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Após eleição, mulheres feministas se organizam contra conservadorismo

"Quando a democracia retrocede, mulheres ficam pelo caminho, porque são corpos historicamente marginalizados", diz deputada do PSOL

Protesto: desafio será manter união feminina que resultou em protestos do #EleNão (Nacho Doce/Reuters)

Protesto: desafio será manter união feminina que resultou em protestos do #EleNão (Nacho Doce/Reuters)

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AFP

Publicado em 28 de novembro de 2018 às 13h47.

"Ninguém solta a mão de ninguém". O lema que se popularizou após a eleição de Jair Bolsonaro resume o momento atual de diversas mulheres e vertentes do movimento feminista brasileiro, que buscam se unir e organizar para lidar com a ascensão do conservadorismo no universo político nacional.

Eleito presidente em 28 de outubro com cerca de 58 milhões de votos, Bolsonaro é conhecido por declarações misóginas, e sua campanha também foi marcada por afirmações ameaçadoras - o então candidato prometeu "botar um ponto final todos os ativismos" do Brasil.

Ao mesmo tempo, mulheres de diversas idades, correntes políticas e classes sociais se uniram contra o candidato, na campanha estruturada de forma orgânica e digital #EleNão, que levou às ruas milhões de brasileiras em setembro. Replicar este tipo de união é o desafio que os movimentos sociais e feministas terão a partir de 1º de janeiro.

"Eu não sei bem como vamos nos organizar", admite a filósofa Djamila Ribeiro, à AFP.

"Eu acho que a gente vai continuar resistindo e criando estratégias a partir daquilo que for acontecendo", explica a pensadora — que está certa de que não estará isolada neste momento.

Essa organização atual das mulheres "é um movimento muito interessante, histórico, contínuo, que cada vez ganha mais força. Acho que vai ser difícil parar isso que está vindo. Metade da população é contra (o Bolsonaro). São milhões e milhões de pessoas que também vão resistir e pensar em estratégias para a gente continuar. Todo tempo histórico tem suas dificuldades", recorda Ribeiro.

O Congresso eleito é amplamente definido como um dos mais conservadores desde o fim da ditadura e, embora o percentual de mulheres tenha crescido, muitas delas seguem a linha de extrema direita do presidente.

"A gente errou"

"Nossa tarefa prioritária é criar uma ampla unidade em torno da democracia", aposta Talíria Petrone, eleita pela primeira vez deputada federal pelo Psol.

"Quando a democracia retrocede, mulheres ficam pelo caminho, porque são corpos historicamente marginalizados. São tempos difíceis. Mas, se não dá para ser otimista, o pessimismo não me serve de nada", completa a atual vereadora por Niterói.

Mas ela reconhece que o movimento tinha falhas. Bolsonaro venceu, apesar das intensas demonstrações que lideraram e que, para alguns analistas, teve o efeito oposto, especialmente em pessoas que questionaram o radicalismo de algumas ações.

"A verdade é que a gente errou. Bolsonaro era uma piada (...) nunca nos preocupou. Agora a gente tem que unir todas as forças possíveis, até para que possamos ter nossas discordâncias. E precisamos voltar para o território da escuta. É através da escuta e das bases que vamos conseguir transformar esse cenário", comentou Petrone em um fórum no início do mês, no Rio.

Rio na mira

No Rio de Janeiro, além do presidente e do prefeito Marcelo Crivella, a população elegeu como governador Wilson Witzel, que autorizava, em seu plano de governo, o "abate" de criminosos armados e prometeu solucionar o flagelo da violência com o uso de "snipers" pela polícia.

"O estado do Rio talvez seja o mais atingido pelo conservadorismo, em diferentes camadas", opina Eliana Sousa, diretora da organização Redes da Maré, que acredita, contudo, que este não é o momentode se "apavorar".

"Pensar garantias de direitos humanas, defesa da população, como fazemos, em uma agenda localizada na favela, vai ser difícil. A gente está esperando um cenário bem pior que o atual, que já é bem ruim", resumiu a educadora. "Por conta disso, a gente já vem pensando em como trazer visibilidade e abordar esse problema conjuntamente", explica.

Sil Bahia, diretora do Olabi - organização social focada em democratização da tecnologia - e coordenadora do PretaLab - projeto que reflete sobre a relação de mulheres negras, inovação e tecnologia -, também encara o ano que virá com um misto de preocupação e paciência.

"Ninguém tem respostas sobre o que vai acontecer, mas já começamos a nos organizar. Desde outubro temos sido mais procurados para facilitar cursos sobre segurança digital, por exemplo. Tanto no meu ativismo 'pessoa física', quanto institucionalmente, já estamos nos reunindo e pensando. É aquele lema: ninguém solta a mão de ninguém", afirma.

Elas sim

O papel das mulheres nas diferentes esferas de atuação - seja política, acadêmica, ou social - ainda será definido, mas é um senso comum entre feministas que nenhum retrocesso passará pacificamente.

"As mulheres sempre foram responsáveis por muitas das mudanças sociais, e na favela vemos isso claramente. E eu acredito que elas vão continuar de forma criativa, inventiva, a criar essa resistência estratégica", aposta Sousa.

A inspiração para resistir não precisará vir de longe.

"Eu sempre falo que é importante a gente conhecer a nossa história, e fico pensando no Quilombo dos Palmares, que teve mais de cem anos de existência, num período de 300 anos de escravidão, incomodando a Coroa Portuguesa", lembra.

"Acho que a gente precisa resgatar esses saberes quilombolas, esses saberes de resistência. A [intelectual negra falecida em 1994] Lélia Gonzales dizia: a gente não compartilha só a dor, compartilha legados de luta. A gente precisa conhecer esse legado de luta para se apropriar, se apoderar dele e continuar resistindo", conclui Ribeiro.

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