Jair Bolsonaro: recentemente, o presidente chegou a utilizar a Lei de Direitos Autoriais para colocar sob sigilo todos os relatórios de monitoramento das redes sociais do Planalto (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de março de 2020 às 08h29.
Última atualização em 24 de março de 2020 às 15h03.
O presidente Jair Bolsonaro editou na noite da segunda-feira, 23, uma Medida Provisória que prevê a suspensão do atendimento de pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) a todos os órgãos e entidades da administração pública cujos servidores estão sujeitos a regime de quarentena ou home office.
A medida, por outro lado, prioriza as solicitações que tratem de medidas de enfrentamento de emergência de saúde pública.
Pela LAI, todo órgão público deve responder em até 20 dias todo e qualquer pedido feito por um cidadão envolvendo dados, documentos ou informações públicas. O prazo pode ser estendido por mais dez dias corridos.
Com a MP, o prazo de atendimento fica suspenso caso o órgão tenha colocado servidores para trabalhar de casa, exija a presença física do servidor responsável pela resposta ou dependa de agente público "prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da situação de emergência".
A medida foi criticada por especialistas e jornalistas por não deixar claro o que entra no critério de enfrentamento da questão de saúde e por reduzir a transparência do governo.
"Se pretender melhorar a transparência da epidemia, porque nenhum disposição sobre transparência ativa de dados abertos? Sabemos que essa é a boa prática dos países que têm combatido a epidemia com mais sucesso", escreveu Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, no Twitter.
A suspensão valeria até o fim do estado de calamidade pública, decretado na última sexta-feira, 20, com prazo para vigorar até o fim do ano. Depois disso, o órgão deverá responder normalmente em até dez dias.
O governo também coloca em lei que todos os pedidos negados sob essa justificativa não terão recursos reconhecidos.
Anteriormente, todo pedido negado ou com justificativa insuficiente ou incorreta tinha direito a recorrer em até duas instâncias dentro do órgão enviado.
Se mesmo assim o recurso não foi deferido, o cidadão poderia enviar o caso para análise da Controladoria-Geral da União (CGU) e, por fim, à Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).
A MP também suspende prazos processuais em desfavor de acusados e entes privados processados em processos administrativos e a aplicação de sanções.
A medida também impede a solicitação de pedidos de LAI pessoalmente, tornando o acesso exclusivamente pela internet. Uma MP enviada pelo governo entra em vigor imediatamente, mas tem até 120 dias para ser votada pelo Congresso, ao contrário perde a validade.
A Lei de Acesso à Informação prevê recursos a todos os pedidos rejeitados ou com respostas insuficientes.
Os apelos podem ser avaliados em duas instâncias dentro do órgão que respondeu o pedido, por secretarias superiores. Em caso de nova negativa, pode ser levado para a CGU e a Comissão Mista de Reavaliação de Informações.
No início do mandato, no ano passado, o vice-presidente Hamilton Mourão assinou um decreto que alterava as regras da LAI e ampliava o número de servidores autorizados a impor sigilo a documentos públicos.
A medida, que foi suspensa posteriormente pela Câmara dos Deputados, foi amplamente criticada por reduzir a transparência dos dados públicos.
Em outro caso, recentemente, em análise a um recurso do jornal O Estado de S, Paulo, o governo Jair Bolsonaro chegou a utilizar a Lei de Direitos Autoriais para colocar sob sigilo todos os relatórios de monitoramento das redes sociais do Planalto. O caso aguarda novo apelo na CMRI.
Segundo especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, a medida não encontra respaldo legal e viola as prerrogativas previstas na Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em abril, o jornal O Estado de S. Paulo obteve acesso a um dos relatórios sob sigilo, que apontam as repercussões de atos do Planalto e falas de aliados e adversários.
À época, o documento mostrava que o Planalto dividia usuários das redes entre aqueles de "viés de esquerda" e "apoiadores", destacando ataques e respostas a atos do governo com potencial de viralização.