Bebidas: o número de locais vistoriados também diminuiu - 32%, de 256,9 mil em 2012 para 169,4 mil em 2017 (Marcos Santos/USP Imagens/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 3 de abril de 2018 às 08h18.
São Paulo - Seis anos após a sanção da lei antiálcool no Estado de São Paulo, o número de fiscalizações em estabelecimentos que vendem ou permitem o consumo de bebida alcoólica por adolescentes caiu 39,3%.
Dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo apontam 10,8 mil saídas para fiscalizações no ano passado pela Vigilância Sanitária Estadual, principal responsável pelo cumprimento da lei. Em 2012, foram 17,9 mil. Até hoje, nenhum estabelecimento foi fechado por descumprir a lei.
Com isso, o número de locais vistoriados também diminuiu - 32%, de 256,9 mil em 2012 para 169,4 mil em 2017 -, assim como as multas aplicadas - 82%, de 849 no primeiro ano para 150 no ano passado.
O governo alega que treinou 500 agentes para que os municípios também se responsabilizem, mas nem todos aderiram. São Paulo, por exemplo, com 12 milhões de habitantes, deve começar a treinar agentes neste semestre. A capital conta hoje com o trabalho de 45 agentes estaduais.
O jornal diz ainda que a redução nas autuações é "natural", uma vez que os bares se adaptam à legislação. Mas as queixas se acumulam, como no caso do Colégio Adventista, escola particular que tem 1,8 mil alunos e fica na Rua Taguá, na Liberdade, região central de São Paulo. A escola denuncia frequentemente a presença de bares irregulares na região.
"Há uma grande concentração de adolescentes, muitos usando drogas e bebendo. Já fizemos muitas reclamações", disse o vice-diretor, Bruno Ferrarezi. Os alunos do colégio são proibidos de atravessar a rua ao sair da escola. Ao menos seis funcionários monitoram o portão.
O colégio ingressou com uma representação no Ministério Público Estadual em 2016 para denunciar o problema. O inquérito foi arquivado. O corretor de imóveis Aldo Ferreira de Assis, de 58 anos, tem dois filhos no colégio. "Já protocolei até reclamação na Prefeitura."
A reportagem esteve no local em duas sextas-feiras, dias 16 e 23 de março. No primeiro dia, em menos de 20 minutos entrevistou seis adolescentes, de 16 e 17 anos, consumindo bebidas alcoólicas. Todas disseram que não foi exigido o RG, o que foi confirmado pelo Estado na frente dos estabelecimentos.
"Você acha que eles vão ficar pedindo para todo mundo? Eles querem vender", disse uma das jovens. A Polícia Militar informou, em nota, que realizou uma operação conjunta nesse dia, incluindo agentes da Vigilância e da Regional Sé, e que mais de 40 abordagens foram feitas. Mas ninguém foi advertido.
Na semana seguinte, no dia 23, a reportagem voltou ao local e a situação se repetia, mesmo com a presença intensificada da PM. "Não tem como saber a idade de cada um", admitiu um policial.
A possível falta de fiscalização da lei é questionada pelo Ministério Público Estadual. O jornal identificou e analisou 19 inquéritos civis abertos na capital para investigar estabelecimentos denunciados. A Promotoria da Infância e Juventude quer questionar as fiscalizações.
"Queremos abrir um inquérito único para entender o que a Vigilância está fazendo", diz a promotora Luciana Bérgamo. "Falta intensificar essa fiscalização. O problema do álcool é um problema cultural. Parece que há uma condescendência com o uso", diz.
Um representante do Procon, órgão que também deve fiscalizar as ações em âmbito estadual, admitiu ao MPE "dificuldade orçamentária, que implica escassez de funcionários". Já a PM informou que faz ações em apoio aos órgãos municipais e estaduais para a fiscalização "sempre que necessário".
O Ministério Público também mira a Prefeitura em relação a fiscalizações antiálcool. Uma lei municipal regulamentada em 2008 pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) prevê participação da Prefeitura tanto na repressão como na conscientização sobre consumo de bebida alcoólica.
O decreto diz que o Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool (Comuda) seria o responsável por coordenar a implementação das ações, algo que, na prática, não aconteceu.
A Prefeitura diz que não realizou fiscalizações porque o Comuda não formatou o programa de ações. Já a presidente do Comuda, Nathália Oliveira, diz que contava com recursos vindos de uma secretaria municipal que foi extinta.
A psiquiatra da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques, diz que a lei é boa, mas que apenas a fiscalização não garante uma política eficiente.
"Precisamos de uma política inteira. Não podemos olhar só para uma medida e achar que dá conta do problema. É preciso ter também a prevenção e o tratamento daqueles que fazem uso abusivo."
Ela lembra também que o veto aos adolescentes tem razões científicas. "Eles têm áreas do cérebro que ainda não estão maduras. Além disso, o risco de desenvolver dependência é maior se o indivíduo começa a beber ainda na adolescência." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.