LUCAS DE ARAGÃO: reforma política é que nem paraíso – todo mundo quer, mas não agora / Reprodução (foto/Exame Hoje)
Da Redação
Publicado em 24 de novembro de 2016 às 10h34.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
Lucas Amorim
Enquanto avançam as investigações da Lava-Jato, e se confirmam as delações da Odebrecht, o legislativo se defende. Nesta quinta-feira, a Câmara deve forçar uma série de mudanças no pacote das Dez Medidas contra a corrupção, proposto pelo Ministério Público. O Congresso está de costas para a pressão das ruas? Vai conseguir barrar a Lava-Jato? Sobre esses temas, EXAME Hoje ouviu Lucas de Aragão, sócio da consultoria Arko Advice e um dos mais argutos observadores do jogo político em Brasília. Aragão tem uma única certeza: a reforma política é mais importante do que nunca.
Há quem diga que esse é o pior Congresso que o país já teve. O Congresso é mais fisiológico do que a média?
Nosso Congresso é tão fisiológico quanto sempre foi. A diferença é que os ataques estão acima da média, vindos da imprensa, do judiciário, do Ministério Público. Então as respostas também estão acima da média. O mundo político está acuado. Um senador poderoso, o Delcidio, foi preso; o Senado foi invadido por determinação de um juiz de primeira instância. O Congresso até demorou a reagir. O Ministério Público é um sucesso de público e crítica, e os deputados e senadores não sabem muito bem como se proteger.
Os deputados sabem exatamente o que estão fazendo no pacote das Dez medidas?
Não, o Congresso está confuso. Isso acontece porque luta uma luta inédita. A Lava-Jato é uma luta no escuro. A pressão está crescendo, e o Congresso está cedendo mais do que costuma ceder. Estava, por exemplo, decidido a salvar do Delcidio, mas na última hora jogou-o na guilhotina. Em situações normais, isso nunca teria acontecido. Mas, no fim das contas, a pressão influencia até certo ponto – e estamos para descobrir que ponto é este. Quando a sobrevivência política está em jogo, o fisiologismo predomina. O projeto das Dez Medidas, por exemplo, vai ser alterado pela Câmara.
Essas mudanças estão dentro das regras?
Em boa medida, esse é o papel do Congresso. O que não podemos é esperar que o legislativo não discuta uma proposta como a das Dez Medidas. Se o povo não gosta, que vá para as ruas, ou que vote diferente nas próximas eleições. Mas o Congresso tem o papel de debater. O Ministério Público, por mais bem cotado que esteja, não pode impor suas vontades.
O Congresso é capaz de barrar a Lava-Jato?
A Lava-Jato vai continuar avançando. É a maior e mais bem sucedida operação anticorrupção da história do mundo. E não vai se brecada. O que vai acontecer é que vai haver uma linha de corte entre o que é errado e o que é muito errado. O Supremo não poderia, de qualquer forma, julgar 300 deputados – até porque a prática de caixa 2 é o padrão na Casa. Fala-se que na Itália o Congresso conseguiu inviabilizar a Mãos Limpas, mas não podemos olhar para lá. Cada país escolhe seu futuro. O Brasil vive outra situação, e os instrumentos de controle e transparência evoluíram muito.
Essas propostas de autoproteção e o avanço das investigações vão acelerar o debate sobre a reforma política?
Uma reforma política é absolutamente necessária. Setenta por cento da população não se vê representada por nenhuma partido. O Brasil viu uma proliferação de partidos pequenos preocupados apenas com a sua sobrevivência. É a máxima dos pequenos partidos e grandes negócios. Há uma enorme área cinzenta no Congresso, que favorece o fisiologismo e as práticas protecionistas. Uma reforma imposta pelo Congresso não vai acontecer, principalmente agora. Deveria vir das ruas, mas, apesar das manifestações dos últimos anos, a sociedade é politicamente preguiçosa. Acaba predominando o gatopardismo – pequenas reformas para que o jogo continue exatamente como está. Lembro sempre da frase do José Múcio Monteiro, ministro do TCU: reforma política é que nem paraíso – todo mundo quer, mas não agora.