Brasil

Bairros pobres em SP têm 16% de anticorpos para covid-19, ante 6% em ricos

Segunda fase de testes de cientistas da USP e da Unesp mostra que coronavírus na cidade de São Paulo infectou maior parcela de pessoas negras e mais pobres

Periferia de São Paulo: moradores em bairros de menor renda são os mais afetados pela pandemia do coronavírus (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Periferia de São Paulo: moradores em bairros de menor renda são os mais afetados pela pandemia do coronavírus (Rovena Rosa/Agência Brasil)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 2 de julho de 2020 às 09h09.

Última atualização em 2 de julho de 2020 às 19h14.

O coronavírus na cidade de São Paulo chegou com mais intensidade nos moradores dos bairros pobres, com menor escolaridade e a população negra, como mostra uma nova pesquisa realizada na capital paulista com a coleta de amostras de sangue.

A presença de anticorpos foi verificada em 6,5% da população nos distritos mais ricos. Na população de distritos mais pobres, em 16%, segundo as amostras colhidas entre os dias 15 e 24 de junho.

Essa é a segunda fase do estudo comandado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com apoio do Instituto Semeia e participação de profissionais do Laboratório Fleury e Ibope Inteligência. Participaram da pesquisa 1.183 pessoas, todas acima de 18 anos, em 115 regiões diferentes da cidade.

A população negra foi infectada 2,5 vezes mais pelo coronavírus do que a de brancos. Ao todo, 19,7% dos participantes que se identificam como negros possuem anticorpos contra a covid-19. Nos que se declaram brancos, o porcentual é de 7,9%.

A infecção pelo coronavírus também foi menor em localidades onde a população tem melhor nível educacional. Ela é 4,5 vezes maior nos indivíduos que não completaram o ensino fundamental, por exemplo, quando comparada com os que terminaram o ensino superior: 22,9% e 5,1%, respectivamente.

Participantes que vivem em habitações com cinco ou mais indivíduos apresentam índice de infecção de 15,8%, quase duas vezes mais do que aqueles que dividem a casa com um ou dois indivíduos, que é de 8,1%.

“É como se tivesse duas epidemias correndo ao mesmo tempo na cidade. Não dá para comparar, mas traduz a expansão que afeta mais os que têm menos recursos, porque são os que precisam ir trabalhar, porque têm menos condições de fazer o isolamento”, disse o infectologista Celso Granato, diretor Clínico do Grupo Fleury, pesquisador líder do projeto.

Os domicílios participantes foram sorteados, e o estudo separou distritos com maior e menor renda segundo dados do IBGE.

Os resultados, embora referentes a casos de coronavírus em São Paulo, são representativos de como a pandemia reflete desigualdades sociais nas grandes cidades brasileiras. Segundo Beatriz Tess, professora do departamento de Medicina Preventiva da USP, a questão da desigualdade social já era, de certa maneira, esperada pelo que se vê sobre a evolução da doença nas cidades. “Mas a pesquisa, ao mostrar esses dados, traz uma coisa muito importante que é a magnitude dessa diferença.”

De modo geral, do total de 1.183 entrevistados que tiveram as amostras de sangue analisadas, 11,4% têm anticorpos. Estima-se que aproximadamente 958.000 pessoas maiores de 18 anos já foram infectadas pelo novo coronavírus na capital paulista, que tem população de pouco mais de 8 milhões de habitantes acima dessa faixa etária.

Considerando somente óbitos confirmados até a data do estudo, estima-se que a taxa de letalidade na população maior de 18 anos é de 0,7%.

Metodologia

A renda de cada bairro na cidade de São Paulo é traçada por uma média geral. Na capital paulista há peculiaridades como, por exemplo, na região do Morumbi, onde há uma área nobre e também uma grande comunidade. O IBGE pega a média de cada localidade e estabelece um índice. A pesquisa utilizou esse índice como base e dividiu a cidade em duas, com distritos mais ricos e mais pobres. Os bairros foram subdivididos em 115 setores censitários. Em cada um deles, houve o sorteio de 12 residências para fazer parte do estudo.

Uma semana antes de fazer a visita, é feita uma ligação para o local sorteado para evitar rejeição. Pelo rigor metodológico, pesquisadores não podem simplesmente bater na casa vizinha se houver recusa. A aleatoriedade é importante para aumentar a representatividade da amostra e evitar resultados com viés.

Um pesquisador do Ibope e um enfermeiro do Fleury, paramentados, visitam a casa sorteada. O exame é oferecido a todos os moradores da residência, pois contribui também para novas etapas do estudo. Por exemplo, para medir o índice de transmissão entre familiares.

Quem aceita participar da pesquisa preenche um questionário e doa um pouco de sangue, retirado por meio de pulsão intravenosa, como ocorre em um laboratório.

A primeira fase teve o estudo divulgado em maio e apontou que nos seis bairros com maior incidência de covid-19 na cidade de São Paulo, até então, 5,19% dos moradores dessas localidades desenvolveram anticorpos ao coronavírus. O levantamento apontou também que 91,6% dos casos de infecção estavam fora das estatísticas oficiais.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusDesigualdade socialsao-paulo

Mais de Brasil

Governo Tarcísio é aprovado por 68,8% e reprovado por 26,7%, diz Paraná Pesquisas

China desafia domínio da Starkink com planos de serviço de internet via satélite no Brasil

Governo divulga novo cronograma do CNU; veja datas atualizadas

Mauro Cid presta depoimento ao STF após operação e pedido de suspensão de delação