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Ataque a instituições nos levou a 2 ditaduras, diz Barroso em posse no TSE

Ministro fez crítica indireta ao presidente Jair Bolsonaro e afirma que é preciso "armar o povo com educação, cultura e ciência"

Luis Roberto Barroso: ministro tomou posse na presidência do TSE nesta segunda (Abdias Pinheiro/ASCOM/TSE/Flickr)

Luis Roberto Barroso: ministro tomou posse na presidência do TSE nesta segunda (Abdias Pinheiro/ASCOM/TSE/Flickr)

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Reuters

Publicado em 25 de maio de 2020 às 20h20.

Última atualização em 25 de maio de 2020 às 20h21.

O novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, tomou posse dando recados ao governo. Integrante também do Supremo Tribunal Federal (STF), ele disse que a Corte pode sim ser criticada, mas isso não pode justificar "o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las", o que já provocou "duas longas ditaduras" na história do país.

Barroso também criticou as deficiências no ensino brasileiro, dizendo que é preciso "armar o povo com educação, cultura e ciência". E elogiou mulheres líderes de governos estrangeiros que tomaram medidas restritivas para frear a epidemia de covid-19, caminho oposto ao defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, que acompanhou a cerimônia de posse por videoconferência.

Ele não citou, mas ao falar das ditaduras do passado se referia ao Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e à ditadura militar (1964-1985), regime que costuma ser exaltado por Bolsonaro. Além disso, na reunião ministerial de 22 de abril, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse: "Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca." O vídeo do encontro foi divulgado na última sexta-feira por ordem do ministro do STF Celso de Mello.

— Só quem não soube a sombra não reconhece a luz que é viver em um Estado constitucional de direito, com todas as suas circunstâncias. Nós já percorremos e derrotamos os ciclos do atraso. Hoje, vivemos sob o reinado da Constituição, cujo intérprete final é o Supremo Tribunal Federal. Como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade. Cabe lembrar, porém, que o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República — disse Barroso.

Na mesma reunião, Bolsonaro, que tem uma política de liberar armamentos e munições, pregou que o povo se armasse para evitar uma ditadura. O presidente afirmou na ocasião: "Como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo!"

Nesta segunda-feira, Barroso disse:

— A falta de educação produz vidas menos iluminadas, trabalhadores menos produtivos e um número limitado de pessoas capazes de pensar criativamente um país melhor e maior. A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência.

Barroso começou seu discurso com uma mensagem de solidariedade às pessoas que perderam alguém para a doença, ou que ficaram desempregadas em razão da pandemia. Ele citou três objetivos de sua gestão: uma campanha pelo voto consciente; atrair jovens para a política; e o "empoderamento feminino", ou seja, atrair também mulheres para a política e postos-chave.

Ao falar das mulheres, não chegou a criticar diretamente Bolsonaro, mas elogiou duas líderes que tomaram medidas restritivas para frear a pandemia: a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. O presidente brasileiro, por outro lado, é crítico das restrições adotadas por governadores e prefeitos.

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, da qual participaram Bolsonaro e seus ministros, faz parte do inquérito aberto na Corte para investigar as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Ele apontou a reunião como uma das provas de que Bolsonaro tentou interferir no trabalho da Polícia Federal (PF). O vídeo foi divulgado quase na íntegra e revelou outros episódios, como as críticas de Weintraub.

No despacho em que liberou a gravação, Celso de Mello disse ter constatado "a ocorrência de aparente prática criminosa, que teria sido cometida pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub". Também mandou oficiar cada um dos demais ministros da Corte para que "possam, querendo, adotar as medidas que julgarem pertinentes". Segundo Celso, a declaração do ministro da Educação é uma "gravíssima aleivosia" e "põe em evidência, além do seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria, que tal afirmação configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria)".

Posse virtual

Barroso ficará no posto até fevereiro de 2022. A cerimônia de posse foi virtual, em razão da pandemia de covid-19. Os convidados participaram à distância, por vídeo. Foi o caso, por exemplo, do presidente Jair Bolsonaro, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.

No plenário do TSE, estavam presentes apenas o próprio Barroso, sua antecessora no cargo, ministra Rosa Weber, o novo vice-presidente da Corte, Edson Fachin, e o ministro Luis Felipe Salomão. Para minimizar os riscos de contágio pela doença, todos eles ficaram a mais de dois metros de distância um do outro.

Felipe Santa Cruz, da OAB, também deu seu recado ao governo. Ele afirmou que a democracia brasileira enfrenta um “enorme desafio”. Segundo Santa Cruz, que já trocou críticas públicas com Bolsonaro, a crise de saúde provocada pela pandemia tem se agravado em função da “instabilidade política”.

Na última sexta-feira, o presidente da OAB criticou a nota em que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno citou “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” caso houvesse uma determinação de busca e apreensão do celular do presidente.

– A situação do país torna-se ainda mais grave diante de posturas autoritárias que afrontam as determinações científicas e negam a realidade.  A falsa dicotomia criada entre cuidar da saúde e cuidar da economia coloca o país numa das piores situações em todo o mundo. Com a enorme dificuldade de coordenação da crise sanitária, também não conseguimos implementar medidas mais eficazes de manutenção de empregos e para salvar o micro e o pequeno empresário.

O quadro de grande instabilidade exige de todas as instituições redobrada atenção. Afrontas, ameaças institucionais e tentativa de desrespeito à Constituição não podem ser admitidas. Nesse sentido, grande importância tem tido o Poder Judiciário – disse o presidente da OAB.

Barroso demonstrou preocupação com as "fake news", chamando seus disseminadores de "terroristas virtuais". Mas também afirmou que a atuação da Justiça Eleitoral é limitada para enfrentar o problema. Segundo ele, isso é uma tarefa principalmente para as empresas de tecnologia, para a imprensa profissional e para a própria sociedade.

— Uma das grandes preocupações da Justiça Eleitoral são as chamadas fake news ou, mais apropriadamente, as campanhas de desinformação, difamação e de ódio. Refiro-me às informações intencionalmente falsas e deliberadamente propagadas. A internet permitiu a conexão de bilhões de pessoas pelo mundo afora em tempo real, dando lugar a fontes de informação independentes e aumentando o pluralismo de ideias em circulação. Porém, na medida em que as redes sociais adquiriram protagonismo no processo eleitoral, passaram a sofrer a atuação pervertida de milícias digitais, que disseminam o ódio e a radicalização. São terroristas virtuais que utilizam como tática a violência moral, em lugar de participarem do debate de ideias de maneira limpa e construtiva — disse Barroso.

Assim como já havia feito antes, o ministro voltou a defender uma reforma nos sistema eleitoral para "baratear o custo das eleições, aumentar a representatividade parlamentar e facilitar a governabilidade". Também sustentou mais uma vez que, caso adiadas as eleições municipais de 2020 em razão da pandemia, isso seja pelo menor prazo possível e sem a prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores.

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