Brasil

Bolsonaro e Haddad erram dados sobre segurança pública

Candidatos à Presidência exageraram a maior parte das informações nas quatro frases checadas, extraídas de entrevistas feitas depois do primeiro turno

Os candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), que têm propostas diferentes para combater a criminalidade (Montagem/Reprodução)

Os candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), que têm propostas diferentes para combater a criminalidade (Montagem/Reprodução)

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Clara Cerioni

Publicado em 27 de outubro de 2018 às 19h00.

Última atualização em 27 de outubro de 2018 às 19h00.

São Paulo - A promessa de melhorias na área de segurança pública tem mobilizado os candidatos no segundo turno da disputa presidencial.

Em seu plano de governo, Jair Bolsonaro (PSL) defende aumentar o encarceramento – com a redução da maioridade penal e a eliminação da progressão das penas –, equipar melhor as polícias e armar a população, entre outras medidas.

Já o programa de Fernando Haddad (PT) propõe, por exemplo, um Plano Nacional de Redução de Homicídios, o aumento do controle das armas e a articulação entre as forças de segurança por meio de um Sistema Único de Segurança Pública.

O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – analisou quatro frases citadas pelos dois presidenciáveis em entrevistas depois do primeiro turno. Bolsonaro usou uma informação falsa quando disse que um policial precisa esperar o bandido atirar para reagir e exagerou ao citar a lei de três crimes adotada em alguns lugares dos Estados Unidos.

Haddad exagerou tanto o número de mandados de prisão expedidos e não cumpridos como o preço médio de um preso no Brasil. As assessorias de imprensa dos dois candidatos foram comunicadas sobre os selos, mas não enviaram contestação no prazo determinado.

Jair Bolsonaro (PSL)

“Um policial hoje precisa esperar o bandido atirar para reagir”, disse Bolsonaro em entrevista ao SBT.

Bolsonaro defende que policiais não devem ser processados por matar ou ferir pessoas em serviço. Em seu plano de governo, o candidato defende que “policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica”.

Em defesa dessa propostas, o presidenciável criticou a situação atual das operações policiais. Segundo ele, o policial hoje precisa esperar o bandido atirar para reagir. Isso não é verdade.

A legislação brasileira isenta de punição todos os cidadãos, incluindo policiais, que cometerem atos tipificados como crimes em caso de estado de necessidade, legítima defesa ou em cumprimento de dever legal. Isso é o chamado excludente de ilicitude, estabelecido pelo artigo 23 do Código Penal e que o candidato pretende ampliar.

Dessa forma, se um policial mata um suspeito em serviço, ele vai responder a um processo judicial, mas pode recorrer ao excludente de ilicitude para não ter que cumprir pena pelo crime. Caso a justiça avalie que a ação foi feita em legítima defesa ou em cumprimento de dever legal, ele ficará isento de punição. Caso contrário, deverá responder pelo crime cometido.

Bolsonaro propõe que o policial não tenha que ser processado caso mate alguém no exercício de sua função e seja isento de punição sem que suas ações sejam julgadas.

Hoje, quando um crime é cometido em resposta a uma ameaça à vida do policial ou de outras pessoas, a situação é caracterizada como legítima defesa pela Justiça e se enquadra no excludente de ilicitude.

De acordo com o artigo 25 do Código Penal, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

“O que a lei diz é que matar alguém é um crime, mas existem situações que isso pode acontecer. Você, policial ou não, pode retribuir a injusta agressão com a mesma medida, meios proporcionais, mas se a pessoa está armada o policial não precisa esperar levar um tiro ou que alguém leve um tiro para atirar”, explica Felippe Angeli, advogado e assessor do Instituto Sou da Paz.

O uso da força por parte de policiais, portanto, deve ser moderado e apenas para situações de combate a outra violência de mesmo grau. Isso é ensinado no próprio treinamento de algumas polícias.

Em São Paulo, é aplicado o Método Giraldi, técnica que diz que “a arma de fogo só pode ser disparada em situações em que se torne necessário e indispensável; uma medida extrema; o último recurso”.

