Comércio: cena de ambulantes correndo da polícia ainda existe no Brás, referência do comércio popular na região central de SP) (Mario Tama/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de maio de 2018 às 10h34.
São Paulo - A cena de ambulantes correndo da polícia, com medo do "rapa" (fiscalização/polícia), ainda existe no Brás, referência do comércio popular na região central de São Paulo. Mas uma nova leva de camelôs, boa parte senegaleses que chegam ali desde 2017, mudou a rotina.
Agora há policiais militares que reduzem o passo para não trombar com os vendedores quando estão em desvantagem numérica. Não raro as apreensões terminam em tumulto, segundo relatos, com ambulantes enfrentando os agentes para evitar que as roupas à venda sejam confiscadas.
Frequentadores e comerciantes do bairro dizem que o aumento de ambulantes é nítido. As calçadas estão repletas de novos camelôs. A partir do Largo da Concórdia, onde se concentram às dezenas, eles se espalham por toda a região.
"Os ambulantes se veem em número maior, e enfrentam a PM para não perder as mercadorias. Já os PMs se veem em número menor e às vezes têm de usar spray de pimenta para dispersar tumultos", diz um lojista, que preferiu não se identificar. Os confrontos estão registrados em vídeos feitos pelas câmeras de segurança dos lojistas. Em uma das gravações, de outubro, é possível ver até paus e cadeiras voando contra os policiais e ruas fechadas por fogo em protestos contra as ações.
Os ambulantes senegaleses mostram perfil similar: chegaram a São Paulo até 2013, atraídos pelo pleno emprego do País na época e as vagas na construção civil. Conseguiam renda para se manter e fazer remessas mensais para os parentes.
"Sou eletricista, trabalhei em obras por três anos. Foram quatro prédios", contou um vendedor de camisetas, de 35 anos, que tem mulher e dois filhos em Dacar. "Mas depois não consegui outro emprego em obra."
Compatriotas na mesma situação passaram a se arriscar no comércio ambulante e ele foi atrás, investindo as economias feitas até então em camisetas estampadas. "Aí voltei a ganhar algum dinheiro, mas bem menos do que nas obras. Gostaria de voltar a ser eletricista", diz ele, que carrega currículos em português para distribuir em locais onde há vaga de emprego. Para se sustentar, também relata fazer bicos de eletricista para os vizinhos.
Outro ambulante, do mesmo país, diz que preferiu o Brás a outras regiões pela maior facilidade. "Na 25 (de Março, no centro) tem muito mais polícia, e pouco lugar para correr quando eles chegam", conta o imigrante que já trabalhou como pintor. Geralmente, os africanos falam o suficiente de português para vender os produtos, mas não dominam o idioma.
Os próprios camelôs reconhecem a predisposição para enfrentar os PMs. "Tem o 'polícia' gente boa, que chega devagar, avisa que vai passar, para o pessoal recolher tudo e ir embora. Tem policial que é folgado, chega brigando, xingando", critica o senegalês. "Tem gente que não gosta e vai para cima. Mas não é todo mundo."
Já os comerciantes do Brás se mostram impacientes. "A Prefeitura Regional não toma atitudes", reclama Fauze Yunes, diretor da Alobrás. De acordo com ele, o assunto foi discutido com a gestão há duas semanas.
A fiscalização policial cabe à Operação Delegada - o chamado "bico oficial", parceria entre a Prefeitura e o governo do Estado em que o Município paga diárias a PMs de folga, que atuam na repressão ao comércio irregular. Entre janeiro e abril, a operação teve gastos de R$ 10,4 milhões, segundo o Portal da Transparência da Prefeitura. No ano passado, no mesmo período, foram R$ 11,4 milhões; já em 2016, R$ 13,9 milhões. A Prefeitura argumenta que pagamentos que ainda não estão no sistema da transparência também somam R$ 13,9 milhões para este ano.
A gestão havia prometido, em janeiro, que o efetivo cresceria. Até 2015, havia 1.472 vagas para PMs, e 58% delas estavam ocupadas. Em 2016, na gestão Fernando Haddad (PT), as vagas foram reduzidas para 974 e, hoje, 77% estão ocupadas. A promessa é aumentar as vagas em 30%.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública destaca que "o dimensionamento e o levantamento das reais necessidades" da Delegada cabem à Prefeitura. Afirma ainda que em 2018 "não houve registros de agressões contra policiais militares na área."
A gestão Bruno Covas (PSDB) informou, por meio de nota, que a apreensão de produtos irregulares nas ruas do Brás, na região central, aumentou 83,51% em 2017, em relação ao ano anterior, mas não forneceu os dados absolutos. "As ações (de fiscalização) são realizadas por 14 agentes fiscais em conjunto com a Polícia Militar e com a Guarda Civil Metropolitana (GCM)."
O texto destaca ainda programas da Secretaria Municipais de Trabalho e Empreendedorismo para a população imigrante que está desempregada. "A assistência é dada por meio do Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (CATe). Os imigrantes podem utilizar a rede, que tem 24 unidades em todas as regiões da cidade, e presta os serviços de intermediação de mão de obra com (re)inserção no mercado", acrescenta a nota. "Os imigrantes também são atendidos pelo Programa Operação Trabalho, com atividades práticas e de capacitação profissional. O programa inclui auxílio pecuniário a trabalhadores desempregados por mais de 4 meses." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.