Jair Bolsonaro: "Essa função, tem decisão do Supremo (Tribunal Federal), não é nepotismo, eu jamais faria isso" (Carolina Antunes/PR/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de julho de 2019 às 09h08.
Última atualização em 13 de julho de 2019 às 09h45.
Brasília - O presidente Jair Bolsonaro rebateu ontem (12) as críticas de políticos da oposição de que a escolha do filho Eduardo Bolsonaro, deputado pelo PSL de São Paulo, para chefiar a embaixada do Brasil nos Estados Unidos configuraria prática de nepotismo.
Segundo o presidente, se houvesse essa restrição, ele "jamais" faria a indicação. "Alguns falam que é nepotismo. Essa função, tem decisão do Supremo (Tribunal Federal), não é nepotismo, eu jamais faria isso", disse o presidente, durante transmissão ao vivo pelo Facebook ao lado do apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, e do ex-deputado Missionário José Olímpio (DEM-SP).
Ao fazer a menção ao Supremo, Bolsonaro se referiu à súmula aprovada em 2008 pelo plenário da Corte, definindo que viola a Constituição a nomeação de parente, cônjuge ou companheiro para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou também de função gratificada na administração pública. Mas o entendimento até agora do STF é de que isso não se aplicaria à nomeação de familiares para cargos de natureza política.
Bolsonaro reafirmou que, se depender dele, só falta o filho aceitar a indicação e o Senado aprovar o nome. Anteontem, o deputado disse que, se for indicado, "aceita a missão". "Querem que eu bote quem lá? Celso Amorim? Aloysio Nunes, que foi motorista do (guerrilheiro Carlos) Marighella? Meu filho é muito melhor do que eu, já esteve em vários países da Europa", disse Bolsonaro.
O Supremo tem pendente a análise de um caso que discute a indicação de parentes para cargos de natureza política. Não existe, porém, previsão de quando os ministros vão avaliar o tema - sob relatoria do ministro Luiz Fux. Levantamento feito pelo Estado mostra que ministros da Corte já tomaram (de forma individual ou em colegiado) pelo menos oito decisões no sentido de que o veto não alcança nomeações políticas. Nenhuma delas, no entanto, tratava de representação diplomática no exterior.
Em outubro de 2008, por 7 a 1, o plenário confirmou liminar do então ministro Cezar Peluso que garantia o cargo de Eduardo Requião como secretário de Transportes do Paraná, governado na época pelo seu irmão, Roberto Requião. Dos sete votos favoráveis ao irmão de Requião, três vieram de ministros que ainda integram o tribunal - Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Os outros quatro ministros que se posicionaram nesse sentido já se aposentaram.
O único voto divergente na época foi o do ministro Marco Aurélio Mello. Anteontem, ao analisar o caso envolvendo Eduardo Bolsonaro, ele disse ao Estado que a indicação para a embaixada americana seria nepotismo e "um tiro no pé".
Outros processos envolvendo a nomeação de familiares de políticos foram apreciados pelo tribunal ao longo dos últimos anos. Em maio de 2009, por exemplo, Celso de Mello garantiu a permanência de Ivo Ferreira Gomes, irmão do então governador do Ceará, Cid Gomes (hoje no PDT), no cargo de chefe de gabinete. A nomeação havia sido contestada pelo Ministério Público do Ceará na época.
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse ontem que a intenção do presidente "deu polêmica" e poderia ter sido comunicada na próxima semana, após a votação da reforma da Previdência no plenário da Câmara dos Deputados.
"Deu polêmica, reconheço, saiu na imprensa. Agora, vamos aguardar. Poderia ter anunciado na semana que vem? Talvez, durante o recesso parlamentar", disse o ministro durante café da manhã com jornalistas.
Ramos afirmou que soube da possível indicação pela imprensa e que não faz juízo de valor sobre o assunto. Também defendeu o direito de o presidente manifestar esse tipo de intenção. Para o ministro da Secretaria de Governo, uma eventual decisão "não contraria a lei".
Após a sinalização do pai de que pode indicá-lo ao cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou não ver "nenhum desconforto" e apresentou credenciais. "É difícil falar de si próprio, né?", disse o "03", antes de declarar que é cotado por sua experiência, não por ser filho do presidente Jair Bolsonaro.
"Sou presidente da Comissão de Relações Exteriores, tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos, no frio do Maine, Estado que faz divisa com o Canadá, no frio do Colorado, em uma montanha lá. Aprimorei o meu inglês e vi como é o trato receptivo do norte-americano para com os brasileiros", disse.
Eduardo afirmou ainda que tem o apoio do chanceler, Ernesto Araújo, para assumir o mais importante e disputado posto diplomático brasileiro. "Ele (Araújo) expressou apoio ao meu nome. Acredito que agora só falta conversar com o presidente Jair Bolsonaro e reafirmar se essa é mesmo a vontade dele. Estamos acompanhando os fatos. Está tudo na esfera da cogitação e sendo encaminhado", disse o deputado a jornalistas na saída de reunião com Araújo.
Segundo Eduardo, ele deve conversar com pai sobre o assunto até amanhã. Na quarta-feira passada (10), o deputado completou 35 anos - idade mínima para um brasileiro assumir uma representação diplomática no exterior. No dia seguinte, Bolsonaro declarou que indicaria o filho para o cargo. "(Eduardo) É amigo dos filhos do (Donald) Trump, fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo", disse o presidente.
Ex-embaixador nos Estados Unidos, o diplomata Rubens Ricupero criticou a possível nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. "Trata-se de medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos", afirmou Ricupero ao Estado.
Um dos diplomatas brasileiros mais respeitados, Ricupero foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993 e atuou como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Para ele, a nomeação de parentes próximos para funções diplomáticas é típica de "monarquias absolutas". "Caracteriza também os governantes populistas como Donald Trump, que só confiam na própria família", afirmou.
Ricupero, atualmente professor na Faap, disse ainda que Eduardo já atua, na prática, como "chanceler informal" e que, agora, poderia, de fato, assumir um cargo diplomático. No entanto, o fato de o deputado ser filho do presidente, preocupa, segundo o ex-embaixador.
"Funções como as de embaixador devem ser institucionalizadas, e não personalizadas. Pelo motivo óbvio de que, num caso como de um filho representando o próprio pai, haveria maior possibilidade de que as ações do embaixador visassem a interesses pessoais e de família, não os interesses do País."
Autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016, sobre a história diplomática do País, Ricupero citou o caso de José de Paula Rodrigues Alves, filho mais velho de Rodrigues Alves (1902-1906), mas lembrou que ele se tornou embaixador quando o pai já não era mais presidente. "Ele foi diplomata de carreira e só chegou ao posto de embaixador depois de percorrer todos os outros degraus e muitos anos depois do falecimento do pai (em 1919)." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.