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BNDES deve retomar internacionalização em 2011

O banco não aumentará desembolsos neste ano, mas prevê captar mais no exterior e abrir novas subsidiárias

A notícia é comemorada por grandes conglomerados empresariais que possuem relações estreitas com o banco (Fábio Rodrigues Pozzebom/AGÊNCIA BRASIL)

A notícia é comemorada por grandes conglomerados empresariais que possuem relações estreitas com o banco (Fábio Rodrigues Pozzebom/AGÊNCIA BRASIL)

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Da Redação

Publicado em 31 de janeiro de 2011 às 19h07.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se prepara para dar continuidade a seu processo de internacionalização em 2011. O principal provedor de recursos para empresas nacionais tem enviado cartas-convite para instituições dispostas a assessorar suas operações de captação fora do país.

Entre elas estão bancos de investimento, auditorias, consultorias e escritórios de advocacia. Com um escritório em Montevidéu e uma filial em Londres (BNDES Limited), a instituição financeira está criando novas estruturas societárias para subsidiárias a serem inauguradas ainda neste ano, sendo uma delas nos Estados Unidos. Procurado pela reportagem do site de VEJA, o BNDES não quis se pronunciar. 

O movimento atende a um objetivo alardeado desde 2008 pelo presidente do banco, Luciano Coutinho – o de financiar a internacionalização de companhias brasileiras. O movimento, que deve se intensificar neste ano, vem se consolidando há dois anos. Nesse período, o banco captou cerca de 4 bilhões de dólares fora do país por meio de três emissões de títulos – duas nos EUA e uma na Europa. A expectativa é que, a partir de 2011, a nova leva de recursos a serem obtidos no mercado internacional nem mesmo chegue a ser transferida ao Brasil – ficará disponível no exterior mesmo para as empresas brasileiras envolvidas em operações de internacionalização.

A notícia é comemorada por grandes conglomerados empresariais que possuem relações estreitas com o banco. Em 2010, indústrias e empresas de serviços foram destino de 57% do total de 168 bilhões de reais ofertado pela instituição financeira – sendo 24 bilhões de reais apenas para viabilizar a capitalização da Petrobras. Enquanto isso, projetos e empresas de infraestrutura receberam 31% do que o BNDES desembolsou.

Entre os setores da indústria que buscam dominar outros mercados no exterior, o de carnes é o que tem mais razões para comemorar. A relação do banco com as duas principais empresas do país, JBS e Marfrig, é tão ‘produtiva’ que as companhias foram destino de 3,6 bilhões de reais e 3,1 bilhões de reais, respectivamente, em aportes do BNDES apenas nos nove primeiros meses de 2010.

A estratégia pode ser entendida como forma de continuar sustentando a expansão de grandes companhias, as chamadas ‘campeãs nacionais’, mas, desta vez, sem comprometer ainda mais os recursos do Tesouro. Nos últimos quatro anos, o BNDES tem sido duramente criticado por bancar – tanto por meio de linhas de crédito como por investimentos de seu fundo de participações, o BNDESPar – operações de fusão e aquisição de empresas. No caso da JBS, a participação é tão expressiva que a empresa dos irmãos Batista entra como companhia coligada no balanço do banco.

O custo para o país – Contribuir para o desenvolvimento do Brasil por meio da oferta de crédito à iniciativa privada não é nenhum pecado. É aliás a função de um banco de desenvolvimento em qualquer nação. O grande problema é o preço pago pela União para garantir esse apoio. É sabido que o banco supre parte das deficiências de crédito, com destaque para as linhas de longo prazo, para as empresas. No entanto, o Tesouro é o principal provedor desses recursos. Entre 2006 e 2010, o BNDES captou 235 bilhões de reais junto ao órgão, a juros de 6% ao ano – uma dívida que deverá ser paga em três décadas.

“O problema é que o Tesouro capta esse dinheiro no mercado pagando o juro da Selic, que é bem mais alto. Em resumo, o Tesouro sai perdendo para beneficiar o banco” , explica o economista Mansueto de Almeida Júnior, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). De quebra, contribui para a piora das contas públicas – o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e BC) registrou saldo nominal negativo de 45,785 bilhões de reais, ou 1,25% do PIB.

