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Relembre as 7 votações no STF que definiram 2019

Da criminalização da homofobia à derrubada da prisão em 2ª instância, a mais alta corte do país esteve em diversos momentos no centro dos debates do Brasil

STF: órgão estuda medidas de segurança  (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

STF: órgão estuda medidas de segurança (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Clara Cerioni

Publicado em 28 de dezembro de 2019 às 09h00.

Última atualização em 28 de dezembro de 2019 às 10h00.

São Paulo — O ano de 2019 foi conturbado para os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em meio a diversas votações controversas, como a derrubada da prisão em segunda instância e a criminalização da homofobia, e protestos de rua que os colocaram como alvo, o número de pedidos de impeachment dos magistrados atingiu neste ano um patamar recorde.

Desde janeiro, foram 14 representações contra integrantes da Corte, cinco a mais do que no ano passado. O presidente do STF, Dias Toffoli, é o mais visado. Metade das tentativas protocoladas neste ano foram para que ele perdesse o cargo.

No entanto, o Senado, responsável por dar continuidade aos pedidos, engavetou todos os pedidos de destituição dos magistrados.

Veja a seguir os sete julgamentos com maior repercussão neste ano:

1. Criminalização da homofobia

A votação que criminalizou a homofobia e a transfobia no Brasil foi a mais longa do ano, com seis sessões ao total, que começaram em fevereiro e seguiram até junho.

Com o placar final de 8 a 3, o tribunal entendeu que a legislação sobre racismo, em vigor desde 1989 no país, também deve ser aplicada para quem praticar condutas discriminatórias contra a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais).

Os ministros, no entanto, fizeram ressalvas, no sentido de deixar claro que a repressão contra essas condutas não restringe o exercício de liberdade religiosa.

Isso significa que fiéis, pastores e líderes religiosos têm assegurado o direito de pregar suas convicções, desde que essas manifestações não se convertam em discursos de ódio, incitando hostilidade ou a violência contra a comunidade LGBT. 

Na ocasião, havia duas ações em julgamento, ambas apontando a omissão do Congresso Nacional, que há 18 anos, desde 2001, discute o tema, mas não define uma lei para punir os agressores.

O decano e relator de uma das ações no STF, o ministro Celso de Mello, fez um voto considerado “histórico” por colegas. Ele apontou para a “inércia” e “omissão” do parlamento com o tema. 

2. Competência da Justiça eleitoral

Em uma votação apertada, os ministros decidiram, em março, por seis votos a cinco que a Justiça Eleitoral brasileira pode conduzir inquéritos de políticos investigados na Operação Lava Jato, quando há crimes correlatos.

Isso significa que a Justiça Eleitoral irá julgar crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, se houver correlação com crimes de sua competência, como caixa dois eleitoral. 

Essa seria a primeira decisão do ano onde a corte foi acusada de esvaziar as investigações da Lava Jato pois a Justiça Eleitoral seria, em tese, mais branda e lenta do que a justiça comum, além de menos preparada para lidar com outros tópicos.

Durante as sessões, integrantes da força-tarefa do Ministério Público Federal argumentaram que essa mudança pode levar até a prescrição e eventual anulação de investigações.

3. Crédito tributário da Zona Franca de Manaus

Em abril, o plenário do STF decidiu que empresas de fora da Zona Franca de Manaus que compram insumos isentos do imposto da região podem contabilizar como crédito tributário o valor do IPI, como se o tributo tivesse sido pago. 

A tese fixada pelos ministros da Corte foi a de que “há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus, sob o regime da isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante na Constituição”.

A decisão do tribunal foi alvo de críticas por parte do ministro da Economia, Paulo Guedes, que disse que a norma “dificulta a solução do problema fiscal”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estimou, na época, um impacto negativo de ao menos R$ 49,7 bilhões em cinco anos.

4. Privatização de subsidiárias

Por 9 a 2, o STF decidiu em junho que o governo federal não pode vender estatais sem aval do Congresso Nacional e sem licitação, mas autorizou a venda de subsidiárias sem necessidade de autorização legislativa.

