Ataques às escolas: de 2000 a 2022, além das 35 mortes, foram 72 feridos (NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 27 de março de 2023 às 18h04.
Última atualização em 27 de março de 2023 às 18h13.
Um relatório apresentado durante os trabalhos de transição do governo federal em dezembro passado indica que 35 estudantes e professores tinham sido mortos em ataques a escolas no Brasil desde o início dos anos 2000. Antes disso, não há relatos de casos de violência em escolas no país.
Segundo o documento, os ataques praticados por alunos e ex-alunos "são normalmente associados ao bullying e situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem".
Nesta segunda-feira, 27, houve mais uma morte: a da professora Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, esfaqueada por um aluno de 13 anos de uma escola estadual da Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo. Outros três docentes e um estudante também foram machucados e o garoto, apreendido. A motivação ainda é investigada.
O documento afirma que os profissionais da educação precisam ser formados para identificar alterações de comportamento dos jovens e fatores psicológicos. Cita ainda que é preciso ficar atento a "interesse incomum por assuntos violentos e atitudes violentas, recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, agressividade e uso de expressões discriminatórias, e exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos".
Além disso, "é imprescindível um trabalho pedagógico em educação crítica da mídia e de combate à desinformação" e a presença permanente de psicólogos nas escolas, o que não é comum nas redes públicas.
A tabulação dos casos indica que, desde o início do ano 2000 até 2022, houve 16 ataques a escola no Brasil, quatro deles no segundo semestre do ano passado. Além das 35 mortes, foram 72 feridos.
Nos Estados Unidos, onde o número de casos é o maior do mundo, foram 554 vítimas ao todo, 185 mortos e 369 feridos em ataques violentos à escolas. O relatório cita números tabulados pelo jornal The Washington Post até maio de 2022, que contabiliza 331 escolas atacadas e 311 mil crianças em idade escolar afetadas pelos tiroteios ou expostas a violência armada no país.
"Formulamos um caminho na transição, que pode ser aprimorado, mas algo precisa ser feito com urgência. Confesso que me preocupa a letargia dos governos municipais, estaduais e federal com o tema. As escolas precisam ser seguras e respeitadas", diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do grupo de Educação na transição, Daniel Cara.
O ministro da Educação, Camilo Santana, disse acompanhar o caso com "consternação", manifestou solidariedade e disse que o ministério está à disposição das autoridades locais para colaborar. Procurado, o Ministério da Educação (MEC) informou que desde o início do governo, está trabalhando no desenho de uma política de melhoria do clima e da convivência escolar e de fortalecimento de ações intersetoriais para o diagnóstico e tratamento das questões relacionadas à violência.
O relatório intitulado relaciona a alta de casos de violência em escolas ao "processo de cooptação pela extrema direita" em "interações virtuais, em que o adolescente ou jovem é exposto com frequência ao conteúdo extremista difundido em aplicativos de mensagem, jogos, fóruns de discussão e redes sociais".
Em vários dos casos de violência, há associação com símbolos neonazistas, que aparecem com cada vez mais frequência em escolas e universidades. Em Aracruz (ES), onde três professoras e uma aluna morreram no ano passado, o atirador usava uma suástica. Sobre o ataque desta segunda na Vila Sônia, ainda não se sabe se houve inspiração desse tipo.
Entre os meios de cooptação, conforme o relatório, estão o "uso de jogos online como Roblox, Fortnite, Minecraft; uso de imagens de ataques e compartilhamento de manifestos de atiradores como método de propaganda."
Segundo os especialistas que participaram do grupo, a inclusão nas escolas de artefatos de segurança, como catracas, detectores de metais, dispositivos de identificação facial e seguranças armados "não vão enfrentar o impacto do ultrarreacionarismo extremista nos jovens e, pelo contrário, tende a aumentar as ameaças, pois afetará clima escolar — tornando-o potencialmente mais insalubre".
"No que se refere ao âmbito da escola, é preciso garantir que esta seja espaço de liberdade, criação, criatividade e criticidade", diz o documento. "Um ambiente escolar conflitivo não será o melhor caminho para combater nenhum tipo de violência", completa o documento.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) lamentou o ataque nas redes sociais. "Não tenho palavras para expressar minha tristeza com a notícia do ataque", disse ele, que afirmou ainda concentrar esforços para dar atendimento às vítimas e às famílias.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão no ano passado, o aumento da circulação de armas, acelerado pela política de facilitação de acesso à posse e ao porte na gestão Jair Bolsonaro, também contribui para esse cenário.