Manifestação na avenida Paulista em 12 de setembro: ato era para ser contra Bolsonaro, mas a falta de acordo sobre a pauta juntou grupos variados (Nelson Almeida/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 14 de setembro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 14 de setembro de 2021 às 06h34.
Tudo na mesma. É como fica o cenário eleitoral após as duas últimas grandes manifestações no Brasil, dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em 7 de setembro aos atos do último domingo, 12, com grupos de direita e centro.
Bolsonaro pregou para os convertidos no feriado, com pautas como os embates com o Supremo Tribunal Federal — e não conseguiu furar sua própria bolha nas redes sociais, como mostrou a EXAME.
Já a manifestação do 12 de setembro tentou aglutinar grupos diversos, se perdeu no meio do caminho e deixou claros os desafios de construir a chamada "terceira via".
Mas apesar da inevitável constatação de que o ato de domingo foi menor do que o 7 de setembro puxado por Bolsonaro, ou mesmo do que atos anteriores do campo à esquerda, a manifestação não traz mudanças significativas para nenhum desses grupos.
A visão é de Cila Schulman, vice-presidente do instituto especializado em opinião pública IDEIA, que realizou pesquisas em todos os últimos ciclos eleitorais. Ela analisa que as ruas geraram alguns impactos políticos, como o isolamento de Bolsonaro na última semana ou um princípio de diálogo concreto no centro e na direita. Mas só.
Perguntada se a terceira via perde força, a analista é categórica: "Pode até mudar algo para os analistas políticos, mas por parte do eleitor não teve perda nenhuma. Vamos continuar com quem é lulista sendo lulista, quem é bolsonarista sendo bolsonarista, e essa margem grande que está a procura de um terceiro nome", diz.
O movimento de 12 de setembro começou organizado há semanas por grupos específicos de direita, ampliou-se para o "Fora Bolsonaro" depois do 7 de setembro, tentando unir outros campos democráticos, e terminou com uma mistura completa de pautas. (A maior parte da esquerda também não participou, e convocou atos para 2 de outubro.)
Schulman avalia que houve perda de foco, e os atos que eram para ser a favor do impeachment ficaram reduzidos à pecha de "comício da terceira via".
"Cada um foi lá por um motivo, e esse foi um dos problemas em termos de mobilização", diz. "Ninguém sabia mais se era a favor do impeachment, contra Bolsonaro, contra Lula ou pela terceira via."
Participaram do ato uma série de pré-candidatos à Presidência, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), os senadores Alessandro Vieira (Cidadania) e Simone Tebet (MDB), que ganharam projeção na CPI da covid-19 no Senado, e o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT).
A maioria tem menos de 5% das intenções de voto nas pesquisas, mas tenta chegar ao segundo turno surfando a onda do quase um terço do eleitorado que não quer votar nem no ex-presidente Lula, nem em Bolsonaro.
Na busca pelo heterogêneo eleitorado que rejeita Lula e Bolsonaro, as imagens de domingo trouxeram ainda comparações com os protestos contra Dilma Rousseff a partir de 2015: houve faixas com menções à operação Lava-Jato, parte dos presentes com críticas ferrenhas ao PT, uso de camisetas brancas e alguns organizadores sendo contrários às bandeiras de partidos (o que rachou parte do movimento).
A mera presença dos presidenciáveis, no entanto, assim como o 7 de setembro girando em torno da figura de Bolsonaro, mostra que os tempos são outros. "Não vai ser uma eleição de negação da política. Não é mais 2018", diz Schulman.
Assim, de lulistas a bolsonaristas, os desafios de cada grupo continuam quase iguais aos que eram antes do feriado. E para os candidatos da chamada "terceira via", o ato pode ter sido um começo de consenso, mas ainda falta fechar um nome. "E esse nome não vai surgir da opinião pública, não há um nome que o eleitor fale 'beleza, é esse'. É a política que vai ter de propor", conclui Schulman. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Qual é o impacto das manifestações na construção para 2022?
As manifestações de domingo e também as de 7 de setembro [do presidente Jair Bolsonaro] não mudaram o cenário eleitoral, embora tenham mexido com o cenário político. Explico: depois do 7 de setembro, por exemplo, Bolsonaro se isolou mais politicamente, teve de fazer uma rendição na sequência, mas no ato falou para os eleitores dele e se radicalizou.
Já os atos de domingo acabaram difusos em termos de mobilização: já vinham sendo organizados há muito tempo, pelas mesmas duas forças das manifestações lavajatistas de 2015 [MBL e Vem pra Rua], embora sejam grupos distintos.
