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Becker, da UFRJ: infância não é fase de construir currículo

Pediatra explica que competências humanas adquiridas na infância, com o livre brincar, são cruciais para o desenvolvimento, e devem ser estimuladas

Daniel Becker, pediatra e pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
 (Daniel Becker / Acervo pessoal/Divulgação)

Daniel Becker, pediatra e pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Daniel Becker / Acervo pessoal/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 15 de novembro de 2017 às 09h07.

Última atualização em 23 de novembro de 2017 às 12h03.

É cada vez mais comum ver crianças precisando lidar com agendas atribuladas, preenchidas com aulas de idioma, música, reforço, teatro, esportes.

Para o pediatra Daniel Becker, pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos criadores do programa Saúde da Família, essa visão curricular sobre as atividades nas quais a criança precisa se envolver pode acabar fazendo com que ela desenvolva comportamentos de competitividade e individualismo.

O especialista defende que, na infância, a prioridade deve ser o livre brincar, atividade que não pode ser repetida em outra etapa da vida e que é capaz de estimular uma série de competências humanas que nenhuma sala de aula poderá ensinar.

Becker concedeu entrevista a EXAME sobre a importância de cultivar a saúde desde os primeiros anos de vida durante o VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Fortaleza, do qual a reportagem participou a convite da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

Muitos pais acreditam que deixar ao criança ocupada com atividades que compõem um currículo estão auxiliando na educação. Por que o senhor critica essa prática? 

Nós vivemos uma cultura de excesso de valorização da aprendizagem com adultos, é um paradigma da escola do desenvolvimento. Como se o desenvolvimento de uma criança só se desse na sua interação com adultos, em aulas, supervisões, atividades programadas e estruturadas.

Quando, na verdade, isso só provê essa criança de um tipo de ganho, um tipo de inteligência. Essa educação bancária – em que um domina o conhecimento e outro está ali para receber – é cada vez mais reconhecida como um modelo que tem muitas limitações.

As nossas crianças brincam para serem adultas, por essa crença dos pais de que elas se tornarão mais prontas para o mercado. Brincando a criança aprende coisas que ninguém mais pode ensinar a ela.

Uma criança que brinca no parque com amigos vai aprender a negociar, interagir, ter empatia, ouvir o outro, se fazer ouvir, avaliar riscos, resolver problemas, desenvolver coragem, autorregulação, auto estímulo, criatividade, imaginação… Uma série de habilidades que nenhuma aula vai oferecer para ela.

E elas são muito mais importantes para um adulto bem-sucedido do que uma aula de Kumon ou violino. Não que precisemos desvalorizar a importância de matricular nossos filhos em algumas atividades, mas é importante nunca esquecer que brincando livremente na natureza a criança está aprendendo.

Existe algum risco de essas crianças se tornarem adultos mais improdutivos ou com alguma deficiência?

Há algumas pesquisas que já estão avaliando que as crianças da geração Y, os millennials, que foram superprotegidas e foram vítimas desse excesso de escolarização, estão se tornando adultos narcisistas, incapazes de lidar com a frustração e com o conflito, tendem a fugir das intempéries…

Começamos a ter alguns indícios disso. São efeitos previsíveis. Uma criança que enfrenta a realidade com o pai e a mãe se interpondo entre ela e o problema não vai aprender a resolver sozinha. Nem com o professor ensinando a ela alguma disciplina.

Ela tem que cair e ralar o joelho. Porque a vida dói, a realidade dói. Mas passa. E, no dia seguinte, o machucado ganhou uma casquinha, o corpo está reagindo e fazendo alguma coisa.

Daqui a pouco, aquela marquinha sumiu e o joelho voltou ao normal. Olha tudo o que ela aprendeu ali sobre enfrentar a dor, sobre saber que essa dor passa e que o corpo funciona e se regenera. Que aula vai oferecer a ela essa experiência?

O senhor ressaltou, em sua palestra, que investir num pleno desenvolvimento na primeira infância ajuda a reduzir os custos futuros com saúde. Por quê?

Porque as crianças se tornarão adultos mais capacitados, mais saudáveis, que poderão fazer melhores escolhas e desenvolver bons hábitos, vão ter um melhor emprego e conseguir condições de vida melhores… E são essas as condições de vida determinantes de uma saúde melhor no longo prazo.

Com melhores hábitos nutricionais, as doenças que mais matam atualmente têm maior chance de serem evitadas lá na frente, como diabetes, obesidade, hipertensão. É na primeira infância que a prevenção dessas doenças começa. Investir na capacitação familiar, em pré-natal e incentivo ao aleitamento materno, que ajuda a reforçar as defesas do organismo, é muito eficiente em termos de investimento em saúde pública.

O senhor também falou que a primeira infância ajuda os gestores públicos a superar o dilema da busca por equidade e por eficiência, que normalmente são vistas como inconciliáveis. Como?

É uma dualidade clássica do político, que quer ter resultados daqui a quatro anos, quando ele estiver se reelegendo. Para o gestor público, investir dinheiro na redução da pobreza muitas vezes é muito custoso e tem pouco resultado.

E ele consegue ser eficiente com esse recurso, porque a estrutura dessas pessoas já é muito viciada por opressão e baixo desenvolvimento. O investimento na primeira infância supera essa dualidade.

Investir nesse momento da vida ajuda a promover redução da pobreza em médio e longo prazos, com uma eficiência muito grande dos recursos, porque investir precocemente é o que traz mais resultados. No curto prazo também funciona, porque esse gestor vai contar com famílias mais felizes e crianças rendendo mais na escola. É um caminho para a cidadania e para uma sociedade mais capacitada.

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