Brumadinho: até agora há 65 mortos e 288 desaparecidos (Washington Alves/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 29 de janeiro de 2019 às 18h28.
Última atualização em 29 de janeiro de 2019 às 19h35.
São Paulo — As leis destinadas à proteção do meio ambiente no Brasil são consideradas pela comunidade ambiental como uma das mais avançadas do mundo.
São inúmeros os temas em que há legislação vigente, como recursos hídricos, crimes ambientais, educação ambiental, áreas protegidas, poluição, patrimônio genético, proteção das florestas e dos biomas, combate ao desmatamento, fomento à aquicultura e à pesca, resíduos sólidos, desertificação e mudanças climáticas.
Nas palavras de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008), o "Brasil tem um acervo institucional, base da governança socioambiental, que é composto por mais de 20 leis federais abrangentes".
Apesar de toda a regulamentação em vigor, o Brasil, em especial Minas Gerais, é responsável atualmente por 25% de todos os rompimentos de barragens do mundo.
Na semana passada, os brasileiros assistiram a uma das maiores tragédias ambientais da história do país: o rompimento de uma barragem da empresa Vale, em Brumadinho, Minas Gerais.
Até agora, o balanço de mortos chegou a 65 pessoas e o número de desaparecidos está em 288, segundo informações do Corpo de Bombeiros mineiro.
A fauna e a flora da região, além de atrativos turísticos e ativos econômicos, ficaram soterrados embaixo de lama de rejeitos de minério. O rio Paraopeba, que abastece várias cidades da região, já começa a mostrar os rastros da contaminação.
"Qualquer infração ambiental no país gera três tipos de responsabilidade: a civil, a administrativa e a penal. Por isso, não tem que se discutir se em Brumadinho houve ou não crime ambiental, mas sim quem são os responsáveis", diz Rodrigo Moraes, professor de direito ambiental no IDP-SP e na PUC-SP.
Para especialistas ouvidos por EXAME, o problema central dos crimes ambientais não está na formulação das leis, mas sim na fiscalização e eficiência do Estado brasileiro.
"O problema todo é que nós não temos fiscais. Quando você consegue montar um corpo de fiscalização eficiente esse pessoal aposenta. Você tem sempre aquela inércia do Estado brasileiro, que é um elefante aleijado na subida, e fica muito difícil prosseguir", explica Carlos Barreira Martinez, professor de engenharia hidráulica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O desastre Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015, segue até hoje sem respostas à sociedade e, principalmente, à população local mais afetada pelo rompimento da barreira de rejeitos da Samarco, controlada pela Vale com a BHP Billiton.
Três anos se passaram e não foi pago nenhum centavo de multa ambiental ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o órgão, os valores ultrapassam 350 milhões de reais.
Isso foi possível porque todas as vezes em que a Samarco entrou na Justiça recorrendo das multas, o Judiciário foi favorável à empresa.
Klemens Laschefski, professor de Estudos de Geociência na UFMG, trabalha há quase 20 anos com licenciamento ambiental no estado.
Para ele, que compareceu a inúmeras reuniões para aprovar os pedidos de licença do Conselho Estadual de Política Ambiental, nada mudou depois da tragédia em Mariana, que deixou 19 mortos e dezenas de desabrigados.
"Nada foi aprendido depois de Mariana. Ouso dizer que aconteceu ao contrário: o sistema de governança ficou perverso. São escândalos sem tamanho, que funciona à base de tráfico de influência política", diz Laschefski.
Além disso, especialistas também apontam para uma "porta giratória" de quadros entre o setor público e privado que favorece a leniência e a chamada "autoregulação" do setor.
Entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2019, apenas um projeto minerário foi barrado na câmara técnica do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam) em 40 reuniões realizadas, segundo revelou Maria Teresa Corujo, representante do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc).
Com baixo efetivo de fiscais do governo e com a insuficiência do Judiciário, a alternativa, de acordo com os especialistas, é apostar em mudanças estruturais do Estado.
O engenheiro Martinez sugere que o Brasil olhe para exemplos de fora. "Os americanos também tiveram sérios problemas com desastres e fiscalização, o que eles fazem? Colocaram o exército. Não estou dizendo que vai o soldado de metralhadora, mas sim o engenheiro militar, que tem de função entre outras coisas trabalhar com fiscalização e segurança de barragens", afirma.
Já Laschefski aponta para uma mudança drástica sobre a forma como os projetos são aprovados.
"Hoje, há políticos e empresários envolvidos nessa indústria, que decidem o que é aprovado e o que não é. A sociedade civil não tem nenhuma voz. É preciso acabar com esse sistema violento", completa.
Em 1981, sete anos antes da elaboração da Constituição Federal, o país aprovou uma das principais leis ambientais, a Lei 6.938/1981.
Nela, se instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente como principal instrumento para estruturar o conjunto de instituições, atores sociais e políticas públicas nas três esferas de governo, no que foi chamado de Sistema Nacional de Meio Ambiente.
Depois, em 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso promulgou a Lei de Crimes Ambientais ou Lei da Natureza, que definiu quais são as infrações que podem ser passíveis de sanções tanto penais como administrativas.
Nessa legislação, se enquadram inúmeros tipos de crime: agressões à fauna e à flora, poluição com danos à saúde humana e aos animais, além de punições por violações contra a administração ambiental.