Ainda não se sabe se, com a captação no exterior, o banco continuará com operação deficitária. Em sua última emissão de títulos nos EUA, em janeiro do ano passado, os juros anuais pagos foram de 5,63% ao ano - bem inferior ao que seria se o dinheiro fosse obtido com recursos do Tesouro. Já na operação europeia, feita em novembro de 2010, e que levantou 750 milhões de euros, a instituição obteve os menores juros já conseguidos em todas as suas emissões no mercado internacional - 4,23% ao ano. Tudo vai depender da taxa que será cobrada das empresas brasileiras no exterior.

Contradições

A atuação do BNDES, no entanto, tem dado sinais contraditórios. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou repetidas vezes, desde o ano passado, que o BNDES iria reduzir sua participação na economia. Por suas próprias palavras, o banco deveria “caminhar com as próprias pernas” , além de “aprender a captar no mercado”. No entanto, ao participar do Fórum Econômico Mundial, na cidade suíça de Davos, o presidente do banco, Luciano Coutinho, afirmou que os desembolsos de 2011 prosseguirão no mesmo patamar de 2010.

Serão 144 bilhões de reais, pois a instituição não repetirá o valor que foi destinado à captação da Petrobras (24 bilhões de reais). “ O que tentaremos, neste ano, será aperfeiçoar qualitativamente nossa atuação, sobretudo em relação ao desenvolvimento socioambiental e inovação” , afirma Rabello, do BNDES.


Para se ter uma ideia do que representam os 168 bilhões de rais ofertados no ano passado, o valor supera o total de desembolsos do Banco Mundial a todos os países em desenvolvimento no ano fiscal de 2009 a 2010 – que, fazendo a conversão do dólar, chegou a 67 bilhões de reais. O BNDES apenas é superado pelo Banco de Desenvolvimento da China que, em 2009, emprestou 497 bilhões de dólares (ou 829 bilhões de reais) a empresas chinesas – com a diferença que Pequim tem mesmo recursos de sobra para emprestar sem precisar se endividar. O banco chinês ainda não divulgou os dados consolidados de 2010.

A expectativa da instituição é que, com a captação no exterior para financiar empresas, o banco volte-se com mais força ao financiamento de obras de infraestrutura, como a expansão dos aeroportos, melhorias nos portos e ampliação de estradas – reduzindo assim os gargalos logísticos que o país têm em abundância. “Infraestrutura e indústria continuarão sendo prioridades do banco e a própria presidente já afirmou isso em seu discurso” , diz o técnico da área de operações do BNDES, Claudio Rabello. Mas a opinião não é consenso no mercado.

Na avaliação de Mansueto de Almeida, do IPEA, apesar do discurso de 'aperfeiçoamento', é difícil acreditar que o banco irá mudar sua ênfase de crédito. “São as mesmas pessoas de antes que estão lá agora. Por que eles iriam mudar?”, questiona.

Outro fator que evidencia a contradição deriva do recente aumento da taxa básica de juro, a Selic (que passou de 10,75% para 11,25% na última reunião do Copom), e da tendência de que um ciclo de alta se estabeleça. Com a subida dos juros, o crédito privado para empresas tende a encarecer. Desta forma, a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), cobrada pelo BNDES em suas linhas de financiamento, que hoje é de 6% ao ano, deve se tornar ainda mais atrativa para os empresários. “Só um aumento da TJLP pode reverter essa situação”, afirma o analista da Economist Intelligence Unit (EIU), Robert Wood. No entanto, tal alternativa é pouco provável.

Ante a promessa de emprestar 144 bilhões de reais em 2011 e a limitação de empréstimo com base nos recursos próprios, segundo cálculos de Mansueto, de 70 bilhões de reais, é inevitável que o governo continue se endividando com recursos do Tesouro para encher o caixa do BNDES. A posição mostra a ‘esquizofrenia’ do governo de conviver com discursos contraditórios. Por um lado, promete duro esforço fiscal, com cortes que atingirão todos os ministérios. Por outro, acena com a continuidade da piora das contas públicas, promovida pelas despesas com o BNDES.
 

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