Há um ganho político na capacidade de levar as pessoas às ruas, é um primeiro ato, um grupo que tenta se aglutinar e ainda tem um longo caminho pela frente. Mas mostrou-se que são movimentos que não têm essa consistência de capacidade de organização que os movimentos tanto de esquerda quanto de apoio ao governo têm, não têm sindicato, não têm nada disso.
Dá para ganhar eleição sem conseguir levar gente para a rua?
É um desafio. Por outro lado, hoje há as redes sociais, e eles [grupos do 12 de setembro] têm alguma capilaridade aí. Mas não acho que houve perda do ponto de vista eleitoral. Só para os analistas políticos, mas por parte do eleitor não teve perda nenhuma. Vamos continuar com quem é lulista sendo lulista, quem é bolsonarista sendo bolsonarista, e essa margem grande que está a procura de um terceiro nome.
O 12 de setembro foi menor do que os atos de Bolsonaro ou atos anteriores da esquerda. A amplitude de pautas atrapalhou?
Em termos de estratégia, o 7 de setembro foi muito inteligente em concentrar a "foto do dia" em duas cidades, fizeram caravanas para esses lugares. Na manifestação de domingo, o dia começou em cidades que tinham manifestações muito pequenas, e isso pode ter atrapalhado a mobilização à tarde, o brasileiro gosta de ir em algo que pareça que vai ganhar.
Na Paulista, se for analisar, não tinha tão pouca gente, foi maior do que a primeira manifestação pelo impeachment da Dilma lá atrás. Mas ninguém sabia mais se era a favor do impeachment, contra Bolsonaro, contra Lula, pela terceira via. E as manifestações que dão certo são, no geral, contra algo: quem foi para o 7 de setembro não foi apoiar o Bolsonaro, foi se manifestar contra o STF. Esse protesto de domingo no fim seria pelo impeachment mas acabou virando sobre várias coisas e perdeu força.
Os presidenciáveis têm a imagem prejudicada aparecendo em uma manifestação mais vazia?
Os candidatos foram, mesmo com todos os problemas, porque a partir do momento que um foi, o outro não podia deixar de ir. Se não fosse, eles poderiam ficar como "traidores". O saldo seria mais negativo com relação ao eleitoral do que o que está sendo agora, com eles ligados a uma manifestação que não teve tanto sucesso. Então virou essa espécie de "comício da terceira via".
O movimento tem capacidade de crescer sem ter um candidato definido?
As pessoas ficam frustradas inicialmente com um ato mais esvaziado, mas o medo da volta do PT e da continuidade do Bolsonaro faz com que a procura por um terceiro candidato continue. E esse nome não vai surgir da opinião pública, não há um nome que o eleitor fale "beleza, é esse". É a política que vai ter de propor. E me parece que a política, esses grupos de centro se entenderam bastante no caso dessa manifestação. Foram quase todos os pré-candidatos para a rua, isso mostra um entendimento com relação à pauta.
No impeachment [de Dilma] não havia isso, os movimentos nem aceitavam os candidatos naquela época, era uma negação da política, os grupos dizendo que o movimento era "da sociedade civil". Agora foi ao contrário, o fato de os candidatos terem ido inclusive deu mais espaço até na mídia. Não é mais uma eleição de negação da política, isso foi 2018, não mais. Ficou demonstrado no próprio 7 de setembro, porque foi um movimento com o Bolsonaro, que é um político.
O palanque teve desde Ciro até o Partido Novo. Muitas vezes analisamos esses candidatos como um grupo de votos só, mas com tantos projetos, o eleitor de um candidato estaria disposto a trocar o voto para outro?
Tem de ser um candidato no campo "azul", porque os lulistas esse grupo não consegue ganhar. E também acho que o Ciro é um caso específico. Mas os eleitores dos outros candidatos sem dúvida podem migrar caso alguém se mostre com chances. E mesmo o eleitor do Ciro, se perceber que uma dessas alternativas da terceira via tem chance de ganhar do Lula, pode migrar.
A esquerda ganha algo com essa manifestação mais esvaziada do centro e da direita? E se a esquerda fizer um ato maior em 2 de outubro?
O Lula tem toda a chance de estar no segundo turno, com ato ou sem ato. Não acho que a rua vá mudar isso, nem para melhor, nem para pior. No segundo turno é outra história. Aí tem toda uma força antipetista desde a redemocratização, e dessa vez Lula chega com sua maior rejeição da história, não vai ser fácil para o PT. Mas isso ainda está muito longe.