Jair Bolsonaro: fundadora da associação Tortura Nunca Mais afirma que ascensão do candidato do PSL está levando à disseminação da intolerância e do fundamentalismo (Andre Coelho/Bloomberg/Bloomberg)
AFP
Publicado em 25 de outubro de 2018 às 14h45.
Última atualização em 25 de outubro de 2018 às 14h45.
Cecília Coimbra foi torturada durante a ditadura (1964-1985) e, hoje, aos 77 anos, diz viver um "filme de terror", ao ver o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, um nostálgico do regime militar, a um passo de ser eleito presidente.
Fundadora da associação Tortura Nunca Mais, esta psicóloga confessou, em entrevista à AFP, que teme por todo o povo brasileiro se, como indicam as pesquisas, se confirmar no próximo domingo a vitória do capitão do Exército na reserva, que elogiou torturadores em várias ocasiões.
Como a senhora descreve as torturas a que foi submetida?
Cecília Coimbra - Foi um terror inimaginável. É inimaginável e indizível. Por mais que a gente diga o que é, a gente não consegue passar o terror que é. Na hora eu pensava: não estou vivendo isso, é um pesadelo, não está acontecendo. Eu nunca fiz parte do MR8 [movimento de luta armada que se insurgiu contra a ditadura], mas me tornei aliada deles no sentido de, inclusive, apoiá-los em varias ações. Várias pessoas ficavam escondidas na minha casa. Em agosto de 1970, eles invadiram a casa da minha mãe, levaram o meu marido do trabalho dele e a denúncia era que eu era ligada ao sequestro do embaixador norte-americano. Fiquei três meses e meio sem nenhuma acusação formal, sem ver a luz do sol. Só saia da cela para ir para a chamada sala roxa, que era a sala onde tinha tortura. Pensei que meu filho tivesse sido entregue ao juizado de menores até minha mãe conseguir entrar em contato comigo e mandar uma foto dizendo que estava bem. Isso também tinha sido uma grande tortura.
Qual era a atitude dos torturadores?
CC - Era uma tortura extremamente machista. As mulheres são colocadas nuas e xingadas: "Sua puta, sua comunista. Com quantos você trepou, sua vagabunda?". Quando um casal era preso, era muito comum um ser torturado na frente do outro. Um dia, amarraram um filhote de jacaré, puxavam por uma corda no pescoço e uma vez me amarraram nua em uma cadeira e passavam o jacaré pelo meu corpo. Os choques elétricos são uma coisa indescritível também. Você está molhada para o choque ser mais intenso. Uma ponta do fio é colocado no seu dedo e a outra ponta vai percorrendo o teu corpo, é colocado no nariz, é colocado no ouvido, na boca, na vagina, na ponta do seio, no ânus, nos lugares mais sensíveis e mais úmidos. Eles torturavam porque não tinham o que fazer.
Como se sente ao ver Jair Bolsonaro prestes a ser eleito presidente da República?
CC - A sensação que eu tenho é que estou vivendo um filme de terror. Também me digo que isso é um pesadelo, isso não está acontecendo. Não é possível que esteja voltando de novo, de uma forma muito violenta, muito brutal. O fascismo, acho, está rondando a todos nós. Independente[mente] desse fascista ganhar ou não, está se produzindo uma coisa que é muito perigosa. O mais perigoso de tudo é essa produção de subjetividades extremamente fascistas que estão se espalhando pelo Brasil: a intolerância, o moralismo, os fundamentalismos, onde você não tolera a diferença. Isso é fascismo e estamos vivendo isso. No momento em que essa pessoa fascista ganhar, se institui o fascismo. Temo pelos negros, homossexuais, indígenas. Temo por todo o povo brasileiro. Temo pelos meus filhos, pelos meus netos. Mas não pretendo ficar calada, não pretendo sair do país, como não saí da outra vez. A gente [as vítimas da ditadura] tem que ter força para dizer: vamos continuar resistindo. Sabemos que temos papel importante para mostrar os perigos que a gente está vivendo, que a democracia está vivendo.