Sérgio Moro (Adriano Machado/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 6 de janeiro de 2019 às 10h12.
Brasília - Israel de Oliveira Pacheco, de 30 anos, passou cerca de dez anos preso sob a acusação de roubo e estupro em Lajeado, no Rio Grande do Sul. Sustentou desde o primeiro dia a sua inocência, que só foi reconhecida em julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 18 de dezembro de 2018. O que convenceu os ministros foi um cruzamento feito por meio de um banco de perfis genéticos: o DNA encontrado em uma mancha de sangue na casa da vítima deu positivo para outro suspeito do caso, que já era investigado por outras duas acusações de estupro.
Casos como esse são cada vez mais numerosos por causa do cruzamento de materiais genéticos armazenados em bancos de DNA. Em um ano, o número de investigações policiais que utilizaram esses bancos cresceu 28,2%, passando de 436, em 2017, para 559, no ano passado.
No discurso de transmissão de cargo na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, defendeu o Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) como uma das prioridades de sua gestão e disse que o instrumento, que considera determinante para a resolução de crimes e um inibidor da reincidência criminosa, "deixe de ser só uma miragem legal". Moro terá o desafio de colocar em prática a expansão já pretendida por ministros dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.
A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos foi criada em março de 2013 para manter, compartilhar e comparar DNAs com o objetivo de ajudar autoridades policiais de todo o País. Os perfis armazenados nos bancos são confrontados em busca de coincidências que permitam relacionar suspeitos a locais de crime ou diferentes locais de crime entre si. Os bancos de DNA têm caráter sigiloso e o acesso a eles é restrito e controlado.
Todos os DNAs coletados pelos laboratórios dos Estados brasileiros são enviados ao BNPG. Em novembro de 2017, o banco contava com 10.769 perfis genéticos. No mesmo mês de 2018, chegou a 18.080. Este crescimento de 67,8%, superior ao dos anos anteriores, deve-se em grande parte a um aumento superior a 100% no número de perfis de seis laboratórios do País.
Em 2018, o Ministério da Segurança Pública destinou R$ 22 milhões para o cadastramento de perfis genéticos de condenados, a aquisição de equipamentos para cinco laboratórios que ainda não estavam em pleno funcionamento, o cumprimento de auditorias externas, a instalação de novos computadores com alta capacidade de processamento(tecnicamente chamados de servidores), a realização da conferência anual da rede e reuniões bimestrais do comitê gestor.
A expectativa é de que em 2019 sejam direcionados ao menos R$ 20 milhões para os trabalhos. Para este ano, os esforços do comitê responsável pela rede de bancos de DNAs serão concentrados em três pilares: a modernização de laboratórios que ainda não estão prontos, a busca por desaparecidos e a solução de crimes sexuais. O País tem hoje 150 mil DNAs relativos a crimes sexuais nos laboratórios de perícia aguardando processamento por falta de insumo e pessoal.
A meta para 2019 é coletar o perfil genético de 70 mil condenados em todo o Brasil, segundo Ronaldo Carneiro, coordenador do comitê gestor e perito criminal do laboratório de genética forense do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal. "A ideia é que cheguemos em um ponto tal em que todos os condenados por crimes hediondos e grave violência contra a pessoa tenham material genético coletado na entrada do presídio, o que já é feito nos federais."
O perfil genético foi a garantia de liberdade para Israel Pacheco. "Espero que o caso sirva para que haja avanço e fortalecimento da polícia científica em busca de provas técnicas. Ele sempre negou a autoria do crime, mas acabou sendo condenado com base no reconhecimento da vítima, em que não houve respeito aos devidos procedimentos. É um alerta também para a necessidade de cautela nesses reconhecimentos", disse o defensor público do Rio Grande do Sul Rafael Raphaelli, que atuou no caso. "Que bom que não temos pena de morte, né?"
Desde 2012, condenados por crimes cometidos com grave violência ou hediondos podem ser submetidos à identificação de perfil genético, cujas informações são armazenadas em banco de dados sigiloso, de acordo com o que passou a prever a Lei 12.654.
A obrigatoriedade de cessão do DNA, que o ministro Sérgio Moro já anunciou que pretende tentar expandir para todos os presos condenados por crimes dolosos violentos, é polêmica e alvo de questionamento quanto à constitucionalidade em recurso extraordinário que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O relator é o ministro Gilmar Mendes e não há data para julgamento, que deverá ter repercussão geral - ou seja, valer para todos os questionamentos similares.
Sustenta a Defensoria Pública de Minas, autora do recurso, que a lei fere o princípio constitucional que estabelece que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. "Esse entendimento é consagrado na jurisprudências dos tribunais do País, e não é uma criação da constituição brasileira", disse o defensor público de MG Flávio Lélles. No caso original, o órgão contesta o pedido do MP que queria submeter um preso à verificação.
Além do aspecto legal, há outras preocupações. "A polícia atua fora de controle, baseada no apelo popular, sem a devida atuação dos órgãos que deveriam vigiá-la, e vamos equipá-la com o instrumento mais rigoroso que existe? Plantar vestígios em cenas de crime é muito fácil", disse o professor de Criminologia da Universidade de São Paulo (USP) Maurício Stegemann Dieter. "Estamos criando um banco de gente que vai fortalecer a reincidência como fator número 1." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.