O disparo, de acordo com o método, deve ter como finalidade fazer cessar a ação de morte contra a vítima. Mas isso pode ocorrer com o primeiro tiro vindo do suspeito ou com a simples ameaça sem disparo.

Além disso, o policial pode reagir de outras maneiras além do disparo da arma de fogo. Nos treinamentos, os policiais são ensinados a respeito de técnicas de imobilização, que podem ser usadas sem caracterizar crime mesmo antes do suspeito atirar.

Angeli ainda ressalta que “ao Estado não compete aumentar a agressão, mas cessar a violência”. Para ele, a proposta de Bolsonaro pode dar legitimidade a situações de uso desproporcional de violência, como o caso de policiais que confundiram guarda-chuva com fuzil e mataram um homem que portava o objeto.

“O excludente de ilicitude precisa ser julgado e analisado caso a caso. Deve ser feita uma análise jurídica de equivalência de risco”, afirma.

Assim, não é verdade que policiais só podem reagir depois que o “bandido” atirar. Eles devem usar a arma como último recurso e reagir em proporção à ameaça combatida, mas isso pode ser antes do primeiro tiro.

“Vários estados americanos têm a lei dos crimes. O elemento furtou um celular, roubou a bicicleta e bateu a carteira, 25 anos de cadeia sem proporção", disse em entrevista ao programa Pânico na Jovem Pan.

Conhecido por defender medidas mais rígidas contra criminosos, Bolsonaro propôs a implementação da chamada “lei dos três crimes” no Brasil. De acordo com ele, a lei existente em alguns lugares dos Estados Unidos dá uma pena de 25 anos sem possibilidade de redução de pena ou condicional para indivíduos que cometam três crimes quaisquer, como furtos pequenos.

A Lei dos Três Crimes (Three Strikes Law), ou lei para criminosos recorrentes (Habitual Offender Law) de fato existe nos Estados Unidos, e é aplicada por 27 dos 50 estados americanos. No entanto, a legislação só é válida para crimes considerados graves ou violentos, o que não inclui furtos em nenhum dos casos. Roubos sem uso da violência também não considerados.

Durante a entrevista, Bolsonaro defendeu ainda que, se “o cara cometeu três crimes”, deveria ter pena de “10 anos de cadeia”, sem diferenciar crime grave daqueles sem uso da violência. Por isso, a afirmação foi considerada exagerada.

Há diferenças sutis entre as legislações para criminosos recorrentes nos estados americanos, pois cada um tem um código penal diferente. As leis diferem no tempo de reclusão para os condenados e no número de delitos cometidos para a aplicação da pena.

No entanto, em todos os estados a lei é direcionada a indivíduos que cometeram um ou mais crimes graves ou violentos, qualificados pela legislação de cada estado, ou crimes mais leves cometidos mais de quatro vezes, em alguns poucos casos, como aponta estudo realizado pela organização Instituto Política de Justiça (Justice Policy Institute).

O furto acontece quando não há contato físico com a vítima, ao contrário do roubo, onde há este contato. Uma sequência de furtos não poderia ser caracterizados dentro da lei dos três crimes em nenhum dos estados mencionados no estudo.

Por outro lado, uma sequência de assaltos já se enquadraria. Em apenas dois estados uma sequência envolvendo pelo menos um assalto ou outro crime considerado violento poderia ser enquadrado na lei: Califórnia e Colorado.

A Califórnia é um dos estados que possuem a lei dos três crimes. A legislação foi implementada em 1994 para agravar a pena de pessoas que cometeram crime grave ou violento ao menos uma vez e depois se envolveram com qualquer outro ato ilegal. A punição para esses indivíduos vai de 25 anos de reclusão a prisão perpétua, sem possibilidade de redução de pena ou condicional.

Segundo o Código Penal do estado, são caracterizados crimes dessa natureza: assalto, roubo a residência, assassinato, crimes sexuais, delitos envolvendo vítimas com ferimentos graves, crimes envolvendo armas ou explosivos ou tentativas de cometer qualquer uma dessas infrações.

Já no Arizona a lei dos três crimes só pode ser aplicada para pessoas que cometeram pelo menos dois crimes considerados violentos, ou dois, três ou quatro crimes menores que tenham envolvido ferimento físico à vítima. A pena no estado nesses casos é de prisão perpétua, sem condicional, redução de pena ou soltura, a partir do terceiro delito desse tipo cometido.

