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Governador pode contestar presidente? Até onde vai a autonomia dos estados

Em meio à crise do coronavírus, decreto de Bolsonaro que define academias, barbearias e salões de beleza como atividades essenciais é ignorado

Monumento à bandeira, Parque do Ibirapuera, São Paulo. 12 de maio de 2020.  (Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto/Getty Images)

Monumento à bandeira, Parque do Ibirapuera, São Paulo. 12 de maio de 2020. (Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 12 de maio de 2020 às 20h02.

Última atualização em 13 de maio de 2020 às 12h18.

O decreto editado ontem pelo presidente Jair Bolsonaro para incluir academias, barbearias e salões de beleza na lista de atividades essenciais abriu uma nova frente de conflito com o Supremo Tribunal Federal (STF) em meio à crise do coronavírus.

Em abril, a Corte garantiu a prefeitos e governadores autonomia para decidir sobre a intensidade das políticas de isolamento social em suas regiões. A votação foi uânime e respondeu a um pedido do PDT, depois de o presidente ter editado medida provisória centralizando as decisões sobre quais serviços essenciais deveriam ficar abertos durante a pandemia na União.

O Supremo decidiu que o presidente poderia somente, e mediante decreto, dizer quais são os serviços públicos e atividades essenciais possíveis de continuar funcionando, mas os entes não seriam obrigados a seguir as recomendações.

Desde então, o presidente já está no terceiro decreto e a lista de atividades com autorização para funcionar só cresce, apesar da resistência de governadores. Mas até que ponto eles conseguirão resistir?

No que depender da mais alta instância da Justiça, até onde quiserem. Para Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV em SP, os ministros deixaram claro que sua decisão foi embasada no fato de que o governo não pode afrouxar os critérios protetivos da saúde sem dar um embasamento técnico.

Historicamente, no entanto, nem sempre foi assim. "A tendência do STF sempre foi de dar poderes de centralização para a União. A primeira grande exceção foi quando restringiu a comercialização do amianto crisotila em território nacional", conta Glezer. Usado na fabricação de calhas e caixas-d'água, o material era permitido pelo governo federal, embora fosse proibido em alguns estados por ser cancerígeno. A Corte unificou o entendimento em 2017.

Glezer acrescenta que, apesar de o Brasil ser uma república federativa, a distinção de competências entre os entes não é bem definida, sendo decidida ao longo da história pela Justiça caso a caso. "Essa divisão é bastante confusa e exige quase sempre uma manifestação do STF para uma compreensão do que cabe ao estado, à União ou a ambos", diz. Ao longo dos últimos 30 anos, o STF nunca construiu uma jurisprudência que desse previsibilidade a essa questão, muito pelo contrário".

Pela Constituição, assuntos de interesse nacional devem ser decididos pela União, enquanto que políticas regionais podem ser definidas por governadores e prefeitos. A lei também faz uma divisão de competências entre os entes ferderativos:

"Umas cabem à União, outras, aos estados e municipios e outras são de competência comum aos três, como é o caso da Saúde. Por isso que vemos hospitais municipais, estaduais e federais, por exemplo", explica Patrícia Sampaio, professora da escola de direito da FGV Rio.

Chuva de decretos

Mesmo sabendo que, em última instância, os estados e municípios podem seguir com suas próprias políticas de isolamento, Bolsonaro segue dizendo que deve aumentar a lista de atividades essenciais que podem abrir. Esse movimento, segundo Glezer, é um ato de motivação muito mais política do que uma ação técnica ou uma tentativa de efetivamente gerar um ato jurídico concreto.

"Isso dá a ele uma narrativa politica que, por ele, a economia estava viva, andando, as pessoas mantinham os empregos, e, com isso, tenta colocar a responsabilidade da crise econômica nas medidas anunciadas pelos governadores", diz.

Segundo ele, se o governo estivesse coordenando a crise com coerência, seja qual fosse o plano, mas fazendo o que o sistema constitucional exige do Executivo, que é que ajude a criar consensos sobre temas complexos para a população e entre os poderes legislativo e judiciário, o Supremo não teria que tomar uma "atitude anormal para uma situação anormal". "O presidente abdicou de seu papel de coordenação entre essas diversas maiorias e minorias que compõe nosso ecosistema de decisões politicas no país", diz Glezer.

Já para Patrícia Sampaio, quando o presidente começa a incluir temas que absolutamente não se enquadram no conceito de serviço público essencial para a sobrevivência do ser humano, entra num terreno que ultrapassa a autorização que a lei deu a ele. "O que me parece que acontece é uma tentativa de desvio de finalidade", diz. Para a especialista, esse fato justificaria por si só uma ação que invalidasse o decreto.

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