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Após intervenção, chefe do Sindicato dos delegados de PF critica Bolsonaro

A abrupta interferência do presidente na rotina administrativa da PF ocorreu na quinta, com o anúncio de substituição no Rio

Polícia Federal: delegados receberam com indignação ordem de Bolsonaro para mudança no comando da corporação no Rio (Vagner Rosário/VEJA)

Polícia Federal: delegados receberam com indignação ordem de Bolsonaro para mudança no comando da corporação no Rio (Vagner Rosário/VEJA)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 17 de agosto de 2019 às 15h31.

Última atualização em 17 de agosto de 2019 às 15h34.

Delegados federais estão inquietos. Eles receberam com surpresa e indignação a ordem do presidente Jair Bolsonaro para mudança no comando da corporação no Rio - caiu, de repente, o delegado Ricardo Saadi, um especialista em investigações sobre crimes financeiros e recuperação de ativos da corrupção no exterior.

"A ingerência política na Polícia Federal é perigosíssima, pois coloca o órgão totalmente à disposição do governante, que passa a se sentir a vontade para usá-la conforme seus interesses", alerta Tania Prado, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal em São Paulo e também diretora da Associação Nacional dos Delegados da PF.

A abrupta interferência de Bolsonaro na rotina administrativa da PF ocorreu na quinta, 15, quando, em entrevista a jornalistas, anunciou a substituição na Superintendência Regional da corporação no Rio.

 

 

Seguiu-se um imbróglio com relação à escolha do novo chefe da PF no Estado. Quem iria assumir a cadeira? O superintendente em Pernambuco ou o do Amazonas?

Na sexta, 16, o presidente disse que não é "um presidente banana'. "Cada um faz o que bem entende e tudo bem? Não!"

Tania Prado argumenta que 'os detentores dos cargos em comissão são sempre escolhidos pelo diretor-geral da PF'.

A delegada ingressou na PF em 2003, em Foz do Iguaçu. Atuou nas áreas de polícia fazendária, repressão ao tráfico de drogas, corregedoria e combate à pedopornografia.

Ela é graduada em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Segurança Pública na Universidade Jean Moulin, em Lyon, na França.

Segundo Tania, 'o governo tem, no máximo, poder de veto a algum nome quando da formalização da nomeação para o cargo DAS'.

Em entrevista ao Estadão, a delegada federal sustenta que 'a fala do presidente coloca em xeque o discurso de que o governo respeita e dá autonomia tanto para o Ministro da Justiça como para a própria Polícia Federal'.

Tania adverte que 'quando um governante retira do diretor-geral a escolha dos cargos de comando do órgão, retira essa fatia de autonomia do gestor, passando por cima da hierarquia administrativa'.

Os delegados de Polícia Federal estão inquietos com a substituição do chefe da corporação no Rio. Por quê?

A classe dos delegados da PF viu com grande estranheza as declarações do presidente sobre a troca de superintendente, pois nunca ocorreu esse tipo de interferência antes, pelo menos não de maneira tão explícita. Os detentores dos cargos em comissão são sempre escolhidos pelo diretor-geral da PF. O governo tem, no máximo, poder de veto a algum nome quando da formalização da nomeação para o cargo DAS (Direção e Assessoramento Superior).

A ingerência política na Polícia Federal é perigosíssima, pois coloca o órgão totalmente à disposição do governante, que passa a se sentir a vontade para usá-la conforme seus interesses. A Polícia Federal não é um órgão que fica à disposição da agenda de interessses do governante do momento.

O presidente falou em 'produtividade' ao mandar trocar o chefe da PF Rio. A sra. imagina o que ele quis dizer?

Muito provavelmente usou o termo 'produtividade' porque buscou um motivo objetivo, porém a Superintendência do Rio de Janeiro, uma das maiores do país, como se sabe, é protagonista de fases importantes da Operação Lava Jato, portanto, notoriamente bem conduzida pelo dr. Ricardo Saadi.

A decisão do presidente viola a autonomia da PF?

A fala do presidente coloca em xeque o discurso de que o governo respeita e 'dá' autonomia tanto para o Ministro da Justiça como para a própria Polícia Federal. O cargo de diretor-geral da PF, um delegado de carreira (desde a lei de 2014), existe justamente para que haja o mínimo possível de interferência política ou de qualquer outra natureza, externa.

Nesse sentido, quando um governante retira do diretor-geral a escolha dos cargos de comando do órgão, retira essa fatia de autonomia do gestor, passando por cima da hierarquia administrativa.

Ele disse 'quem manda sou eu'. A sra concorda?

Os cargos DAS (Direção e Assessoramento Superior) são nomeados pelo presidente, é inerente ao presidencialismo. O próprio cargo do diretor-geral da PF é de livre nomeação e exoneração. Porém, ao longo dos anos, os governantes respeitaram as indicações dos diretores-gerais da PF para os cargos comissionados e funções gratificadas, por exemplo, a chefia de delegacias, com algumas situações de veto pela Casa Civil. As escolhas de diretor-geral pelos ministros da Justiça sempre foram respeitadas, também.Considerando-se que dirigir a Polícia Federal é atribuição do diretor-geral, é equivocada a ideia de que outros agentes públicos posicionados hierarquicamente acima dele possam avocar seus atos e decidir no seu lugar, conforme seu interesse pessoal.

Quem manda na PF?

DELEGADA TANIA PRADO: O próprio Direito Administrativo responde a questão: quem comanda a Polícia Federal é seu diretor-geral, que escolhe os superintendentes regionais e afins. Do contrário, a PF seria um apêndice da presidência ou até do Ministério da Justiça, não teria um diretor. Não é aceitável que um presidente se comporte dessa forma com a Polícia Federal, atropelando decisões que cabem ao diretor-geral e passando por cima até mesmo do ministro Sergio Moro, conforme sua agenda de interesses.

A decisão do presidente frustra as expectativas dos delegados no novo governo?

Os comentários do presidente felizmente foram revistos, porém causaram bastante indignação, porque mexem com algo que é muito caro à Polícia Federal, um órgão permanente de Estado, que deve ter autonomia, ser uma instituição livre de interferências do governante. A PF já sofre com contingenciamento de recursos, falta de efetivo, carecendo de dispositivos na Constituição que prevejam sua autonomia funcional, administrativa e orçamentária, justamente para que possa cumprir sua missão sem ameaças externas.

Qual a saída para evitar ingerências políticas na corporação?

Para que a Polícia Federal fique blindada, é necessário aprovar a PEC 412/2009, que garante a sua autonomia constitucional e a PEC 101/2015 que estabelece o mandato de Diretor-Geral. É preciso garantir na Constituição a autonomia da PF. Uma proposta de emenda tramita há 10 anos e ainda não avançou. É uma questão urgente, pois está evidente que a cada governo que passa, os políticos irão buscar formas de tomar a instituição, aparelhando-a, conforme seus interesses, o que é o mesmo que implodir o órgão.

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