Massachusetts foi o último estado a aprovar a lei. Lá, como na maioria dos outros, a lei só é válida para uma sequência de crimes graves, mas infrações como invasão a residência e direção alcoolizada estão entre os considerados violentos.

Por isso, mesmo que aplicada apenas em crimes violentos, a lei é muito questionada nos Estados Unidos. Críticos apontam o aumento no tempo de cárcere como problema para a superlotação nas prisões, e alto custo para o governo.

O estudo do Instituto Política de Justiça ainda relacionou a aprovação da lei e a diminuição da violência nos estados e concluiu que em muitos casos não houve redução na criminalidade.

Fernando Haddad (PT)

“Você sabia que tem 300 mil mandados de prisão expedidos que não são cumpridos por falta de lugar?”, disse em entrevista na rádio Jovem Pan.

Ao falar sobre segurança pública na rádio Jovem Pan, no dia 16 de outubro, o presidenciável Fernando Haddad (PT) afirmou que existem 300 mil mandados de prisão expedidos em aberto. Os dados oficiais analisados pelo Truco, no entanto, mostram que a afirmação foi exagerada.

A assessoria de imprensa do candidato não indicou as fontes. Segundo o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), havia 281.373 mandados de prisão no país até o dia 15 de outubro de 2018 – número 6,2% inferior ao informado pelo candidato. Existem 368.049 vagas nas unidades prisionais e 726.712 detentos no Brasil, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério de Justiça e Segurança Pública.

Para além da precariedade das prisões brasileiras, o gerente da área de Justiça e Segurança do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeane, em entrevista ao Truco, respondeu que há outros motivos para o grande número de mandados em aberto. Entre eles está o sucateamento das polícias civis que, em muitos estados, encontram-se com poucos recursos e contingente para efetuar o trabalho.

Falta também detalhamento dos dados sobre os mandatos para que os órgãos responsáveis façam um diagnóstico mais efetivo dos motivos que levam aqueles que foram expedidos não serem cumpridos.

“Um preso hoje custa R$ 40 mil por ano para o Estado”,  disse Haddad, em entrevista na rádio Jovem Pan.

Quando questionado sobre a proposta de desencarceramento de pessoas que cometeram pequenos delitos no programa Pânico, da Jovem Pan, Fernando Haddad (PT) criticou a superlotação do sistema prisional e o custo anual de R$ 40 mil de cada preso para o Estado. A frase, no entanto, é exagerada.

A assessoria de imprensa do candidato não encaminhou as fontes da afirmação.

Segundo o artigo “Questão federativa, sistema penitenciário e intervenção federal”, publicado em março deste ano na Revista Culturas Jurídicas da Universidade Federal Fluminense (UFF), a partir das leis orçamentárias para 2018 constatou-se que a verba prevista como despesa para as unidades penitenciárias estaduais e federais é de R$ 14,7 bilhões (R$ 14.773.073.849,82).

Comparando com o total de 665.595 pessoas privadas de liberdade em fevereiro de 2018 – utilizando dados do Geopresídios do CNJ – é possível afirmar que o custo de um preso no país é de R$ 22.195,29 por ano. O número é 44,51% inferior ao informado pelo candidato.

O custo varia dependendo do estado, porque o tamanho da população e a dotação orçamentária mudam. Por exemplo, um detento custodiado no Amapá dá uma despesa de R$ 5.017,80 por ano – R$ 418,15 mensais, sendo o menor investimento por detento do Brasil. Em Alagoas, que tem o maior gasto anual por preso, o valor é de R$ 54.729,24 – R$ 4.560,77 por mês.

O valor anual do Piauí aproxima-se do custo indicado por Haddad. O estado gasta R$ 41.704,68 – sendo 4,26% superior a R$ 40 mil. A média referente às prisões estaduais em todas as unidades de Federação é de R$ 27.015 – superior à média de R$ 22.195,29 que leva em conta estabelecimentos federais, mas ainda assim inferior à citada por Haddad.

O conteúdo foi publicado originalmente pela Agencia Pública

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