender o pagamento das emendas do orçamento secreto após seus aliados no Congresso fecharem alianças com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A ordem no Palácio do Planalto é não pagar mais nada neste ano. Na prática, a medida deixa o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sem capacidade de honrar os acordos feitos para bancar sua reeleição ao comando da Casa. Além empurrar para Lula o ônus de ter de manter o esquema de toma lá, dá cá que condenou na campanha se quiser o apoio do Congresso para aprovar suas propostas.
A canetada de Bolsonaro ocorre um dia depois de o PT se aproximar de Lira anunciando apoio à sua recondução no comando da Câmara. O partido do presidente eleito também deve apoiar a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado. Os dois foram eleitos para o comando das Casas legislativas com o apoio de Bolsonaro e operam a distribuição do orçamento secreto.
Revelado pelo Estadão, o esquema foi criado no governo Bolsonaro e repassou ao relator do orçamento a decisão sobre qual deputado ou senador poderia decidir o que fazer com bilhões do orçamento da União (dinheiro dos impostos). Até mesmo pessoas sem mandato foram contempladas. O relator do orçamento é indicado pelos presidentes da Câmara e do Senado, que, na prática, coloca na mão de três políticos a operação do dinheiro público. Só recebe quem votar de acordo com eles. E, como revelou o jornal, recursos foram distribuídos sem critérios técnicos e abasteceram prefeituras de aliados que compraram de tratores a caminhões de lixo sem necessidade e a preços superfaturados.
Dos R$ 16,5 bilhões reservados para o orçamento secreto neste ano, R$ 7,8 bilhões não foram liberados e estão bloqueados pelo governo federal. Líderes do Congresso agiam para destravar os recursos e pressionavam o Palácio do Planalto, mas foram pegos de surpresa por dois atos assinados por Bolsonaro nesta quarta-feira, 30, aos quais o Estadão teve acesso.
O presidente mandou suspender o pagamento do orçamento secreto com o argumento que faltam recursos para outras áreas com os sucessivos bloqueios que o governo precisou fazer para cumprir o teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.
Bolsonaro assinou duas medidas nesta quarta-feira, 30, para efetivar a decisão. Primeiro, enviou uma proposta ao Congresso para secar a fonte do orçamento secreto ao remanejar as verbas para outras áreas. Depois, editou um decreto autorizando a equipe do governo a fazer os cancelamentos em uma área e acrescentar em outra.
O projeto de lei tira os recursos do orçamento secreto e coloca a verba em despesas obrigatórias, entre elas o pagamento do salário de servidores públicos. Essa proposta depende de aprovação do Congresso e deixaria os parlamentares sem as emendas. O governo não divulgou os valores da movimentação, mas pode "secar" toda a fonte das emendas.
O Congresso quer agora usar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição apresentada pela equipe de Lula para liberar recursos do Orçamento neste ano e forçar o governo Bolsonaro a bancar o orçamento secreto no fechamento do ano. As verbas são tratadas como prioritárias para abastecer as campanhas de Lira e Pacheco no comando do Legislativo. Além disso, o Centrão articula alterar a PEC para incluir uma regra que tornam as emendas secretas impositivas, o que obrigaria o Executivo a fazer os pagamentos e blindaria os repasses de cortes.
O controle do orçamento secreto garantiu a Arthur Lira apoio para se reeleger ao comando da Câmara no biênio 2023-2024. Ele conseguiu o apoio de dez partidos políticos, algo inédito na disputa por essa cadeira, das mais variadas correntes do Congresso. A defesa da manutenção do orçamento secreto é a principal plataforma de campanha de Lira para seguir no cargo. Nos dois anos de orçamento secreto, o Congresso pode decidir o destino de R$ 33 bilhões.
Na campanha, Lula condenou a prática que classificou de "usurpação do poder" e prometeu revê-la. A candidata do MDB, Simone Tebet, que se aliou ao petista disse na ocasião que o orçamento secreto é "o maior processo de institucionalização da corrupção no Brasil". Após a eleição, Lula não comentou mais sobre o esquema e os petistas aceitaram apoiar Lira que tem o orçamento secreto como sua principal promessa.