LUCAS DE ARAGÃO: reforma política é que nem paraíso – todo mundo quer, mas não agora / Reprodução
Raphael Martins
Publicado em 19 de outubro de 2016 às 20h31.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.
A esperada prisão do ex-deputado federal Eduardo Cunha causou reação imediata de parlamentares. Uma das mais emblemáticas foi a declaração do senador petista Lindbergh Farias: “Eu, sinceramente, espero que ele faça uma delação. Se ele fizer uma, o governo de Michel Temer não se sustenta por um dia”.
Outros estão menos otimistas quanto ao potencial explosivo de uma possível colaboração de Cunha com as investigações. Para Lucas de Aragão, diretor da consultoria política Arko Advice, os trâmites de uma negociação com o Ministério Público Federal levam tempo demais para que a governabilidade de Temer seja afetada. Ao menos por ora.
“Se o governo estiver muito atento a alinhar a base, haverá um antídoto contra o poder desestabilizador da Operação Lava-Jato via Congresso”, diz o cientista político. “Mantendo a governabilidade ainda há como avançar a agenda em meio à turbulência”.
Segundo Aragão, o momento é muito mais sensível às delações de Marcelo Odebrecht e de executivos da empreiteira, a quem atribui “potencial destrutivo” tão grande quanto a possível delação de Cunha, mas com a iminência de causar consequências palpáveis.
O presidente Michel Temer disse nesta semana que não se preocupava com a delação da Odebrecht com relação às articulações no Congresso. Cunha é diferente de alguma forma? O ajuste está ameaçado por uma delação ou denúncias contundentes só saem depois que as votações forem feitas?
Em curto prazo não tem impacto na votação da PEC dos gastos, na Câmara ou no Senado. É apenas um potencial risco. Está muito cedo para dizer, mas pode causar algum impacto na reforma da Previdência, que é um processo que deve se estender mais. Tem que levar em consideração que o Rodrigo Janot [procurador-geral da República] já insinuou que um acordo de colaboração premiada com Cunha seria difícil. Não é porque ele tem vontade que a delação vai ser aceita. Há uma negociação imensa, com toda a burocracia para que seja apresentada, homologada, confirmada e que integre um inquérito futuro. É uma novela, como vemos com a delação da Odebrecht, que se arrasta a meses e meses. Se o governo estiver muito atento a alinhar a base, há um antídoto contra o poder desestabilizador da Operação Lava-Jato via Congresso. Mantendo a governabilidade ainda há como avançar a agenda em meio à turbulência. Até porque já era esperada há muito tempo essa prisão.
Ainda assim, o núcleo do governo tentou de todo jeito se descolar de Cunha logo após a prisão. Que estratégias serão usadas daqui em diante?
O Cunha na Lava-Jato promete desdobramentos incômodos, dado o poder que detinha diante do PMDB federal e estadual. Mas acho que o governo vai tocar o barco como se nada tivesse acontecido. A postura será de que o problema do Cunha é só dele. Não é deputado, não é ministro, não é secretário. Será encarado como um político do PMDB e acabou. O governo silenciou porque não pode se manifestar, tudo para não correr o risco para trazer para ‘dentro de casa’ um problema desse tamanho. O caminho é trabalhar para avançar sua agenda e continuar com a base coesa, sem se preocupar com Cunha. A Lava-Jato mudou a rotina institucional do Brasil e não vai acabar tão cedo. O governo tem que absorver isso.
Como vão isolar o assunto assim?
Dando total atenção a base aliada para mantê-la satisfeita, com ações rápidas caso respingos venham a cair em pessoas próximas ao governo, avançando na agenda econômica, não dando tréguas ao ajuste fiscal, ficando atento a lealdade dos partidos. É fazer o básico do presidencialismo de coalizão.
Dá para se isentar dessa forma?
Veja o que aconteceu com o impeachment. Assim que o processo virou assunto, só se falava de impeachment dentro do governo. Cada discurso tinha impeachment. A própria Dilma alimentou o problema, pois só falava dele. Colocou na boca do povo e nas manchetes dos jornais. É algo que Temer não pode — e não vai — fazer.
O que se altera no jogo político essa ameaça de delação de Eduardo Cunha? É tão incendiária quanto se fala?
Tenho dificuldade em acreditar que o Ministério Público Federal (MPF) aceitaria uma delação de Cunha tão fácil. Ele tem que entregar na delação algo maior que ele, com as devidas provas. Mesmo com o controle que ele exerce em parlamentares, o MPF não aceitaria trocar Cunha por inúmeros deputados de baixo clero que cometeram crime de distribuição de caixa dois. É errado, mas é o crime eleitoral mais comum do Brasil há 500 anos. O Cunha com conta na Suíça, ex-presidente da Câmara, com porcentagem de contratos na Petrobras, investigação de propina em projetos de governo federal, propinas para aprovar projetos de lei e medidas provisórias, participações escusas em PPPs é muito mais interessante que os colegas com crimes menores. Precisa ter algo muito bom. Será preciso contar uma história melhor do que a que ele representa.
Em quanto tempo uma negociação de delação pode impactar de forma significativa o governo — se é que impactaria?
Acho que não deve impactar a governabilidade no curto nem médio prazo. Algo assim depende de um processo muito longo. Cunha traz calafrios em Brasília por ser um homem poderoso, que transitou em todos os campos políticos. Claro que causa uma situação desconfortável. Mas, por enquanto, não passa disso. Nos próximos meses teremos muito mais especulação que fatos novos. Acho que a bomba por agora é Marcelo Odebrecht, que tem potencial destrutivo tão grande quanto e está muito mais próximo de causar consequências palpáveis.