Na ocasião, os ministros derrubaram parte de uma decisão provisória concedida no ano passado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que havia proibido a venda.

Na mesma semana, o ministro Edson Fachin revogou a proibição da venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras com foco em gás natural. Dez dias depois, a petroleira concluiu a venda de 90% da sua participação na empresa.

O grupo formado pela Engie e pelo fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ) pagou R$ 33,5 bilhões à Petrobras, dos quais cerca de R$ 2 bilhões serão destinados à liquidação da dívida da TAG com o BNDES.

Segundo o Ministério da Economia, o governo brasileiro tem hoje 134 estatais, das quais 88 são subsidiárias, e a privatização sempre foi apontada como uma das prioridades do governo.

5. Ordem das alegações em casos de delação premiada

Na segunda batalha do ano entre Lava Jato e STF, a operação seria novamente derrotada. Em agosto, por três votos a um, a Segunda Turma do STF, composta por cinco membros, derrubou uma condenação do ex-juiz federal Sergio Moro envolvendo o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine

A sentença, que havia sido proferida em 2018, determinou prisão de 11 anos do executivo pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Essa foi a primeira vez na história que uma condenação do ex-magistrado no âmbito da operação foi anulada pelo STF.

Os magistrados acataram uma alegação da defesa do ex-executivo de que, durante as investigações da Lava Jato, Bendine foi alvo de delações premiadas por representantes da Odebrecht e, por isso, deveria ter sido o último a se pronunciar no processo.

Contudo Moro determinou, durante as conduções dos processos na primeira instância da Lava Jato, que tanto Bendine quanto os delatores apresentassem suas alegações finais no mesmo período.

Apesar de o direito do réu de falar por último ser garantido no artigo 222 do Código de Processo Penal, não havia nenhuma definição na lei de delação que sustentasse esse entendimento. Assim, o processo movido contra Bendine voltou para a primeira instância da Justiça para um nova sentença.

Na época, a força-tarefa da Lava Jato manifestou "imensa preocupação" com a decisão e alertou para um "efeito-cascata" de anulação de processos — o que, na prática, não aconteceu.

6. Fim da prisão em 2ª instância

O julgamento mais conturbado do ano foi, sem dúvidas, sobre a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, entendimento adotado pela própria corte em 2016.

Em resumo, após quatro sessões, por seis a cinco, venceu a tese de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", como está explícita na Constituição Federal de 1988.

A discussão ganhou proporção porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava preso desde abril de 2018, seria o mais notório beneficiado da decisão. E de fato, um dia depois de encerrada a votação, a justiça autorizou sua soltura até que todos os recursos de defesa se esgotem.

Além dele, outras 4.895 pessoas presas no país, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, também se beneficiaram do novo entendimento, como o DJ Rennan da Penha, criador do Baile da Gaiola, e José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil durante governo Lula. 

Apesar do julgamento no STF, atualmente, o Congresso Nacional tenta encontrar soluções para alterar o entendimento da Constituição e também do Código de Processo Penal para autorizar o cumprimento da pena após condenação em segunda instância. Os debates, no entanto, ainda estão em comissões.

7. Compartilhamento de dados pelo Coaf

No último julgamento de repercussão do ano, o STF autorizou o compartilhamento irrestrito de dados sigilosos de órgãos de controle financeiro como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Receita Federal sem prévia autorização judicial. 

O debate foi necessário porque, em julho, o presidente da corte, Dias Toffoli, acatou um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, e suspendeu as investigações sobre suspeita de "rachadinha", quando era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Em dezembro de 2018, um relatório do Coaf apontou uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do senador, quando ainda era deputado estadual do Rio de Janeiro. O documento aponta Fabrício José Carlos de Queiroz, servidor do seu gabinete na Alerj, como responsável pelas movimentações.

Desde a liminar de Toffoli, mais 900 investigações foram suspensas. Na sessão, o STF decidiu que não é mais necessária autorização judicial prévia para o compartilhamento de dados sigilosos em duas situações: quando há uma comunicação espontânea dos órgãos de fiscalização com o Ministério Público e quando o MP pede dados de suspeitos em investigações que já estão em andamento. 

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