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Barroso, do STF: “O foro privilegiado é causa de impunidade”

Antes de ser ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso se notabilizou como um dos principais constitucionalistas do país. Mestre pela Yale Law School, exerceu por 30 anos a advocacia e atuou em casos célebres, como o da união estável homoafetiva e o da autorização de pesquisas com células-tronco. Ingressou no STF em 2013, no meio […]

BARROSO: ministro do STF defende a criação de uma Vara Federal Especial para julgar casos de foro privilegiado / Divulgação

BARROSO: ministro do STF defende a criação de uma Vara Federal Especial para julgar casos de foro privilegiado / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 10 de junho de 2016 às 17h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

Antes de ser ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso se notabilizou como um dos principais constitucionalistas do país. Mestre pela Yale Law School, exerceu por 30 anos a advocacia e atuou em casos célebres, como o da união estável homoafetiva e o da autorização de pesquisas com células-tronco. Ingressou no STF em 2013, no meio do julgamento do Mensalão, e se tornou o relator do processo em substituição ao ministro Joaquim Barbosa. Barroso chama a atenção por suas posições progressistas em temas como a situação penitenciária do país e a legalização da maconha, e tem buscado enxugar a excessiva demanda processual no Tribunal. Em entrevista a EXAME Hoje, ele critica o excesso de processos criminais que chegam ao Supremo e que desviam a corte de exercer sua função de guiar a interpretação da Constituição. Prático, defende a criação de uma nova vara federal para cuidar de processos de pessoas com foro privilegiado e avalia a revisão da extensão do foro no Brasil.

Qual é o papel da Justiça no combate à corrupção no país?
Houve uma mudança relevante na legislação, sobretudo na tipificação de delitos de colarinho branco, que evidentemente se reflete na atuação dos juízes. Acho que o que vem acontecendo, em parte como reflexo do julgamento do Mensalão, é o tratamento dessa criminalidade do colarinho branco com mais empenho e eficiência. O sistema penal brasileiro tradicionalmente prendia o bandido pé-de-chinelo, que cometia furto e roubo, mas era um sistema incapaz de ser eficiente no combate à criminalidade do colarinho branco. Há uma mudança na legislação e na própria mentalidade dos juízes de que o sistema penal não é só para pegar o pequeno tipo de crime, mas os grandes criminosos.

Nossa população carcerária reflete essa maior eficiência no combate a crimes menores, mas podemos dizer que o combate à corrupção se sofisticou?
É interessante que há uma percepção na sociedade de que há uma grande impunidade no Brasil. O cidadão comum tem o sentimento de impunidade. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600.000 presos. Parece uma contradição, mas a verdade é que prendemos muito e prendemos mal. A sociedade brasileira tem duas grandes aflições, em matéria de criminalidade: a violência e a corrupção. Mas o sistema penitenciário não reflete essas preocupações, porque mais de 50% dos presos lá estão por delitos associados a drogas ou por furto. Portanto, o sistema não atende as demandas da sociedade, ao passo que as apurações por homicídio têm baixíssimo grau de eficiência e as condenações de corrupção e crimes de colarinho branco têm um percentual irrisório dentro do sistema. Portanto, isso revela que o sistema punitivo brasileiro não atende as verdadeiras necessidades da sociedade.

Ao mesmo tempo em que há avanço da legislação, ainda existe o foro privilegiado. Para o senhor, por que esse tipo de foro é um problema?
O primeiro problema é de natureza filosófica: é um resquício aristocrático e não-republicano no qual as pessoas são consideradas diferentes. Na verdade, o princípio republicano é que todas as pessoas sejam tratadas com igualdade e sujeitas às mesmas regras. A segunda razão é estrutural: o Supremo não está preparado para funcionar como juízo de primeiro grau, ouvindo testemunha, colhendo provas, e isso faz com que o Supremo acabe se afastando dos outros papéis que exerce, como interpretar a Constituição e definir as grandes linhas da jurisprudência brasileira. Para dar um exemplo, o julgamento do Mensalão ocupou 609 sessões do Supremo. Mais de um ano de sessões em que as outras coisas muito importantes ficaram paralisadas e adiadas. O foro de prerrogativa é causa frequente de impunidade, porque há muita manipulação. Um sujeito não se reelege, aí o processo baixa [sai da jurisdição do Supremo]. Depois, ele se elege, o processo sobe [volta à jurisdição do Supremo]. Se virar governador, vai para o Superior Tribunal de Justiça. Então, faz-se um zigue-zague no qual nunca se chega ao final do processo.

O senhor se sente esmagado por essa demanda de ações criminais?
É muito ruim, é uma sobrecarga de trabalho. Em nenhum país do mundo, o Tribunal Constitucional tem uma função tão importante como a que o Supremo brasileiro tem como corte penal. O Supremo tem que decidir sobre questões constitucionais. É claro que se existe uma questão penal, envolvendo o direito dos presos, por exemplo, que seja constitucional, tem que chegar no Supremo. Mas o varejo da jurisdição criminal não pode ficar no Supremo.

O que pode ser feito em relação a isso?
Eu defendo a criação de uma Vara Federal Especial em Brasília. Por que defendo? Para que a autoridade, sobretudo o parlamentar, não fique também sujeito a ações em qualquer parte do país. Além disso, em seu estado de origem, um parlamentar pode ser constrangido ou perseguido dependendo da circunstância. Uma Vara Federal em Brasília, escolhida pelo próprio Supremo, que teria um mandato de quatro anos, ao final dos quais os integrantes sejam promovidos automaticamente para o Tribunal Regional Federal. Por que a promoção automática? Para não dever favor a ninguém. Depois da decisão [da Vara Federal], aí cabe recurso para o Supremo e para o STJ. Recurso é o que a gente sabe julgar.

O foro privilegiado deveria acabar?
Deveria ser reduzido drasticamente a poucas autoridades, como chefes de poder, como o presidente da República, o presidente do Congresso. Isso faz sentido. Mas todos os governadores de estado, todos os parlamentares… É uma competência que não se justifica. A autoridade deve ter alguma proteção institucional, que será dada pela concentração dos processos em Brasília e possibilidade de recorrer ao Supremo e ao STJ.

Qual a relevância da decisão do Tribunal sobre a pena poder passar a ser executada após o julgamento na segunda instância?
Fizemos um levantamento que demonstra que uma fração irrisória de recursos que chegam ao Supremo leva à absolvição do acusado. Na prática, o recurso extraordinário acaba sendo puramente procrastinatório. De 2009 para cá, de 25.000 recursos houve apenas nove absolvições. É um percentual irrisório. Além disso, o sistema que tínhamos acarretava em algo ruim para a advocacia. Obrigava-se os advogados a ficarem interpondo recursos procrastinatórios que eles sabem que não cabem só para atrasar o cumprimento da decisão. Em segundo lugar, causa na sociedade uma percepção de que a Justiça não funciona porque ou o crime prescreve ou o sujeito vai ser condenado em 10, 12 ou 15 anos depois dos fatos quando a sociedade precisa de uma resposta mais eficiente.

(Luciano Pádua)

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