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Assassinato de Marielle provoca apelos por investigação rigorosa

PSOL afirmou que vereadora havia acabado de denunciar a ação de policiais militares na região do Irajá, na comunidade de Acari

Marielle Franco: vereadora foi alvejada com tiros na cabeça dentro do carro em que estava com outras duas pessoas por um atirador que disparou nove vezes (Ricardo Moraes/Reuters)

Marielle Franco: vereadora foi alvejada com tiros na cabeça dentro do carro em que estava com outras duas pessoas por um atirador que disparou nove vezes (Ricardo Moraes/Reuters)

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Reuters

Publicado em 15 de março de 2018 às 15h55.

Última atualização em 15 de março de 2018 às 16h08.

Rio de Janeiro - A vereadora carioca e ativista de direitos humanos Marielle Franco (PSOL), que denunciava abusos em ações da polícia em favelas, foi morta a tiros na noite de quarta-feira no Rio de Janeiro, que está sob intervenção federal na área de segurança, provocando comoção e apelos por uma investigação rigorosa.

Marielle, de 38 anos e criada no Complexo da Maré, foi alvejada com tiros na cabeça dentro do carro em que estava com outras duas pessoas por um atirador que disparou nove vezes de um outro carro. O motorista do veículo da parlamentar também morreu, e uma assessora da vereadora ficou ferida.

O caso ocorreu no bairro do Estácio, na zona norte da capital fluminense, e o autor dos disparos fugiu sem levar nada. A motivação do crime está sendo investigada pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio, inclusive a hipótese de execução.

"Vamos adotar todas as formas possíveis e impossíveis para dar uma resposta necessária e suficiente a esse caso gravíssimo", disse o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. "Uma das possibilidades em análise sim é de execução... não descartamos nenhuma possibilidade. Foi um crime bárbaro que não vai ficar impune", afirmou.

Amigos e aliados da deputada disseram que o crime tem características de uma execução.

"Nós não temos conhecimento de nenhuma ameaça, a família não tem conhecimento de nenhuma ameaça, mas as características do assassinato são características muito evidentes de uma execução", disse a repórteres o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), mentor político de Marielle.

O assassinato de Marielle ocorreu em meio a uma intervenção federal no Estado na área de segurança pública adotada desde o mês passado, devido a uma escalada da violência e a uma profunda crise financeira que afetou a capacidade de investimento nas forças policiais.

Em nota, o PSOL cobrou uma "apuração imediata e rigorosa" e afirmou que Marielle havia acabado de denunciar a ação de policiais militares na região do Irajá, na comunidade de Acari.

"Não podemos descartar a hipótese de crime político, ou seja, uma execução. Marielle tinha acabado de denunciar a ação brutal e truculenta da PM na região do Irajá, na comunidade de Acari. Além disso, as características do crime com um carro emparelhando com o veículo onde estava a vereadora, efetuando muitos disparos e fugindo em seguida reforçam essa possibilidade", disse o partido.

Organizações de defesa dos direitos humanos, como Human Rights Watch e Anistia Internacional, cobraram uma investigação "rigorosa" do caso.

"Marielle Franco é reconhecida por sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da violência policial. Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação e autoria do assassinato de Marielle Franco", disse a Anistia.

O Sistema ONU no Brasil manifestou "consternação" com a morte da vereadora, a quem descreveu como "um dos marcos da renovação da participação política das mulheres, diferenciando-se pelo caráter progressista em assuntos sociais no contexto da responsabilidade do Poder Legislativo local".

Centenas de pessoas se reuniram em frente à Câmara Municipal do Rio, no centro da cidade, para homenagear Marielle, cujo corpo será velado no local durante a tarde. O público de maioria feminina ocupou as escadarias do prédio, na região central, e muitas pessoas levaram cartazes com frases como "Marielle não se calará" e "Estão nos matando".

Também foi estendida uma grande faixa contra a intervenção federal na segurança pública do Rio, e houve um ato com discursos em apoio às causas defendidas pela vereadora. "Marielle Franco, presente sempre", gritaram os presentes diversas vezes durante a cerimônia.

"Quantos mais?"

Dias antes de morrer, a vereadora havia acusado a Polícia Militar de cometer abusos na favela de Acari em uma publicação no Twitter, e na véspera do assassinato, cobrou o fim da violência: "Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?", questionou.

"O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!", escreveu Marielle no dia 10 de março.

Horas antes do assassinato, Marielle participou de um evento com mulheres negras, em que fez um discurso defendendo avanços. "É a gente que está morrendo, é o nosso povo que está morrendo, então a gente tem que lidar para avançar", disse, de acordo com vídeo divulgado em suas redes sociais.

Marielle foi a quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016, em seu primeiro mandato político, com mais de 46 mil votos. Socióloga e mestra em Administração Pública,ela levou sua luta em defesa das minorias ao Legislativo carioca. Ela era relatora comissão que acompanhará a intervenção federal no âmbito da Câmara Municipal.

O governo federal informou, por meio de nota da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, que acompanhará toda a apuração do assassinato da vereadora, e que o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, colocou a Polícia Federal à disposição para auxiliar em toda investigação.

O presidente Michel Temer convocou uma reunião com autoridades de segurança para discutir a segurança no Rio nesta manhã no Planalto, e escreveu mensagem no Twitter prometendo que "esse crime não ficará impune".

Temer disse ainda que Jungmann iria ao Rio acompanhar as investigações, e afirmou que o assassinato trata-se de "um atentado ao Estado de Direito e à democracia".

Ao participar de uma cerimônia em Fortaleza nesta manhã, Jungmann disse que estava "assumindo o compromisso de que esses que cometeram esse bárbaro crime, ceifando uma vida jovem, não ficarão impunes. O tempo que for necessários nós não descansaremos".

Para o ministro da Justiça, Torquato Jardim, a morte não põe em xeque a eficácia da intervenção federal.

"Foi uma tragédia. Mais uma tragédia diária do Rio de Janeiro, lamentável. É preciso conhecer bem as razões e ir atrás dos responsáveis. Isso não põe em xeque a eficácia da intervenção federal", disse, ao ser questionado sobre a morte durante participação em evento em São Paulo.

(Reportagem adicional de Maria Clara Pestre, no Rio de Janeiro; Ricardo Brito, em Brasília, e Eduardo Simões, em São Paulo)

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